“A
última raiz da crise ecológica: a ruptura da religação universal
Há muitas causas que
levaram à atual crise ecológica. Mas temos que chegar à última: a ruptura
permanente da religação básica que o ser humano introduziu, alimentou e
perpetuou com o conjunto do universo e com seu Criador.
Tocamos
aqui numa dimensão profundamente misteriosa e trágica da história humana e
universal. A tradição judaico-cristã chama a essa frustração fundamental de
pecado do mundo, e a teologia, no seguimento de Santo Agostinho, de pecado
original. O “original” aqui não tem nada a ver com as origens históricas desse
antifenômeno, mas ao que é originário no ser humano.
Pecado
também não pode ser reduzido a uma mera dimensão moral ou a um ato falho do ser
humano. Tem a ver com uma atitude globalizadora, com uma subversão de todas as
relações nas quais ele está inserido. Importa enfatizar que o pecado original é
uma interpretação de uma experiência fundamental, uma resposta a um enigma. Por
exemplo, existe o esplendor de uma cerejeira em flor no Japão e simultaneamente
um tsunami em Fukushima que tudo arrasa. Por que essa contradição?
Sem
entrar nas muitas possíveis interpretações, assumimos uma, pois ela ganha mais
e mais consenso dos pensadores religiosos: a imperfeição como momento do
processo evolucionário. A imperfeição não é um defeito, mas uma marca da
evolução. Ela não traduz o desígnio último de Deus sobre sua criação, mas um
momento dentro de um imenso processo.
São
Paulo via a condição decaída da criação como um submetimento à vaidade. O
sentido exegético de “vaidade” aponta para o processo de amadurecimento.
A
natureza não alcançou ainda sua maturidade. Por isso, na fase atual, se
encontra ainda longe da meta a ser alcançada. A criação inteira espera ansiosa
pelo pleno amadurecimento de filhos e filhas de Deus, pois entre eles e o resto
da criação vigora uma profunda interdependência e religação. Quando isso
ocorrer, a criação chegará também à sua maturidade.
Então,
se realiza o desígnio terminal de Deus. O atraso do ser humano no seu
amadurecimento implica no atraso da criação. Seu avanço implica um avanço da
totalidade. Ele pode ser um instrumento de libertação ou de emperramento do
processo evolucionário.
É aqui
que reside o drama: evolução, quando chega ao nível humano, alcança o patamar
da consciência e da liberdade. O ser humano foi criado criador. Pode intervir
na natureza para o bem, cuidando dela, ou para o mal, devastando-a. Ele começou,
quem sabe, desde o surgimento do Homo
habilis, há 2,7 milhões de anos, quando ele criou o instrumento com o qual
intervinha sem respeitar os ritmos da natureza. Em vez de estar junto com as
coisas, convivendo, colocou-se acima delas, dominando.
Com
isso, rompeu com a solidariedade natural entre todos os seres. Contradisse o
desígnio do Criador, que quis o ser humano como cocriador e que por seu gênio
completasse a criação imperfeita. Este colocou-se no lugar de Deus. Sentiu-se
pela força da inteligência e da vontade um pequeno deus e passou a comportar-se
como se fora Deus de verdade.
Essa é
a grande ruptura com a natureza e com o Criador que subjaz à crise ecológica. O
problema está no tipo de ser humano que se forjou na história, mais uma “força
geofísica de destruição” (E. Wilson) que um fator de cuidado e preservação.
A cura
reside na religação com todas as coisas. Não necessariamente precisa ser mais
religioso, mas mais humilde. Ele precisa voltar à Terra da qual se exilou e
sentir-se seu guardião e cuidador. Então, será refeito o contrato natural. E,
se ainda se abrir ao Criador, saciará sua sede infinita e colherá como fruto a
paz.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 14 de
fevereiro de 2014, caderno O.PINIÃO, página
20).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 12 de
fevereiro de 2014, caderno OPINIÃO, página
9, de autoria de FREI BETTO, escritor,
autor de Alfabetto – autobiografia
escolar (Ática), entre outros livros, e que merece igualmente integral
transcrição:
“Educação senso crítico
O bloco socialista se
desintegrou antes de completar um século. A União Soviética se esfacelou e os
países que a integravam adotaram o capitalismo como sistema econômico e
sinônimo de democracia
Tudo
aquilo que o socialismo pretendia e que, em certa medida, alcançara – redução
da desigualdade social, garantia do pleno emprego, saúde e educação gratuitos e
de qualidade, controle da inflação etc. – desapareceu para dar lugar a todas as
características desumanas do neoliberalismo capitalista: a pessoa encarada não
como cidadã, e sim como consumista; o ideal de vida reduzido ao hedonismo; a
exploração da força de trabalho e a apropriação privada da mais-valia; a
especulação financeira; a degradação da condição humana por meio da
prostituição, da indústria pornográfica, da criminalidade e do consumo de
álcool e drogas.
