quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A CIDADANIA, AS DOENÇAS RARAS E UM PAPA PROVOCADOR (52/8)

(Outubro = mês 52; faltam 8 meses para a Copa do Mundo)

“Doenças raras
        
         Estima-se que existam entre seis e oito mil doenças raras, caracterizadas por sintomas diversos, que variam não só de doença para doença, como também entre os indivíduos afetados por uma mesma condição. São patologias pouco conhecidas, que acometem menos de uma em cada 2 mil pessoas, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). A maior parte delas tem origem genética e causa consequências severas, entre deficiências físicas e comportamentais. Apesar de raras, essas doenças, juntas, atingem cerca de 15 milhões de pessoas apenas no Brasil.
         As dificuldades enfrentadas por portadores de doenças raras começam já no diagnóstico. A falta de informações específicas, o desconhecimento dos profissionais de saúde e a inexistência de centros especializados transformam o diagnóstico em uma verdadeira peregrinação entre especialistas e laboratórios. A falta de protocolos para atendimento específicos compromete a identificação precoce da enfermidade, atrasando o início do tratamento e levando, muitas vezes, ao agravamento do quadro clínico. Além disso, a falta de estrutura em espaços coletivos como escolas, empresas e centros de lazer leva muitos pacientes a se isolarem socialmente. A ausência de uma política nacional voltada para a construção de uma rede de cuidados aos pacientes afetados por doenças raras e a falta de investimentos em pesquisas científicas para tais enfermidades são obstáculos adicionais que os pacientes sofrem para ultrapassar.
         A inexistência de estudos epidemiológicos para estimar a prevalência dessas doenças torna o desafio ainda maior. Algumas consequências da falta de um mapeamento nacional são o desconhecimento em relação à real incidência dessas doenças e a dificuldade em determinar questões regionais e taxas de mortalidade, fatores importantes para determinar a localização de centros especializados, por exemplo. Diante de tal cenário, foi importante a recente consulta pública realizada pelo Ministério da Saúde a respeito do documento que estabelece diretrizes para a atenção integral e acolhimento às pessoas com doenças raras na rede pública.
         Os textos submetidos abordam como deve ser o cuidado de pacientes com doenças raras, incluindo prevenção, tratamento e reabilitação, além do tratamento multidisciplinar. A política abrange, ainda, o atendimento aos cuidadores e familiares dos portadores dessas enfermidades. É importante reconhecer que a iniciativa do governo é uma vitória, mas também é preciso lembrar que estamos apenas no começo da caminhada. É um trabalho demorado que envolve também a criação de programas educativos em todo o território nacional para conscientizar e informar os futuros profissionais de saúde.
         Vale destacar que, apesar da percepção geral de que não há interesse em pesquisar e desenvolver tratamentos para doenças que atingem poucas pessoas, a indústria farmacêutica tem investido cada vez mais em estudos de terapias para doenças raras. É o caso das terapias-alvo, que revolucionaram o tratamento oncológico e hematológico. Focados no combate de moléculas específicas, eles têm ação exclusiva – ou quase exclusiva – nas vias que desencadeiam a proliferação da doença, proporcionando uma abordagem terapêutica mais efetiva tanto para o controle dos sintomas quanto para sobrevida e manejo de eventos adversos. Outro exemplo significativo na área de doenças raras é a chamada terapia de reposição enzimática. Determinadas patologias incapacitam a produção de enzimas específicas pelo corpo, impossibilitando a degradação de certas substâncias. O acúmulo delas no organismo pode provocar danos irreversíveis aos tecidos e órgãos. A terapia de reposição ajuda a degradar determinadas substâncias, favorecendo o funcionamento adequado do corpo.
         As evoluções constantes da ciência ajudam a compreender cada vez mais as doenças raras. Os investimentos em medicina personalizada estão possibilitando uma melhor qualidade de vida para um número cada vez maior de pacientes. No entanto, mudanças efetivas no sistema público de saúde são fundamentais para mudar de vez o quadro das pessoas com doenças raras no Brasil. Precisamos acompanhar a velocidade da inovação em nossas políticas de saúde, oferecendo aos pacientes a possibilidade e a esperança de terapias novas, mais efetivas e seletivas. Inovação e cuidado mutidisciplinar são fundamentais para vencer o estigma das doenças raras.”

