sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A CIDADANIA, O URBANISMO E DEUS NO MUNDO PLURAL (50/10)

(Agosto = mês 50; faltam 10 meses para a Copa do Mundo)

“Urbanismo no século 21
        
         O urbanismo no Brasil é predominantemente trabalhado pelos arquitetos, a quem cabe aplicar e executar a legislação urbanística, para o planejamento da construção de cidades sustentáveis caracterizadas por um ambiente sadio e equilibrado. Mas seriam os arquitetos os únicos profissionais aptos a contribuir com a criação e atualização de legislações urbanísticas, reguladoras do surgimento e crescimento das cidades, capaz de atender as necessidades do cidadão brasileiro do século 21? Nos últimos 60 anos, o Brasil passou de uma realidade eminentemente rural – 80% da população vivia no campo –, para uma sociedade urbana, com mais de 80% dos brasileiros nas cidades. Isso gerou desafios como promoção da saúde, educação, habitação e saneamento, aos quais a sociedade buscou responder  plano diretor, uso e ocupação do solo, obras, posturas etc. O artigo 4º da Lei de Política Urbana estabelece o dever do gestor público de criação e manutenção de planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, bem como planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Deve efetuar também no planejamento municipal, criar um plano diretor, disciplinar o parcelamento, uso e ocupação do solo, o zoneamento ambiental, estabelecer plano plurianual, diretrizes e orçamento anual, tudo de forma participativa.
         A criação das legislações que tratam a lei de política urbana não pode prescindir da participação dos advogados, que são os profissionais capazes de colaborar para que o texto seja harmônico com as demais legislações, especialmente ao texto constitucional, utilizando as técnicas de hermenêutica, interpretação e integração legislativa. O planejamento urbano moderno, atividade interdisciplinar , não prescinde da realização de estudos sobre aspectos ambientais, sociológicos, econômicos, topográficos, geológicos, hídricos, logísticos, legais, entre outros, que, por sua vez, reclamam o concurso do trabalho dos diversos profissionais como ambientalistas, sociólogos, arquitetos, engenheiros, economistas, administradores e advogados.
         A participação popular, na forma de audiências públicas, é requisito de validade do planejamento e a sua organização, convocação, condução, disciplina e registro constituem atividades próprias à colaboração do advogado. Do ponto de vista do conteúdo, o advogado pode colaborar para que as legislações criadas sejam capazes de atender as necessidades sociais já consolidadas em outras legislações, especialmente na Constituição cidadã, como a observância aos direitos sociais de moradia, lazer e segurança e ao meio ambiente equilibrado.
         As legislações urbanísticas devem propiciar ambiente sadio e seguro, onde cada cidadão possa conviver de forma harmônica. Entretanto, a realidade das cidades está muito distante dos ideais norteadores da legislação, predominando a contaminação com águas servidas e redes de esgotos dos lençóis freáticos, nascentes, cursos d’água, rios, lagoas e represas, causando doenças à população e elevando o custo da saúde pública no país; disposição de resíduos domésticos, hospitalar e industrial em lixões, sem qualquer cuidado ou tratamento, contaminando o solo, o ar, águas, pessoas e animais, também provocando doenças e aumentando o custo Brasil. A inexistência ou inexecução da legislação, pelas autoridades, especialmente quanto ao planejamento e incentivo à construção de habitações populares, causa a disseminação de favelas e aglomerados, invasões de faixas de domínio das estradas e ocupações irregulares de áreas públicas e privadas.
         Conhecer e cobrar a correta execução da legislação pelas autoridades é dever do cidadão que pode ser realizado com o auxílio das entidades da sociedade civil. Em 26 de setembro, a OAB-MG promoverá o 1º Seminário de Direito Urbanístico e da Construção, com o debate dos temas mobilidade urbana e acessibilidade, infraestrutura urbana e as PPPs, operação urbana consorciada  e a Lei das Locações. O evento é aberto ao poder público e à sociedade, que tem o desafio de construir e executar legislações urbanísticas mais efetivas, capazes de atender as necessidades do cidadão neste milênio.”

