terça-feira, 10 de novembro de 2009

A CIDADANIA EM DEFESA DA PUBLICIDADE

DOSSIÊ CORRUPÇÃO

AMPLIAÇÃO DOS SISTEMAS DE VIGILÂNCIA E A VALORIZAÇÃO DA TRANSPARÊNCIA SÓ SE TORNAM EFETIVAS COM O FORTALECIMENTO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS E DELIBERATIVOS DE CONTROLE”

Estamos buscando mais uma OPORTUNA e IMPORTANTE contribuição para o nosso trabalho de MOBILIZAÇÃO PARA A CIDADANIA E QUALIDADE, em artigo publicado no Jornal ESTADO DE MINAS, edição de 10 de outubro de 2009, Caderno PENSAR BRASIL, páginas 16 e 17, de autoria de FERNANDO FILGUEIRAS, que é pesquisador associado do Centro de Referência do Interesse Público (Crip). É autor de Corrupção, democracia e legitimidade, Editora UFMG, 2008, que também merece INTEGRAL transcrição:

“EM DEFESA DA PUBLICIDADE

Se recorrermos exclusivamente à memória, será difícil listar, desde 1988, todos os escândalos de corrupção, pelo menos na esfera federal. Outrora protagonistas na vida pública, muitos dos envolvidos se tornaram anônimos ou então encontraram o conforto da imunidade concedida pelas urnas, permanecendo na vida pública, mas em um lugar de pouco ou nenhum destaque.

A sensação da opinião pública é de que a sucessão de escândalos políticos, normalmente ligados à corrupção, é permanente na vida pública brasileira. O cidadão comum fica passivo diante do espetáculo produzido, sem saber o desfecho da tragédia política e o lugar reservado a seus protagonistas. Paradoxalmente, produz-se, no Brasil, uma sensação de catarse coletiva; todos se escandalizam, todos se sensibilizam, todos descrevem as mazelas da política brasileira a partir da corrupção atávica que herdamos de nossos colonizadores. Contudo, essa tragédia brasileira é sempre inconclusa. Nossa catarse não produz a purificação dessas emoções, porque nossa tragédia nunca chega ao desfecho. Ela paira no clímax, mostrando apenas a crise mais eminente dos protagonistas. E por pairar no clímax, sem atingir o desfecho, criamos um sentimento histérico de moralização da política. Nossa tragédia da corrupção se reproduz e se mantém por um sentimento atávico da civilização brasileira.

Culpamos nossa herança patrimonialista deixada pelos portugueses e esperamos, passivos, a revolução cultural que nos alçará à modernidade. Aguardamos o momento em que deixaremos a cordialidade de lado em nome da razão, sem que disso resulte um desfecho para as delinqüências praticadas na vida pública brasileira. O sentimento de impunidade que paira sobre o Brasil nos engessa, nos amarra a esse atavismo, naturalizando a corrupção no mundo público. Sem a ruptura com nosso passado, afirmamos, não será possível chegar à modernidade. Logo, por essa lógica, a corrupção se torna algo natural à política brasileira. Culpamos o Senado, a Câmara dos Deputados, a Presidência da República, o Judiciário, uma vez que a impunidade permanece.

Paradoxalmente, em nome da tragédia brasileira relacionada à corrupção, expandimos os instrumentos de vigilância. Para combater a corrupção praticada por políticos e burocratas, criamos mais burocracia, leis mais duras, e disso não resulta, necessariamente, menos corrupção. A fórmula é esta: o controle aumenta, a punição permanece baixa e os casos de corrupção continuam existindo e pautando negativamente a opinião pública. Esse sentimento catártico não tem desfecho, não é purificado e se converte em histeria.

Se, na dimensão da cultura política brasileira, essa catarse permanece, na dimensão das instituições vislumbra-se uma expansão indiscriminada dos meios de controle. Desde a democratização, à sucessão de escândalos políticos promovemos uma hipertrofia dos mecanismos de controle. Não se pode dizer que a política brasileira não produza respostas instituições à corrupção. Produzimos, ao longo dos últimos 21 anos, a lei de licitações, a lei de responsabilidade fiscal, mudamos o perfil das instituições de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), ou criamos novas, como a Controladoria Geral da União (CGU). Expandimos o corpo de funcionários responsáveis por vigiar, corrigir e orientar e tornamos a prestação de contas um dever constitucional. Gestores públicos não passam incólumes às instituições de controle. Prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores, ministros, o presidente da República, o gerente de operações de uma empresa pública, o vigia de um prédio público; todos estão sob vigilância, todos têm que prestar contas.

CONSUMIDOR E PORTADOR DE DIREITOS Os sistemas de vigilância cultuam a transparência. A transparência virou panacéia para os males da corrupção no Brasil, quiçá para a própria política. A transparência reforça os sistemas de vigilância. Submetemo-nos à luz da transparência e a tragédia da corrupção permanece. A maior transparência significa que o cidadão assiste passivo, afinal ele é um consumidor do serviço público, e não um portador de direitos e deveres; e muito menos o portador da autoridade em um regime democrático. A transparência reforça a vigilância, sem resultar em maior publicidade. A transparência, como panacéia para os males da política, reforça a vigilância.

É da natureza humana uma reação defensiva à vigilância. Quando somos vigiados, reagimos negativamente. Tornamo-nos pouco criativos, queremos pouco inovar, queremos pouco intervir, porque temos que nos ater aos procedimentos, sob pena de nos tornar protagonista de nossa tragédia. A eficiência do Estado, nesse sentido, diminui. Não há motivação para inovar, porquanto tenhamos medo da vigilância. Não há motivação para cooperar, porquanto tenhamos medo da vigilância. O Estado, dessa forma, é o fardo lento e naturalmente corrompido, ao qual atribuímos nossas mazelas, tanto institucionais, quanto culturais.

