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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A CIDADANIA, O HOMEM, A DEMOCRACIA E A DIGNIDADE E DELINQUÊNCIA

“Homem, Estado e democracia
        
         Talvez o maior dilema doutrinário nos chamados regimes democráticos de direito reside da hierarquia, na resultante de poder do que se convencionou chamar de equação homem x Estado. O âmago dessa perplexidade mora na ideia de que é impositiva uma hierarquização entre as vontades, interesses e expectativas de um e de outro. O embate entre eles, inevitável , torna imperativa a supremacia do Estado sobre o indivíduo. Isso, inegavelmente, põe em cheque os próprios valores da democracia a qual é um regime de liberdades e não de restrições ou hierarquias. Uma questão que se coloca está em examinar como se forma o que se chama aqui de “vontade do Estado”. Acaso ela não seria a expressão da vontade dos indivíduos que ocupam o Estado? E, nessa perspectiva, não seria inescapável que o conflito dessas vontades reduz-se a um conflito de vontades, grupais ou individuais? Ou seja, o indivíduo (ou grupo) desvestido das prerrogativas de Estado “versus” o indivíduo (ou grupo) investido dessas prerrogativas?
         O Estado não é um  animal, alma autônoma afastada do homem, mas criação dos homens e composta por homens. Dessa forma, não há uma lógica plausível no pensamento de que sua simples existência signifique a prevalência de suas “vontades” sobre as vontades, expectativas e interesses do cidadão  que conflitem com as do Estado. Nesse núcleo, nem há diferença entre os regimes totalitários ou liberais: a distinção é, ou de ênfase, ou de modelos de seleção dos homens do Estado, apenas.
         A partir do modelo de Karl Loewenstein pode-se avançar nesse tema. Para ele, um poder transcende ao próprio Estado (policy determination) o instituiria, segundo cláusulas definidas numa constituição. Ao Estado, criado segundo os contornos estabelecidos nessa determinação, caberia o exercício do que chamou de policy execution (execução) e de policy control  (controle). Ao contrário do modelo vertical de Montesquieu, os poderes do Estado não estariam necessariamente formalizados em estruturas burocráticas autônomas. A proposição de Loewenstein é material. Assim, haveria execução indistintamente nos poderes Executivo e Legislativo. E controle no Judiciário. A determinação é como que o sopro de Deus; dá vida ao Estado, institui suas características, seus poderes e esvanece. Ao concentrar na determinação toda a fonte de autoridade e hierarquia do Estado sobre o indivíduo, o modelo faz crer que essa autoridade não reside no Estado real, cotidiano. Ao Estado cabe, apenas e tão somente, realizar os modelos hierárquicos e de supremacia que lhe foram impostos. O Estado não é fonte da hierarquia, mas estrutura para sua realização.
         O simples deslocamento da hierarquia para aquilo que os kantianos chamariam de metajuridicidade não resolve a questão. A execução impõe, de per si, o estabelecimento do que eu chamo de micro-determinação. Os burocratas, inclusive os da execução, têm um modo próprio de interpretar e aplicar as regras de direito com que o deus determinação os ungiu. E não há, necessariamente, coincidência nessas ações, colocados o homem e o Estado diante delas. E, em vista dessa “descoincidência”, sempre haverá espaço para o cidadão confrontar as decisões do burocrata.
         Assim, o problema da hierarquia na equação homem x Estado encontra-se apenas aparentemente isolado dos mecanismos da ação diuturna de um e de outro. A determinação não apazigua toda a miríade de conflitos que brota da interpretação entre o homem e a execução da norma jurídica. Na verdade, a determinação parece propor conflitos. E tanto assim é que a própria existência do controle político evidencia o conflito inerente à sua execução.
         Cabe aqui divagar, no sentido de que o controle não se resume a controle de legalidade do ato estatal. Isso é bem pouco. Afastado o rigor formalista dos kantianos, o Estado é muito mais que a norma jurídica institucionalizada. A chamada política do direito (no dizer de Kelsen) diz muito mais perto aos interesses do cidadão do que a fria letra da lei.
         O que se pode depreender, a partira da informalidade do trio de Loewenstein, é que nem é necessário que o controle resida exclusivamente na burocracia estatal. É de se sugerir que ele também está nas ruas, no cidadão ao qual o estado diz servir. Sob o aspecto formal (eleições) ou informal (protestos) é fora de questão o enorme poder que reside nessa instância. De fato, ainda que se mantenha a determinação incólume, é aceitável, seja pela alternância de poder protagonizada a partir das eleições, seja pela revisão da ação do estado decorrente dos protestos, que haja um sensível “tranco” na ação do Estado. E isso sem ruptura institucional. Sem fraturar a determinação.
         Portanto, é ingênuo e precipitado imaginar-se que a “voz das ruas” seja prenúncio de inevitável ruptura institucional. Pelo contrário, como mecanismo de controle, é um dos elementos da sociedade organizada capaz de impor uma saudável revisão na execução.
         O pensamento padrão considera que a estrutura burocrática do Estado haverá de conter todos os “poderes” que atuam no cotidiano das democracias. Eis o equívoco. E, quem sabe, o germe maldito da própria ruptura institucional: a incapacidade de compreender que o controle (tal como a determinação o é, sempre) pode muito bem interferir desde “fora” do Estado. E ser respeitado como tal.”