(PAULO VIANA CUNHA. Advogado, presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-MG, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 27 de julho de 2013, caderno OPINIÃO, página 9).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 6 de julho de 2013, caderno PENSAR, página 3, de autoria de MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER, que é teóloga e professora da PUC Rio, autora de A argila e o espírito – ensaios sobre ética, mística e poética, entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“DEUS NO

mundo plural
        
         O conceito de Deus, ou do Transcendente, ou da Realidade Última, é considerado como basilar por todos os sistemas religiosos, já que dá um sentido ao mundo em geral e, em particular, à vida humana. A autêntica questão transcendente com a qual todo ser humano um dia se depara é a questão deste mistério último e derradeiro, que por um lado concede sentido à vida e por outro coloca em crise todos os sentidos previamente dados ao existir. A despeito de todo o processo da modernidade, da crise da secularização e outros fenômenos  com os quais convivemos neste novo milênio, a questão por Deus continua a ser aquela que remete ao mistério último e ao sentido definitivo da vida e do ser, pela qual os seres humanos se sentem atraídos ou pelo menos intrigados. E muitas vezes instigados.
         O contexto em que vivemos é todo ele feito de ateísmos e teísmos, de pluralidade cultural e religiosa, de fragmentação da crença e de emergência de novas formas de crer. Em meio a esta pluralidade importa situar como a pergunta por Deus é constitutiva da identidade humana, mesmo quando esta pretende negá-la ou a ela ser indiferente.
A crise da modernidade e o advento da chamada pós-modernidade, longe de dar um fim ao processo de reconfiguração do discurso teológico, assume suas marcas principais e se propõe radicalizar a “morte” cultural e conceitual de Deus. Ao lado da reconfiguração do religioso na fragmentação pós-moderna, o ateísmo não desapareceu do horizonte ocidental. E não se trata mais de um ateísmo qualquer, ou de uma não religiosidade pura e simples. É, com efeito, uma atitude vital de extrema complexidade, que não busca grandes sistemas ou narrativas para explicar a vida; que entende a existência em termos fragmentados e provisórios; que persegue a imediatez das respostas e o consumo não só de produtos como de ideias, conceitos e crenças.
Não desejando herdar nada da morte de Deus, o ateísmo contemporâneo não é o ateísmo da expropriação e reapropriação do crente ao não crente, do religioso ao secular, da fé em Deus à fé no homem. Ele permanece atado a uma nostalgia e a outros valores “mais verdadeiros”, a outras culturas “mais autênticas” que têm a ver com uma sede espiritual aberta em todas as direções e que não necessariamente vai aterrissar nos discursos oficiais sobre Deus, a fé e a religião.
O pensamento pós-moderno, caracterizado pela “desconstrução” e pela relativização de todo o edifício conceitual aparentemente sólido da modernidade, questiona também toda tentativa de dizer o Absoluto inefável que os cristãos e outras tradições religiosas chamam Deus; considera todo discurso com pretensões à universalização e à totalização como redutor e inadequado e desemboca na indiferença e no desencantamento..
Se a objetividade do mundo – fruto da modernidade -  é a resultante extrema da separação de Deus, separação que por sua vez liberta o ser humano e o institui sujeito de seu conhecimento, tornando-o autônomo diante  da inteligência e da normatividade divinas, é possível examinar o problema sob outro ângulo. Este seria pensar que agora Deus se retira, deixando o ser humano às voltas com seu trabalho e suas disputas.
Neste contexto, toda maneira de falar de Deus cai por terra e sua inadequação radical é constantemente  relembrada. A experiência radical do mistério questiona um discurso moderno que pretenderia trazer tudo à luz, incluída aí a “retirada” e a “morte” de Deus. A relativização de todas as premissas culturais e a crítica do projeto moderno alertam sobre as utilizações apressadas e malfeitas, que pudessem incluir um discurso sobre Deus ou sobre sua “morte” com pretensões a legitimar todas as institucionalizações.
Neste contexto, as religiões e as teologias devem constantemente suspeitar do discurso que constroem, criticando-o e reconfigurando-o a cada passo. Isso fazendo, são igualmente chamadas a imbricar essa constante renovação com a fidelidade a suas tradições, que são parte constitutiva de sua identidade. Pensar e falar sobre Deus hoje não pode acontecer senão a partir do mundo. E este mundo é algo em constante mutação, exigindo uma reinvenção constante e permanente daqueles que o pensam e o dizem.
O mundo contemporâneo não é o mundo idílico, perfeito, completo e reconciliado que parecem descrever muitos discursos. Pensamos, em particular, naqueles marcados pelo otimismo dos progressos e conquistas da modernidade, assim como nos que se encontram atravessados de lado a lado pela interpelação legítima da questão ecológica, racial, étnica, de gênero. Assim também por deploráveis injustiças. A inserção nas realidades temporais ou terrestres é específica para cada um daqueles e daquelas que por esse Mistério foram tocados, podendo acontecer de distintas formas, dependendo de como se configurará sua experiência.
É em meio a este mundo que o ser humano tocado pela pergunta sobre Deus, pelo desejo do Transcendente e pela atração do Mistério é chamado a experimentar a Deus e falar sobre ele. Não mais – ou não mais apenas – com a linguagem da metafísica ou com a pergunta da teodiceia, mas a partir da vulnerabilidade e da provisoriedade das experiências humanas.

