sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A CIDADANIA, A RAIZ DA CRISE ECOLÓGICA, A EDUCAÇÃO E O SENSO CRÍTICO

“A última raiz da crise ecológica: a ruptura da religação universal
        
          Há muitas causas que levaram à atual crise ecológica. Mas temos que chegar à última: a ruptura permanente da religação básica que o ser humano introduziu, alimentou e perpetuou com o conjunto do universo e com seu Criador.
         Tocamos aqui numa dimensão profundamente misteriosa e trágica da história humana e universal. A tradição judaico-cristã chama a essa frustração fundamental de pecado do mundo, e a teologia, no seguimento de Santo Agostinho, de pecado original. O “original” aqui não tem nada a ver com as origens históricas desse antifenômeno, mas ao que é originário no ser humano.
         Pecado também não pode ser reduzido a uma mera dimensão moral ou a um ato falho do ser humano. Tem a ver com uma atitude globalizadora, com uma subversão de todas as relações nas quais ele está inserido. Importa enfatizar que o pecado original é uma interpretação de uma experiência fundamental, uma resposta a um enigma. Por exemplo, existe o esplendor de uma cerejeira em flor no Japão e simultaneamente um tsunami em Fukushima que tudo arrasa. Por que essa contradição?
         Sem entrar nas muitas possíveis interpretações, assumimos uma, pois ela ganha mais e mais consenso dos pensadores religiosos: a imperfeição como momento do processo evolucionário. A imperfeição não é um defeito, mas uma marca da evolução. Ela não traduz o desígnio último de Deus sobre sua criação, mas um momento dentro de um imenso processo.
         São Paulo via a condição decaída da criação como um submetimento à vaidade. O sentido exegético de “vaidade” aponta para o processo de amadurecimento.
         A natureza não alcançou ainda sua maturidade. Por isso, na fase atual, se encontra ainda longe da meta a ser alcançada. A criação inteira espera ansiosa pelo pleno amadurecimento de filhos e filhas de Deus, pois entre eles e o resto da criação vigora uma profunda interdependência e religação. Quando isso ocorrer, a criação chegará também à sua maturidade.
         Então, se realiza o desígnio terminal de Deus. O atraso do ser humano no seu amadurecimento implica no atraso da criação. Seu avanço implica um avanço da totalidade. Ele pode ser um instrumento de libertação ou de emperramento do processo evolucionário.
         É aqui que reside o drama: evolução, quando chega ao nível humano, alcança o patamar da consciência e da liberdade. O ser humano foi criado criador. Pode intervir na natureza para o bem, cuidando dela, ou para o mal, devastando-a. Ele começou, quem sabe, desde o surgimento do Homo habilis, há 2,7 milhões de anos, quando ele criou o instrumento com o qual intervinha sem respeitar os ritmos da natureza. Em vez de estar junto com as coisas, convivendo, colocou-se acima delas, dominando.
         Com isso, rompeu com a solidariedade natural entre todos os seres. Contradisse o desígnio do Criador, que quis o ser humano como cocriador e que por seu gênio completasse a criação imperfeita. Este colocou-se no lugar de Deus. Sentiu-se pela força da inteligência e da vontade um pequeno deus e passou a comportar-se como se fora Deus de verdade.
         Essa é a grande ruptura com a natureza e com o Criador que subjaz à crise ecológica. O problema está no tipo de ser humano que se forjou na história, mais uma “força geofísica de destruição” (E. Wilson) que um fator de cuidado e preservação.
         A cura reside na religação com todas as coisas. Não necessariamente precisa ser mais religioso, mas mais humilde. Ele precisa voltar à Terra da qual se exilou e sentir-se seu guardião e cuidador. Então, será refeito o contrato natural. E, se ainda se abrir ao Criador, saciará sua sede infinita e colherá como fruto a paz.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 14 de fevereiro de 2014, caderno O.PINIÃO, página 20).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 12 de fevereiro de 2014, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, escritor, autor de Alfabetto – autobiografia escolar (Ática), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Educação  senso crítico
        