(CAIO BOSON.  Advogado especialista em direito público e sócio de Boson  & Associados, Advogados, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 21 de fevereiro de 2014, caderno DIREITO & JUSTIÇA, página 8).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Dignidade e delinquência
        
         Os cenários nas sociedades contemporâneas merecem atenção e tratamento especial por parte de todos, particularmente das lideranças políticas, governamentais e religiosas. Esses cenários estão marcados pela banalização crescente da dignidade humana, que favorece atos de delinquência, trazendo prejuízos irreversíveis. A perda do sentido autêntico da pessoa tem sido um vetor determinante do esvaziamento da consciência individual e coletiva. Aí está uma incontestável e perene fonte da violência, da corrupção e dos mais diversos tipos de manipulações – de coisas, instituições e pessoas.
         A gravidade dessa situação atinge o núcleo da consciência moral que deve sustentar cada pessoa no desabrochamento de sua conduta, pautada no mais relevante sentido de respeito ao outro. No coração humano há uma lei inscrita pelo próprio Deus, no fundo da própria consciência. É uma lei que o homem não impôs a si mesmo, mas à qual ele deve obedecer, como uma voz que estão chamando-o ao amor, ao bem. Quando o indivíduo perde a competência para ouvir essa voz, se encontra às portas do mal. A perda e esvaziamento da consciência moral são, pois, o impulso determinante que faz nascer o delinquente.
         Criminosos, dos mais variados tipos, escutam outra voz que determina a submissão interesseira à idolatria do dinheiro, ao entendimento do prazer como fonte de manipulação e lucro. Essa voz alimenta a ganância que inaugura a cada momento uma corrida desenfreada, pautada na disputa, que faz de cada um inimigo do outro. Essa delinquência está nas violências de todo tipo, inclusive nos radicalismos políticos e fundamentalismos religiosos, arregimentando muita gente aos extremos, equivocada e lamentavelmente convencida de estar mais próxima da verdade, sentindo-se no direito de produzir, segundo seus critérios, os ordenamentos necessários, e a implantação de uma justiça que é cega e incapaz de estabelecer a verdadeira dignidade que configura e define a pessoa.
         O princípio sagrado e intocável da dignidade humana não permite que cada pessoa se pense como absoluta, edificada por si mesma, sobre si mesma e de si mesma dependente. A sociedade contemporânea está sendo levada por dinâmicas que estão alimentando reducionismos muito perigosos. Isso compromete o entendimento do sentido da dignidade, gera um enfraquecimento da fraternidade e incapacita para a solidariedade. Lamentável é o entendimento da consciência moral com a simples função de aplicação de normas gerais aos casos individuais da vida. A decomposição da consciência moral deve inspirar uma “trincheira” guerreando por sua recuperação. No caminho  oposto, corre-se o risco de se produzir colapsos em série que inviabilizarão o futuro das sociedades. Crescerão as barbáries e os descompassos regerão a vida cotidiana, que se tornará, impulsionada pelo frenesi da vida moderna e das ganâncias, um lento suicídio coletivo, atingindo as culturas, tradições e pessoas.
         É preciso eleger como prioridade a permanente recomposição da consciência moral individual e comunitária. O inadequado tratamento dessa primazia é a produção de delinquências praticadas tanto por “engravatados” quanto por “maltrapilhos”. Deve-se investir, de modo sério e profundo, em toda a esfera psicológica e afetiva de cada pessoa, bem como nos múltiplos contextos do ambiente social e cultural. Esse investimento, portanto, há de ter cada pessoa como destinatária. Seu encaminhamento concreto indica que o conjunto da sociedade precisa ser mapeado e tratamentos específicos precisam ser disponibilizados. Assim será possível alcançar um processo educativo e de recuperação dessa consciência moral perdida. Esse mapeamento se desdobra em vários capítulos, cada um com a tarefa de sensibilizar e buscar contribuições para resgatar e qualificar a cidadania..
         Capítulo determinante desse processo são as reflexões sobre a realidade carcerária do Brasil, com seus 500 mil presos, em condições de contínua e acentuada perda da consciência moral, em razão das dinâmicas e das condições dos presídios. Uma realidade que envolve muitas situações, de diferente matizes, e gera grande preocupação pelo que se está produzindo. O sistema prisional tem feito surgir contextos inadequados, atingindo famílias, presos que não deveriam estar no cárcere e até aqueles de alta periculosidade. Uma situação que se agrava diante da grande comunidade atingida por compreensões equivocadas ou ineficazes sobre a prioridade de recuperar pessoas, permitindo-lhes recompor a consciência moral.
         Esse capítulo, entre outros mapeamentos que a sociedade brasileira precisa considerar, é prioridade do Vicariato Episcopal para Ação Social e Política da Arquidiocese de Belo Horizonte, com sua Pastoral Carcerária, e de experiências exitosas como as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), instituições que estão em diálogo com a sensibilidade social e comprometimento da ministra Cármem Lúcia Antunes, do Supremo Tribunal Federal. Um trabalho necessário pela certeza de que o Estado precisa de ajuda. É preciso o envolvimento de instituições especializadas em humanidade para recuperar dignidades e superar delinquências.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, severo e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem (por exemplo, as barbáries, as violências, as delinquências que vão aflorando nas sociedades contemporâneas); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão – revisada – de R$ 654 bilhões), a exigir uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...