“O
Brasil tem uma democracia que se nega à participação social
Um grito geral da mídia
corporativa, de parlamentares da oposição e de analistas sociais ligados ao
status quo de viés conservador se levantou furiosamente contra o decreto
presidencial que institui a Política Nacional de Participação Social. O decreto
não inova em nada nem introduz novos itens de participação social. Apenas
procura ordenar os movimentos sociais existentes, alguns vindos dos anos 1930,
mas que nos últimos anos se multiplicaram exponencialmente. O decreto reconhece
essa realidade e a estimula para que enriqueça
o tipo de democracia representativa vigente com um elemento novo, que é
a democracia participativa. Essa não tem o poder de decisão, apenas de
consulta, de informação, de troca e de sugestão para os problemas locais e
nacionais.
Portanto,
aqueles analistas que afirmam que a presença dos movimentos sociais tira o
poder de decisão do governo, do Parlamento e do poder público laboram em erro
ou acusam de má-fé. E o fazem não sem razão. Estão acostumados a se mover
dentro de um tipo de democracia de baixíssima intensidade, de costas para a
sociedade e livre de qualquer controle social.
Valho-me
das palavras do sociólogo e pedagogo Pedro Demo. Em sua “Introdução à
Sociologia”, diz: “Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia
refinada, repleta de leis ‘bonitas’, mas feitas sempre, em última instância,
pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Político (com
raras exceções) é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco,
fazer negociatas, empregar parentes e apaniguados, enriquecer-se à custa dos
cofres públicos e entrar no mercado por cima... Se ligássemos democracia com
justiça social, nossa democracia seria sua própria negação”. Não faz uma
caricatura de nossa democracia, mas uma descrição real daquilo que ela sempre
foi em nossa história.
Mas
ela pode ser melhorada e enriquecida com a energia acumulada pelas centenas de
movimentos sociais e pela sociedade organizada que estão revitalizando as bases
do país e que não aceitam mais esse tipo de Brasil. Agora, esses setores
sociais querem completar essa obra de magnitude histórica com mais
participação. E eles têm direito a isso, pois a democracia é um modo de viver e
de organizar a vida social sempre em aberto.
O ato
de votar não é o ponto de chegada ou o ponto final da democracia, como querem
os liberais. É um patamar que permite outros níveis de realização do verdadeiro
sentido de toda a política: realizar o bem comum por meio da vontade geral que
se expressa por representantes eleitos e pela participação da sociedade
organizada.
Isso,
no pensar do teórico da democracia no século XX Norberto Bobbio, se viabiliza
por meio da democracia formal e da democracia substancial. A formal se
constitui por um conjunto de regras para chegar a decisões políticas por parte
do governo e dos representantes eleitos. Como se depreende, estabelece regras,
mas não define o que decidir. É aqui que entra a democracia substancial. Ela
determina certos conjuntos de fins.
Os
movimentos sociais e a sociedade organizada, devido à gravidade da situação
global do sistema-vida e do sistema-Terra, e na busca de um caminho melhor para
o Brasil e para o mundo, querem oferecer tudo aquilo que possa contribuir na
invenção de outro tipo de Brasil, no qual todos possam caber.
Uma
democracia que se nega a essa colaboração é uma democracia que se volta contra
o povo e, no termo, contra a vida. Daí a importância de secundarmos o decreto
presidencial sobre a Política Nacional de Participação Social.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 11 de
julho de 2014, caderno O.PINIÃO, página
18).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:
“Sonho
adiado: reagir!
O sonho brasileiro de
ser hexacampeão está adiado e isso “dói na pele”, disse alguém. Não é desta vez
que se apagará o pesadelo de 1950, a derrota amarga na final para o Uruguai, em
pleno Maracanã, o mais simbólico “templo do futebol brasileiro”. A Seleção
Brasileira de Futebol, neste terceiro milênio, provocou uma nova ferida. Mas é
importante recompor-se para dar um tratamento adequado ao atual contexto do
Brasil. Afinal, lutar pelos sonhos e, consequentemente, construir conquistas,
não só esportivas, mas, sobretudo, culturais, sociais e políticas, exige
efetiva atuação para transformar a realidade.