SOLIDARIEDADE PRÁTICA A teologia crítica, assim como o ateísmo crítico, coincide em buscar e encontrar na injustiça, no sofrimento humano e nas situações insuportáveis deste mundo o marco da pergunta pelo sentido último da vida como justiça. Nesse ponto, tanto os cristãos críticos como os ateus críticos encontram-se  na luta contra a injustiça e sua sanção religiosa fácil, vislumbrando como único caminho uma solidariedade prática.
         Neste caminho de solidariedade prática, também os místicos contemporâneos se destacarão, escolhendo não eludir o sofrimento mas assumi-lo e com ele solidarizar-se. Assumem-no desde dentro, não desejando estar separados da dor que atinge seus semelhantes a fim de, como eles e elas, revelar o sentido da vida humana a partir do padecido em suas próprias existências.
         Em meio a circunstâncias comuns e correntes, os místicos reinventam o cotidiano, sendo sujeitos ativos de sua própria história e criando novo alfabeto para dizer o que constitui o motor principal de sua vida. Mesmo falando das coisas dos homens e do mundo em suas trivialidades cotidianas, falam sempre das coisas de Deus. Falando do Mistério, que contemplam e que os enche de amor, força e coragem, os místicos falam daquelas coisas que não é necessário primeiro conhecer para depois amar, mas sim amar para conhecer, num movimento que só através do amor penetra na verdade. Muitos pensadores e pessoas de fé de nosso tempo têm refletido sobre como é difícil encontrar palavras significativas para falar dessas coisas de Deus aos ouvidos contemporâneos.
         Essa invenção de um novo alfabeto para a narrativa amorosa que flui e transborda da experiência do Mistério de Deus que emerge de uma sociedade plural colide com as normas de expressão costumeira da linguagem, cuja ratio emancipada da lógica do coração articula e se pronuncia sobre o real. E geralmente esse pronunciamento é um acontecimento prenhe de consequências em tempos em que o discernimento constitui necessidade primeira em meio às crises que o mundo experimenta.
         Os místicos contemporâneos, testemunhas que anunciam com sua vida Aquele em que creem, que viveram a experiência teopática, da passividade configurada pelo amor divino e pela união com o Mistério, são mediadores adequados para dizer, hoje, quem é Deus e anunciá-lo em meio a um mundo secular que parece haver perdido o rumo da linguagem sobre Seu mistério. Sendo, enquanto místicos, testemunhas do Absoluto, que experimentaram em suas próprias vidas, seu testemunho é uma forma de mediação pela qual o divino hoje tenta dizer-se e expressar-se.
         Aí está, pois, um imperativo para a fé cristã no mundo contemporâneo: recuperar a narrativa de Deus que gera a fé. Isso se dará recuperando a narrativa das testemunhas que entreteceram a história com sua história, sua experiência, seu compromisso, seu testemunho, seu sangue.
         Dentro ou fora da Igreja e das instituições religiosas; nelas comprometido radicalmente ou às margens de suas fronteiras, os místicos e as testemunhas nos ensinam que experimentar o Mistério de Deus no meio do mundo conduz a uma paixão ardente por este mesmo mundo e a trabalhar sem cessar por sua redenção e transformação. Seja qual for seu estado de vida, sua condição social, suas capacidades intelectuais, eles e elas recolhem-se à câmara nupcial, onde a experiência do amor acontece com plenitude e delícia, para mergulhar de cheio na realidade desfigurada do mundo em que vivem, buscando configurá-la segundo o desejo de Deus que lhes revelou misericordiosamente Seu Rosto e os fez participar de Sua Vida.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômica, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; sistema financeiro nacional; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; esporte, cultura e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...