         O bloco socialista se desintegrou antes de completar um século. A União Soviética se esfacelou e os países que a integravam adotaram o capitalismo como sistema econômico e sinônimo de democracia
         Tudo aquilo que o socialismo pretendia e que, em certa medida, alcançara – redução da desigualdade social, garantia do pleno emprego, saúde e educação gratuitos e de qualidade, controle da inflação etc. – desapareceu para dar lugar a todas as características desumanas do neoliberalismo capitalista: a pessoa encarada não como cidadã, e sim como consumista; o ideal de vida reduzido ao hedonismo; a exploração da força de trabalho e a apropriação privada da mais-valia; a especulação financeira; a degradação da condição humana por meio da prostituição, da indústria pornográfica, da criminalidade e do consumo de álcool e drogas.
         É dever de todos que se consideram de esquerda se perguntar quais as causas do desaparecimento do socialismo na Europa. Há um amplo leque de causas, que vão da conjuntura econômica de um mundo bipolar hegemonizado pelo capitalismo às pressões bélicas em decorrência da Guerra Fria. Entre tantas causas destaco uma de caráter subjetivo, ideológico: o papel do educador na formação de seus alunos. Devo dizer que, antes da queda do Muro de Berlim, tive a oportunidade  de visitar a China, Tchecoslováquia, duas vezes a Polônia e a Alemanha Oriental, e três vezes a União Soviética.
         O socialismo europeu cometeu o erro de supor que seriam naturalmente socialistas pessoas nascidas em uma sociedade socialista. Esqueceu-se da afirmação de Marx de que a consciência reflete as condições materiais de existência, mas também influi e modifica essas condições. Há uma interação dialética entre sujeito e realidade na qual ele se insere.
         Em primeira instância, e não em última, nascemos todos autocentrados. “O amor é um produto cultural”, teria dito Lênin. Resulta do desdobramento de nosso ego, o que se obtém por práticas que infundam valores altruístas, gestos solidários, ideais coletivos pelos quais a vida ganha sentido e a morte deixa de ser encarada como fracasso ou derrota.
         Segundo Lyotard, o que caracteriza a pós-modernidade é não saber responder à questão do sentido da vida. Este é o papel do educador: não apenas transmitir conhecimentos, facilitar pedagogicamente o acesso ao patrimônio cultural da nação e da humanidade, mas também suscitar no educando o espírito crítico, a atitude ética, a busca do homem e da mulher novos em um mundo verdadeiramente humanizado.
         Ora, isso jamais será possível se não se propicia ao magistério um processo de formação permanente. É um equívoco julgar que professores são todos imbuídos de valores nobres. Nenhum de nós é totalmente invulnerável às seduções capitalistas, aos atrativos do individualismo, à tentação de acomodamento e indiferença frente ao sofrimento alheio e às carências coletivas. Estamos todos permanentemente sujeitos às influências nocivas que satisfazem o nosso ego e tendem a nos imobilizar quando se trata de correr riscos e abrir mão de prestígio, poder e dinheiro. A corrupção é uma erva daninha inerente ao capitalismo e ao socialismo. Jamais haverá um sistema social no qual a ética se destaque como virtude inerente a todos que nele vivem e trabalham.
         Se não é possível alcançar a utopia de ética na política, é preciso conquistar a ética da política. Daí a importância de uma profunda reforma política. Criar uma institucionalidade política que nos impeça “cair em tentação” quanto à falta de ética. Isso só será possível em um sistema no qual inexista a impunidade e o desejo de ser corruptor ou corrompido não seja alcançado. Tal objetivo não se atinge por meio de repressão e penalidades, embora sejam elas necessárias. O mais importante é o trabalho pedagógico, a emulação moral, tarefa preponderante por lidarem com a formação da consciência das novas gerações.
         O professor deve ter atitudes pautadas pela construção de uma identidade humana na qual haja adequação entre essência e existência. Saber ministrar sua disciplina escolar contextualizando-a na conjuntura histórica em que se insere. O papel número um do educador não é formar mão de obra especializada ou qualificada para o mercado de trabalho. É formar seres humanos felizes, dignos, dotados de consciência crítica, participantes ativos no desafio permanente de aprimorar a sociedade e o mundo em que vivemos.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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