O
sonho adiado não precisa mexer com os brios da cidadania brasileira. Não se
pode satisfazer a autoestima apenas com a organização do megaevento e com as
parciais conquistas na infraestrutura – reconhecendo que os sete anos de
preparação não fizeram jus ao esperado e merecido pelo povo. Se, nas vésperas da
Copa, a mídia exagerou ao anunciar um possível apagão aéreo, imobilidade no
tráfego e outras coisas, não deixou de ter razão ao sublinhar que ainda existe
uma dívida social. Esse débito não pode ser considerado pago pelo Bolsa
Família. Nem pela ascensão social de grande parte da população, quando se
consideram os avanços necessários para se alcançar a condição social merecida
pelos filhos deste solo que é a mãe pária amada Brasil. É hora de reagir.
O
desencantamento pelo futebol da Seleção Brasileira não pode levar à desilusão.
Até porque ainda falta um jogo que pode significar a conquista do terceiro
lugar. Não tem grande valor, em um torneio esportivo dessa dimensão, ser o
terceiro ou estar entre os quatro melhores do mundo? Que sintoma é esse de só
contentar-se em ser o primeiro? Não será uma espécie de síndrome da
glorificação? A única seleção que já participou de todas as Copas, a única
pentacampeã. São exemplares os povos que receberam em festa suas seleções,
mesmo desclassificadas, reconhecendo o esforço e o bom desempenho dos atletas.
Diante
da impossibilidade da conquista do título “em casa”, retoma-se a reflexão sobre
as razões que levaram à realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil. Agora
não importa se houve vaidade ou interesse político eleitoreiro. Nem mesmo
pode-se pensar que o torneio valeu para difundir uma imagem positiva do país. O
fiasco da goleada na semifinal revela fragilidades partilhadas não só pelo
grupo de jovens atletas que têm condições de ter mais êxito na arte do futebol,
mas por todos os brasileiros. O “fiasco deles”, portanto, não é só deles, mas
de todos. Não apenas em razão do futebol, mas especialmente pelo que falta em
educação, cultura, seriedade, investimento, política limpa, sentido de
cidadania e tantas outras coisas que configuram o funcionamento de nossa
sociedade.
A
goleada mexeu com os brios da cidadania brasileira e não pode ser atribuída tão
somente ao desempenho dos jogadores. Eles são iguais aos demais jovens, filhos
de nossas famílias, amigos, conhecidos, estudantes, trabalhadores, sofredores.
Embora sejam “estrelas” em seus times e
ganhem dinheiro de forma exorbitante, são também cidadãos comuns, muitos
nasceram em famílias pobres, foram alunos de sistemas educacionais
comprometidos e fragilizados. Percebe-se que se está diante de todos um enorme
desafio, que já é bem enfrentado por outros países. Não basta gostar de jogar
futebol e progredir aí profissionalmente. O equilíbrio, a garra e a competência
para exercer os próprios dons e qualidades, no campo de futebol, na
universidade, na ciência, na solidariedade e na simplicidade do cotidiano
exigem mais investimentos, ajustes nas dinâmicas culturais que ambientam o dia
a dia de um povo.
Agora,
de modo especial, é hora de reagir, em diferentes frentes de ação, projetos e
respostas. É o momento de abandonar a tendência de idolatrar figuras e combater
as diferenças sociais gritantes, fazer política com outra ciência, investir
para que a juventude possa brilhar na educação, no esporte, na arte, na
cultura, gerando um tecido consistente indispensável para se chegar à condição
de nação campeã. O sonho está adiado e para torná-lo realidade é preciso
reagir, imediatamente. Apoiando os jovens jogadores para a conquista do
terceiro lugar, com o sentido de reconhecimento, é preciso consolidar o que, politicamente, a
Copa pode significar: uma etapa nova na história do Brasil.”
Eis, pois, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem (a propósito, a fala grave de Santo Tomás de Aquino: “O que faz injusto
um governo é tratar-se, nele, o bem particular do governante, com menosprezo do
bem comum da multidão. Logo, quanto mais se afasta do bem comum, tanto mais
injusto é o regime; ora, mais se afasta do bem comum a oligarquia, na qual se
busca o bem de uns poucos, do que na democracia, na qual se procura o de
muitos; e ainda mais se aparta do bem comum na tirania, em que se busca somente
o bem de um”.); III – o desperdício, em
todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à
pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas
e sempre crescentes necessidades de ampliação
e modernização de setores como: a gestão
pública; a infraestrutura (rodovias,
ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada,
esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística
reversa); meio ambiente; habitação;
mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda;
agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência
social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública;
forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e
desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo;
comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional
–, transparência, eficiência, eficácia, efetividade,
economicidade,criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada,
livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar
suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais
especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que
contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do
pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da
internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...