segunda-feira, 14 de julho de 2014

A CIDADANIA, A DEMOCRACIA, A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E A CONSTRUÇÃO DE SONHOS

“O Brasil tem uma democracia que se nega à participação social
        
          Um grito geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de analistas sociais ligados ao status quo de viés conservador se levantou furiosamente contra o decreto presidencial que institui a Política Nacional de Participação Social. O decreto não inova em nada nem introduz novos itens de participação social. Apenas procura ordenar os movimentos sociais existentes, alguns vindos dos anos 1930, mas que nos últimos anos se multiplicaram exponencialmente. O decreto reconhece essa realidade e a estimula para que enriqueça  o tipo de democracia representativa vigente com um elemento novo, que é a democracia participativa. Essa não tem o poder de decisão, apenas de consulta, de informação, de troca e de sugestão para os problemas locais e nacionais.
         Portanto, aqueles analistas que afirmam que a presença dos movimentos sociais tira o poder de decisão do governo, do Parlamento e do poder público laboram em erro ou acusam de má-fé. E o fazem não sem razão. Estão acostumados a se mover dentro de um tipo de democracia de baixíssima intensidade, de costas para a sociedade e livre de qualquer controle social.
         Valho-me das palavras do sociólogo e pedagogo Pedro Demo. Em sua “Introdução à Sociologia”, diz: “Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis ‘bonitas’, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Político (com raras exceções) é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaniguados, enriquecer-se à custa dos cofres públicos e entrar no mercado por cima... Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação”. Não faz uma caricatura de nossa democracia, mas uma descrição real daquilo que ela sempre foi em nossa história.
         Mas ela pode ser melhorada e enriquecida com a energia acumulada pelas centenas de movimentos sociais e pela sociedade organizada que estão revitalizando as bases do país e que não aceitam mais esse tipo de Brasil. Agora, esses setores sociais querem completar essa obra de magnitude histórica com mais participação. E eles têm direito a isso, pois a democracia é um modo de viver e de organizar a vida social sempre em aberto.
         O ato de votar não é o ponto de chegada ou o ponto final da democracia, como querem os liberais. É um patamar que permite outros níveis de realização do verdadeiro sentido de toda a política: realizar o bem comum por meio da vontade geral que se expressa por representantes eleitos e pela participação da sociedade organizada.
         Isso, no pensar do teórico da democracia no século XX Norberto Bobbio, se viabiliza por meio da democracia formal e da democracia substancial. A formal se constitui por um conjunto de regras para chegar a decisões políticas por parte do governo e dos representantes eleitos. Como se depreende, estabelece regras, mas não define o que decidir. É aqui que entra a democracia substancial. Ela determina certos conjuntos de fins.
         Os movimentos sociais e a sociedade organizada, devido à gravidade da situação global do sistema-vida e do sistema-Terra, e na busca de um caminho melhor para o Brasil e para o mundo, querem oferecer tudo aquilo que possa contribuir na invenção de outro tipo de Brasil, no qual todos possam caber.
         Uma democracia que se nega a essa colaboração é uma democracia que se volta contra o povo e, no termo, contra a vida. Daí a importância de secundarmos o decreto presidencial sobre a Política Nacional de Participação Social.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 11 de julho de 2014, caderno O.PINIÃO, página 18).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Sonho adiado: reagir!
        
