“Em
busca de um conceito de povo: de ator secundário a protagonista
Há poucas palavras mais
usadas por distintas retóricas do que “povo”. Seu sentido é tão flutuante que
as ciências sociais dão-lhe pouco apreço, preferindo falar em “sociedade” ou
“classes sociais”. Mas, como nos ensinava L. Wittgenstein, “o significado de
uma palavra depende de seu uso”.
Entre
nós, quem mais usa positivamente a palavra “povo” são aqueles que se interessam
pela sorte das classes subalternas, ou povo. Vamos tentar fazem um esforço
retórico para conferir um conteúdo analítico para que o uso do termo sirva
àqueles que se sentem excluídos.
O
primeiro sentido filosófico-social deita suas raízes no pensamento clássico da
Antiguidade. Cícero, santo Agostinho e Tomás de Aquino afirmavam que “povo não
é qualquer reunião de homens de qualquer modo, mas é a reunião de uma multidão
ao redor do consenso do direito e dos interesses comuns”. Cabe ao Estado
harmonizar os vários interesses.
Um
segundo sentido de “povo” nos vem da antropologia cultural: é a população que
pertence à mesma cultura, habitando determinado território. Essa sentido é
legítimo porque distingue um povo do outro. Mas esse conceito oculta as diferenças
e até contradições internas: tanto pertencem ao povo um fazendeiro do
agronegócio como o peão pobre que vive em sua fazenda. Por isso, a Constituição
reza que “todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”.
Um
terceiro sentido é chave para a política, que é a busca comum do bem comum ou a
atividade que busca o poder de Estado para, a partir dele, administrar a
sociedade. Na boca dos políticos profissionais, “povo” apresenta grande
ambiguidade. Por um lado, expressa o conjunto indiferenciado dos membros de uma
sociedade determinada, por outro, significa a gente pobre e com parca
instrução, marginalizada. Quando os políticos dizem que “vão ao povo, falam ao
povo e agem em benefício do povo”, pensam nas maiorias pobres. Aqui emerge uma
dicotomia: entre as maiorias e seus dirigentes ou entre a massa e as elites.
Há um
quarto sentido de “povo” que deriva-se da sociologia. Aqui, se impõe certo
rigor do conceito para não cairmos no populismo. Inicialmente, possui um
sentido político-ideológico na medida em que oculta os conflitos internos do
conjunto de pessoas com suas culturas diferentes, status social e projetos
distintos. Esse sentido possui parco valor analítico, pois é globalizador
demais.
Sociologicamente,
“povo” aparece também como uma categoria histórica que se situa entre massa e
elites. Numa sociedade que foi colonizada e constituída em classes, aponta
clara a figura da elite: os que detêm o ter, o poder e o saber. O “povo” é
cooptado como ator secundário de um projeto formulado pelas elites e para as
elites.
Mas
sempre há rachaduras no processo de hegemonia ou dominação de classe:
lentamente, da massa, surgem lideranças carismáticas que organizam movimentos
sociais com visão própria. Deixam de ser “povo-massa” e começam a ser cidadãos
ativos e relativamente autônomos. Já não dependem das elites. “Povo”, portanto,
nasce e é resultado da articulação dos movimentos e das comunidades ativas.
Esse é o fato novo no Brasil e na América Latina dos últimos decênios que
culminou hoje com as novas democracias de cunho popular e republicano.
Agora
podemos falar com certo rigor conceitual: aqui há um “povo” emergente enquanto
tem consciência e projeto próprio para o país. Possui também uma dimensão
axiológica: todos são chamados a ser povo, deixar de haver dominados e
dominadores, mas cidadãos-atores de uma sociedade na qual todos podem
participar.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 6 de
fevereiro de 2015, caderno O.PINIÃO, página
20).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 9 de
fevereiro de 2015, caderno OPINIÃO, página
7, de autoria de DAN M. KRAFT, advogado
e professor de direito no Brasil e no Canadá, e que merece igualmente integral
transcrição:
“Estruturas
ultrapassadas
Estudos científicos
confirmam: quanto maior o grau de abertura comercial de um país, maior a
inovação e o estímulo às invenções patenteáveis. Os tigres asiáticos tiveram
seu crescimento acelerado no momento em que abriram suas economias ao mesmo
tempo em que investiram em pesquisa e desenvolvimento, buscando criar
tecnologias aplicáveis a novos produtos, assim criando novos e inexplorados
mercados.
A
discussão deslocou-se do dilema das indústrias eficientes para passar ao uso
inteligente dos recursos humanos de um país, visando gerar prosperidade
sustentável por meio da criação de novos mercados. Estudos recentes do Banco
Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (Berd) apresentam estatísticas
perturbadoras quanto à baixa capacidade inovadora de países que fundamentam
grande parte de suas economias em recursos naturais e agricultura, como é o
caso do Brasil.
A
perpetuação de um ciclo de dependência da tecnologia alheia é diretamente
proporcional ao grau de proteção de mercado. A capacitação de pessoas e
empresas para enfrentarem o ambiente criativo mundial só ocorre a partir de uma
progressiva abertura comercial, coisa que não está se vendo no país. Pelo
contrário, o Brasil está se fechando, impondo barreiras tarifárias e não
tarifárias à concorrência internacional, protegendo uma indústria muitas vezes
ineficiente.
O
Brasil tem centros de excelência em pesquisa, notadamente agrícola, contando
com cérebros privilegiados. Ocorre, entretanto, que a política de inovação é
dependente de grupos de pressão ligados a grupos e setores arcaicos, que
propugnam a proteção e agem para preservar estruturas ultrapassadas. Além
disso, a interferência estatal no setor de inovação é ineficiente, gerando
efeitos adversos como importação de insumos à inovação. Por outro lado,
privilegiam-se isenções tributárias para a indústria de bens de capital,
denotando ainda um foco em mercados existentes e não nos novos e ainda
inexistentes, decorrentes da inovação.
Tal
postura resulta no deslocamento de
oferta para outros países, que inovam mais facilmente e impõem-nos os custos da
modernização, notadamente além da inteligência do investimento nacional. As
áreas de informática, semicondutores e comunicações são responsáveis pela quase
totalidade da curva de crescimento do mercado exportador mundial. Isso faz com
que as indústrias de base lutem por um crescimento praticamente nulo de
mercado. É uma luta já perdida.
Além
disso, estudos do Berd demonstram a relação direta existente entre corrupção e
inovação, já que aquela destrói incentivos à pesquisa científica, por falta de
gratificação meritória. Um ambiente institucional adequado à pesquisa demanda
um sistema baseado no mérito e não na autoridade.
Tais
dados podem ajudar a dar direção ao Brasil, ainda fortemente dependente de
matérias-primas para financiar sua prosperidade. Economias asiáticas eram
subdesenvolvidas há 40 anos, especialmente devido às escassez de matéria-prima.
Hoje, geram empregos de qualidade para seus povos por viverem a inovação.
Inovar
poderia se iniciar pela política nacional, mudando estruturas de atraso
institucional. Alguns espasmos de prosperidade causados por fatores externos
não podem pautar o projeto do país. Desatar esse nó permitiria à próxima geração
uma expectativa de êxito e satisfação muito melhor que a atual.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas;
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade –
“dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se
espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos
e comprometimentos de vária ordem (a propósito, e mais uma vez: o petróleo em
si não mancha as mãos dos trabalhadores, mas a corrupção não apenas mancha quanto
degrada, avilta, mata...); III – o desperdício,
em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e
danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, e diante de novas facetas, a
agudíssima crise da dupla falta – de água e de energia elétrica...);
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de
exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e
refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e
eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e
melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre
outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!
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