quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A CIDADANIA, O PROTAGONISMO POPULAR E A BUSCA DE NOVAS ESTRUTURAS

“Em busca de um conceito de povo: de ator secundário a protagonista
        Há poucas palavras mais usadas por distintas retóricas do que “povo”. Seu sentido é tão flutuante que as ciências sociais dão-lhe pouco apreço, preferindo falar em “sociedade” ou “classes sociais”. Mas, como nos ensinava L. Wittgenstein, “o significado de uma palavra depende de seu uso”.
         Entre nós, quem mais usa positivamente a palavra “povo” são aqueles que se interessam pela sorte das classes subalternas, ou povo. Vamos tentar fazem um esforço retórico para conferir um conteúdo analítico para que o uso do termo sirva àqueles que se sentem excluídos.
         O primeiro sentido filosófico-social deita suas raízes no pensamento clássico da Antiguidade. Cícero, santo Agostinho e Tomás de Aquino afirmavam que “povo não é qualquer reunião de homens de qualquer modo, mas é a reunião de uma multidão ao redor do consenso do direito e dos interesses comuns”. Cabe ao Estado harmonizar os vários interesses.
         Um segundo sentido de “povo” nos vem da antropologia cultural: é a população que pertence à mesma cultura, habitando determinado território. Essa sentido é legítimo porque distingue um povo do outro. Mas esse conceito oculta as diferenças e até contradições internas: tanto pertencem ao povo um fazendeiro do agronegócio como o peão pobre que vive em sua fazenda. Por isso, a Constituição reza que “todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”.
         Um terceiro sentido é chave para a política, que é a busca comum do bem comum ou a atividade que busca o poder de Estado para, a partir dele, administrar a sociedade. Na boca dos políticos profissionais, “povo” apresenta grande ambiguidade. Por um lado, expressa o conjunto indiferenciado dos membros de uma sociedade determinada, por outro, significa a gente pobre e com parca instrução, marginalizada. Quando os políticos dizem que “vão ao povo, falam ao povo e agem em benefício do povo”, pensam nas maiorias pobres. Aqui emerge uma dicotomia: entre as maiorias e seus dirigentes ou entre a massa e as elites.
         Há um quarto sentido de “povo” que deriva-se da sociologia. Aqui, se impõe certo rigor do conceito para não cairmos no populismo. Inicialmente, possui um sentido político-ideológico na medida em que oculta os conflitos internos do conjunto de pessoas com suas culturas diferentes, status social e projetos distintos. Esse sentido possui parco valor analítico, pois é globalizador demais.
         Sociologicamente, “povo” aparece também como uma categoria histórica que se situa entre massa e elites. Numa sociedade que foi colonizada e constituída em classes, aponta clara a figura da elite: os que detêm o ter, o poder e o saber. O “povo” é cooptado como ator secundário de um projeto formulado pelas elites e para as elites.
         Mas sempre há rachaduras no processo de hegemonia ou dominação de classe: lentamente, da massa, surgem lideranças carismáticas que organizam movimentos sociais com visão própria. Deixam de ser “povo-massa” e começam a ser cidadãos ativos e relativamente autônomos. Já não dependem das elites. “Povo”, portanto, nasce e é resultado da articulação dos movimentos e das comunidades ativas. Esse é o fato novo no Brasil e na América Latina dos últimos decênios que culminou hoje com as novas democracias de cunho popular e republicano.
         Agora podemos falar com certo rigor conceitual: aqui há um “povo” emergente enquanto tem consciência e projeto próprio para o país. Possui também uma dimensão axiológica: todos são chamados a ser povo, deixar de haver dominados e dominadores, mas cidadãos-atores de uma sociedade na qual todos podem participar.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 6 de fevereiro de 2015, caderno O.PINIÃO, página 20).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 9 de fevereiro de 2015, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DAN M. KRAFT, advogado e professor de direito no Brasil e no Canadá, e que merece igualmente integral transcrição:

“Estruturas ultrapassadas
        Estudos científicos confirmam: quanto maior o grau de abertura comercial de um país, maior a inovação e o estímulo às invenções patenteáveis. Os tigres asiáticos tiveram seu crescimento acelerado no momento em que abriram suas economias ao mesmo tempo em que investiram em pesquisa e desenvolvimento, buscando criar tecnologias aplicáveis a novos produtos, assim criando novos e inexplorados mercados.
         A discussão deslocou-se do dilema das indústrias eficientes para passar ao uso inteligente dos recursos humanos de um país, visando gerar prosperidade sustentável por meio da criação de novos mercados. Estudos recentes do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (Berd) apresentam estatísticas perturbadoras quanto à baixa capacidade inovadora de países que fundamentam grande parte de suas economias em recursos naturais e agricultura, como é o caso do Brasil.
         A perpetuação de um ciclo de dependência da tecnologia alheia é diretamente proporcional ao grau de proteção de mercado. A capacitação de pessoas e empresas para enfrentarem o ambiente criativo mundial só ocorre a partir de uma progressiva abertura comercial, coisa que não está se vendo no país. Pelo contrário, o Brasil está se fechando, impondo barreiras tarifárias e não tarifárias à concorrência internacional, protegendo uma indústria muitas vezes ineficiente.
         O Brasil tem centros de excelência em pesquisa, notadamente agrícola, contando com cérebros privilegiados. Ocorre, entretanto, que a política de inovação é dependente de grupos de pressão ligados a grupos e setores arcaicos, que propugnam a proteção e agem para preservar estruturas ultrapassadas. Além disso, a interferência estatal no setor de inovação é ineficiente, gerando efeitos adversos como importação de insumos à inovação. Por outro lado, privilegiam-se isenções tributárias para a indústria de bens de capital, denotando ainda um foco em mercados existentes e não nos novos e ainda inexistentes, decorrentes da inovação.
         Tal postura  resulta no deslocamento de oferta para outros países, que inovam mais facilmente e impõem-nos os custos da modernização, notadamente além da inteligência do investimento nacional. As áreas de informática, semicondutores e comunicações são responsáveis pela quase totalidade da curva de crescimento do mercado exportador mundial. Isso faz com que as indústrias de base lutem por um crescimento praticamente nulo de mercado. É uma luta já perdida.
         Além disso, estudos do Berd demonstram a relação direta existente entre corrupção e inovação, já que aquela destrói incentivos à pesquisa científica, por falta de gratificação meritória. Um ambiente institucional adequado à pesquisa demanda um sistema baseado no mérito e não na autoridade.
         Tais dados podem ajudar a dar direção ao Brasil, ainda fortemente dependente de matérias-primas para financiar sua prosperidade. Economias asiáticas eram subdesenvolvidas há 40 anos, especialmente devido às escassez de matéria-prima. Hoje, geram empregos de qualidade para seus povos por viverem a inovação.
         Inovar poderia se iniciar pela política nacional, mudando estruturas de atraso institucional. Alguns espasmos de prosperidade causados por fatores externos não podem pautar o projeto do país. Desatar esse nó permitiria à próxima geração uma expectativa de êxito e satisfação muito melhor que a atual.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, e mais uma vez: o petróleo em si não mancha as mãos dos trabalhadores, mas a corrupção não apenas mancha quanto degrada, avilta, mata...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, e diante de novas facetas, a agudíssima crise da dupla falta – de água e de energia elétrica...);

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

O BRASIL TEM JEITO!

          

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