Se a tragédia não atinge o desfecho, a reação é criminalizar a política.
Vemos nos tribunais o lugar da salvação, o lugar do possível desfecho. O lugar do possível desfecho porque se estrutura na lei e nos procedimentos da Justiça. A política se torna assunto das manchetes policiais, do espetáculo produzido pela força coerciva do Estado sobre seus agentes. É um sentimento corriqueiro, porque queremos, na ordem de 65%, penas mais duras e cadeia aos corruptos. A catarse reforça-se quando vemos os agentes do poder algemados, apesar de os tribunais dizerem que as algemas são proibidas. Do ponto de vista simbólico, a tragédia encontraria o desfecho, mas na prática ela se reproduz. Ficamos contentes quando as algemas se fecham nos braços daqueles que pilham os recursos públicos. Mas o drama aflora e se fortalece quando o mesmo saqueador sai sorrindo da cadeia, ocupando a primeira página dos jornais com o sorriso dos vencedores, para ódio dos vencidos.

No teatro dos tribunais, vemos a luta pela melhor interpretação da lei. Todavia, como já notava Cícero no mundo romano, “sumo direito, suma injustiça”. Criminalizamos a política e transferimos aos tribunais o papel de corrigir as delinquências do homem público brasileiro. Mas essas mesmas delinqüências esvaem-se em um emaranhado de leis e procedimentos. A lei não se cumpre, apesar de todos saberem que os protagonistas feriram a lei, macularam o interesse público. Interesse público que no sumo direito é apenas uma formalidade. Não tem substância, é algo menor diante das formalidades jurídicas, com as devidas vênias.

INCOMPETÊNCIA COLETIVA E nossa tragédia não encontra desfecho. Ficamos passivos à corrupção ou, pelo menos, aos escândalos suscitados na opinião pública. Escandalizamo-nos mais, sofremos mais com nossa incompetência coletiva, culpamos o passado; em particular, o traço do natural caráter do brasileiro. A corrupção reforça nosso atavismo; o espectador é o culpado e não a vítima. Naturalizamos a corrupção em nosso cotidiano, criando um complexo de Édipo. O problema é a origem, a história. Eis o paradoxo: o controle da corrupção aumenta, mas a corrupção permanece. E permanece corroendo a excelência da política, os valores políticos fundamentais, a democracia. Na política brasileira, fortalecemos os instrumentos de controle burocrático e criminal da corrupção, mas falta a terceira dimensão, aquela que não se baseia no esquema de vigilância, mas da publicidade como princípio democrático: o controle público.

O maior perigo da corrupção é a sua naturalização por parte da opinião pública e a fundamentação de um atavismo cultural que nos engessa. A corrupção degenera a democracia, porque retira dela a publicidade das instituições políticas diante da sociedade, tendo em vista a fundamentação de uma cultura pouco participativa e pouco preocupada com o interesse público. Eis o resultado de nossa tragédia sem desfecho: a ampliação dos sistemas de vigilância e a baixa publicidade do Estado diante da sociedade. O paradoxo do controle da corrupção no Brasil ocorre pela fato de ampliarmos o controle burocrático e criminal, sem que disso resulte maior publicidade do Estado frente à sociedade.

Publicidade essa que, enquanto princípio de nosso regime democrático, deve ser compreendida como o desfecho possível de nossa tragédia. Para que ela se concretize, não precisamos jogar fora os sistemas de vigilância, mas precisamos reforçar os fóruns públicos de controle da corrupção. Precisamos reforçar o controle que o público pode realizar em espaços deliberativos que convirjam às instituições de vigilância do Estado, o entendimento público que a própria sociedade é capaz de realizar. É na chave da ampliação da publicidade que podemos produzir o desfecho de nossa tragédia. Fazer com que o clímax dê aos protagonistas o desfecho previsível e correto: sejam responsabilizados diante do público, respeitada a justiça dos procedimentos.
Na chave da publicidade, vislumbra-se uma solução que não opere apenas com a ideia de vigilância e transparência. Vislumbra-se, sobretudo, uma solução política. Não aquela realizada pelos partidos, mas a possibilidade de produção de consensos suprapartidários, capazes de balizar um projeto de reforma que não caia na armadilha dos casuísmos, mas permita consolidar a democracia e não permitir a sua degeneração.”

Eis, pois, mais uma PRECIOSA e SEVERA conclamação à grande CRUZADA NACIONAL pela CIDADANIA e QUALIDADE, construindo um BRASIL verdadeiramente ÉTICO, JUSTO, LIVRE, DESENVOLVIDO e SOLIDÁRIO, e impedindo, sobretudo, que a CORRUPÇÃO permaneça “corroendo a excelência da política, os valores políticos fundamentais, a democracia”.

Esta é a nossa FÉ, a nossa ESPERANÇA: O BRASIL TEM JEITO!...

Um comentário:

Anônimo disse...

Incrível como diante da corrupção, da falta de ética, nós cidaõas nos sentimos indignados mas ainda assim, os fatos deixam as pessoas paralisadas. Parece que quanto maior é o escândalo, maior efeito paralisador ele gera no povo. Temos que nos vacinar contra esta "paralisia" diante do rolo compressor digirido pelos politicos que querem a qualquer custo e custando o que custar se manter no poder. 2010 é a nossa chance. È a hora de dar um basta e mudar, mas mudar para melhor....