É dever
de todos que se consideram de esquerda se perguntar quais as causas do
desaparecimento do socialismo na Europa. Há um amplo leque de causas, que vão
da conjuntura econômica de um mundo bipolar hegemonizado pelo capitalismo às
pressões bélicas em decorrência da Guerra Fria. Entre tantas causas destaco uma
de caráter subjetivo, ideológico: o papel do educador na formação de seus
alunos. Devo dizer que, antes da queda do Muro de Berlim, tive a
oportunidade de visitar a China,
Tchecoslováquia, duas vezes a Polônia e a Alemanha Oriental, e três vezes a
União Soviética.
O
socialismo europeu cometeu o erro de supor que seriam naturalmente socialistas
pessoas nascidas em uma sociedade socialista. Esqueceu-se da afirmação de Marx
de que a consciência reflete as condições materiais de existência, mas também
influi e modifica essas condições. Há uma interação dialética entre sujeito e
realidade na qual ele se insere.
Em
primeira instância, e não em última, nascemos todos autocentrados. “O amor é um
produto cultural”, teria dito Lênin. Resulta do desdobramento de nosso ego, o
que se obtém por práticas que infundam valores altruístas, gestos solidários,
ideais coletivos pelos quais a vida ganha sentido e a morte deixa de ser
encarada como fracasso ou derrota.
Segundo
Lyotard, o que caracteriza a pós-modernidade é não saber responder à questão do
sentido da vida. Este é o papel do educador: não apenas transmitir
conhecimentos, facilitar pedagogicamente o acesso ao patrimônio cultural da
nação e da humanidade, mas também suscitar no educando o espírito crítico, a
atitude ética, a busca do homem e da mulher novos em um mundo verdadeiramente
humanizado.
Ora,
isso jamais será possível se não se propicia ao magistério um processo de
formação permanente. É um equívoco julgar que professores são todos imbuídos de
valores nobres. Nenhum de nós é totalmente invulnerável às seduções
capitalistas, aos atrativos do individualismo, à tentação de acomodamento e
indiferença frente ao sofrimento alheio e às carências coletivas. Estamos todos
permanentemente sujeitos às influências nocivas que satisfazem o nosso ego e
tendem a nos imobilizar quando se trata de correr riscos e abrir mão de
prestígio, poder e dinheiro. A corrupção é uma erva daninha inerente ao
capitalismo e ao socialismo. Jamais haverá um sistema social no qual a ética se
destaque como virtude inerente a todos que nele vivem e trabalham.
Se não
é possível alcançar a utopia de ética na política, é preciso conquistar a ética
da política. Daí a importância de uma profunda reforma política. Criar uma
institucionalidade política que nos impeça “cair em tentação” quanto à falta de
ética. Isso só será possível em um sistema no qual inexista a impunidade e o
desejo de ser corruptor ou corrompido não seja alcançado. Tal objetivo não se
atinge por meio de repressão e penalidades, embora sejam elas necessárias. O
mais importante é o trabalho pedagógico, a emulação moral, tarefa preponderante
por lidarem com a formação da consciência das novas gerações.
O
professor deve ter atitudes pautadas pela construção de uma identidade humana
na qual haja adequação entre essência e existência. Saber ministrar sua
disciplina escolar contextualizando-a na conjuntura histórica em que se insere.
O papel número um do educador não é formar mão de obra especializada ou
qualificada para o mercado de trabalho. É formar seres humanos felizes, dignos,
dotados de consciência crítica, participantes ativos no desafio permanente de
aprimorar a sociedade e o mundo em que vivemos.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, ao lado de abissais desigualdades
sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e
inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento
– estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia,
efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade);
entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais
especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que
contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e
os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização,
da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...