(JOÃO GABRIEL DAHER. Médico, especialista em doenças raras do Centro de Doenças Raras do Hospital Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, diretor científico da Associação Maria Vitória de Doenças Raras de Brasília (Amavi), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 21 de setembro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 30 de setembro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de CARLOS ALBERTO DI FRANCO, que é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), doutor em comunicação pela Universidade de Navarra (Espanha), e que merece igualmente integral transcrição:

“Um papa provocador
        
         O papa Francisco é um comunicador de primeira. Simples. Direto. Desimpedido. Seu estilo é surpreendentemente solto e provocador. Seu discurso é coloquial e sincero. É um papa falante, alegre, com jeitão laico. Um papa diferente. Mas é o papa. E tem plena consciência do seu ministério e de sua autoridade. Não pode ser interpretado pela metade. Ele demanda contexto. Francisco dá boas manchetes. Mas é preciso ao cerne do seu pensamento. Cria-se, caso contrário, a síndrome da esquizofrenia informativa: um papa fala na manchete, mas outro discursa no conjunto da matéria.
         Recentemente, a última edição da revista italiana La Civiltà Cattolica, editada pelos jesuítas, publicou uma longa entrevista com o papa Francisco. O rebuliço foi imenso. Sobrou versão. Faltou fazer a lição de casa básica: ler a íntegra da entrevista. Francisco, como bem salientou uma editora da revista Veja, “não mexerá nas doutrinas da Igreja Católica”. Mas, sem dúvida, apontou uma mudança de tom.
         O papa, creio, quer provocar uma ruptura com uma agenda negativa e reativa. “Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e ao uso de métodos contraceptivos. Isso não é possível. Eu não falei muito dessas coisas, e censuraram-me por isso. Mas, quando se fala disso, é necessário falar num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido, e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário disso continuamente. A proposta evangélica deve ser simples, profunda, irradiante. É dessa proposta que vêm as consequências morais”, sublinhou o papa.
         Francisco, por óbvio, não minimiza a gravidade dos equívocos morais. Sua defesa da vida, por exemplo, desde o momento do concepção, é clara, forte, sem qualquer ambiguidade. A doutrina é transparente. O papa está preocupado não apenas com a atuação pública da Igreja, mas com o cuidado pastoral das pessoas concretas. Que erram. Que sofrem. Que se arrependem. Seu foco não são os processos, mas as pessoas. Quer uma Igreja mais compassiva. E isso é cativante.
         A perspectiva do olhar de um Deus compassivo, acolhedor, está metida na alma de Francisco e ganha corpo no seu projeto pastoral. “A coisa que a Igreja mais necessita agora é a capacidade de curar feridas e de aquecer o coração dos fiéis, aproximar-se. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um ferido grave se o seu colesterol ou a sua glicose estão altos. Deve-se curar as feridas. Depois podemos falar do resto”. Francisco insiste muito na essência da mensagem cristã: a misericórdia de Deus. A “plataforma moral” da Igreja não pode ser erguida sobre os alicerces do legalismo, mas em cima dos sólidos pilares de um projeto de salvação. Sem isso, e sem o exercício da liberdade humana, o edifício da Igreja “corre o risco de cair como um castelo de cartas, de perder a frescura e o perfume do Evangelho”.
         Impressiona, e muito, o tom positivo que permeia todos os discursos do papa. Impressiona, também, a transparência de Francisco em suas entrevistas aos jornalistas. É um papa sem tabus. Ele tirou a Igreja do córner. Francisco rasga um horizonte valente e generoso. Deixa claro que os católicos não são antinada. O cristianismo não é uma alternativa negativa, encolhimento medroso ou mera resignação. É uma proposta afirmativa, alegre, revolucionária. Os discursos do papa não desembocam num compêndio moralizador, mas num desafio empolgante proposto por uma pessoa: Jesus Cristo. Os jovens entendem o recado e mostram notável sintonia com Francisco.
         Os que apostam na descontinuidade vão perder o jogo. João Paulo II, Bento XVI e Francisco tocam a mesma música, embora com gingado diferente. A formidável cobertura pela imprensa da eleição de Francisco revela alguns sinais importantes. O primeiro deles, sem dúvida, é a notável unidade dos cardeais. A surpreendente rapidez do processo eleitoral foi um testemunho inequívoco de que João Paulo II e Bento XVI, ao longo dos seus pontificados, investiram generosamente na construção da unidade da Igreja. A eleição meteórica de Bergoglio foi, no fundo, um forte chamado à unidade e à continuidade.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir uma permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; turismo; esporte, cultura e lazer; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...