         O sonho brasileiro de ser hexacampeão está adiado e isso “dói na pele”, disse alguém. Não é desta vez que se apagará o pesadelo de 1950, a derrota amarga na final para o Uruguai, em pleno Maracanã, o mais simbólico “templo do futebol brasileiro”. A Seleção Brasileira de Futebol, neste terceiro milênio, provocou uma nova ferida. Mas é importante recompor-se para dar um tratamento adequado ao atual contexto do Brasil. Afinal, lutar pelos sonhos e, consequentemente, construir conquistas, não só esportivas, mas, sobretudo, culturais, sociais e políticas, exige efetiva atuação para transformar a realidade.
         O sonho adiado não precisa mexer com os brios da cidadania brasileira. Não se pode satisfazer a autoestima apenas com a organização do megaevento e com as parciais conquistas na infraestrutura – reconhecendo que os sete anos de preparação não fizeram jus ao esperado e merecido pelo povo. Se, nas vésperas da Copa, a mídia exagerou ao anunciar um possível apagão aéreo, imobilidade no tráfego e outras coisas, não deixou de ter razão ao sublinhar que ainda existe uma dívida social. Esse débito não pode ser considerado pago pelo Bolsa Família. Nem pela ascensão social de grande parte da população, quando se consideram os avanços necessários para se alcançar a condição social merecida pelos filhos deste solo que é a mãe pária amada Brasil. É hora de reagir.
         O desencantamento pelo futebol da Seleção Brasileira não pode levar à desilusão. Até porque ainda falta um jogo que pode significar a conquista do terceiro lugar. Não tem grande valor, em um torneio esportivo dessa dimensão, ser o terceiro ou estar entre os quatro melhores do mundo? Que sintoma é esse de só contentar-se em ser o primeiro? Não será uma espécie de síndrome da glorificação? A única seleção que já participou de todas as Copas, a única pentacampeã. São exemplares os povos que receberam em festa suas seleções, mesmo desclassificadas, reconhecendo o esforço e o bom desempenho dos atletas.
         Diante da impossibilidade da conquista do título “em casa”, retoma-se a reflexão sobre as razões que levaram à realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil. Agora não importa se houve vaidade ou interesse político eleitoreiro. Nem mesmo pode-se pensar que o torneio valeu para difundir uma imagem positiva do país. O fiasco da goleada na semifinal revela fragilidades partilhadas não só pelo grupo de jovens atletas que têm condições de ter mais êxito na arte do futebol, mas por todos os brasileiros. O “fiasco deles”, portanto, não é só deles, mas de todos. Não apenas em razão do futebol, mas especialmente pelo que falta em educação, cultura, seriedade, investimento, política limpa, sentido de cidadania e tantas outras coisas que configuram o funcionamento de nossa sociedade.
         A goleada mexeu com os brios da cidadania brasileira e não pode ser atribuída tão somente ao desempenho dos jogadores. Eles são iguais aos demais jovens, filhos de nossas famílias, amigos, conhecidos, estudantes, trabalhadores, sofredores. Embora  sejam “estrelas” em seus times e ganhem dinheiro de forma exorbitante, são também cidadãos comuns, muitos nasceram em famílias pobres, foram alunos de sistemas educacionais comprometidos e fragilizados. Percebe-se que se está diante de todos um enorme desafio, que já é bem enfrentado por outros países. Não basta gostar de jogar futebol e progredir aí profissionalmente. O equilíbrio, a garra e a competência para exercer os próprios dons e qualidades, no campo de futebol, na universidade, na ciência, na solidariedade e na simplicidade do cotidiano exigem mais investimentos, ajustes nas dinâmicas culturais que ambientam o dia a dia de um povo.
         Agora, de modo especial, é hora de reagir, em diferentes frentes de ação, projetos e respostas. É o momento de abandonar a tendência de idolatrar figuras e combater as diferenças sociais gritantes, fazer política com outra ciência, investir para que a juventude possa brilhar na educação, no esporte, na arte, na cultura, gerando um tecido consistente indispensável para se chegar à condição de nação campeã. O sonho está adiado e para torná-lo realidade é preciso reagir, imediatamente. Apoiando os jovens jogadores para a conquista do terceiro lugar, com o sentido de reconhecimento, é  preciso consolidar o que, politicamente, a Copa pode significar: uma etapa nova na história do Brasil.”

Eis, pois, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a fala grave de Santo Tomás de Aquino: “O que faz injusto um governo é tratar-se, nele, o bem particular do governante, com menosprezo do bem comum da multidão. Logo, quanto mais se afasta do bem comum, tanto mais injusto é o regime; ora, mais se afasta do bem comum a oligarquia, na qual se busca o bem de uns poucos, do que na democracia, na qual se procura o de muitos; e ainda mais se aparta do bem comum na tirania, em que se busca somente o bem de um”.); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade,criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...



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