“A
era das grandes transformações: a da economia e a da consciência
Vivemos na era das
grandes transformações. Entre tantas, destaco apenas duas.
A
primeira, na economia: começou a partir do ano de 1834, quando se consolidou a
Revolução Industrial na Inglaterra. Consiste na passagem de uma economia de
mercado para uma sociedade de mercado. Quer dizer, a economia é o que conta, o
resto deve servir a ela.
O
mercado que predomina se rege pela composição, e não pela cooperação. O que se
busca é o benefício econômico individual ou corporativo, e não o bem comum de
toda a sociedade. Geralmente, esse benefício é alcançado à custa da devastação
da natureza e da gestação perversa de desigualdades sociais.
Diz-se
que o mercado deve ser livre e o Estado é visto como seu grande empecilho. A
grande transformação postula um Estado mínimo, limitado praticamente às
questões ligadas à infraestrutura da sociedade, ao fisco e à segurança. Tudo o
mais pertence e é regulado pelo mercado.
Essa
forma de organizar a sociedade, unicamente ao redor dos interesses econômicos
do mercado, cindiu a humanidade de cima a baixo: um fosso enorme se criou entre
os poucos ricos e os muitos pobres. Vigora perversa injustiça social.
Simultaneamente,
se criou também uma iníqua injustiça ecológica. No afã de acumular, foram
explorados de forma predatória bens e recursos da natureza, sem qualquer
limitação e respeito. Essa voracidade encontrou limite na própria Terr. Ela não
possui mais todos os bens e serviços suficientes e renováveis. Tal fato
dificulta, senão impede, a reprodução do sistema produtivo/capitalista. É sua
crise.
A
segunda grande transformação está se dando no campo da consciência. À medida
que crescem os danos à natureza que afetam a qualidade de vida, cresce
simultaneamente a consciência de que, na ordem de 90%, tais danos se devem à
atividade irresponsável e irracional dos seres humanos, mais especificamente
daquelas elites de poder que se constituem em grandes corporações multilaterais
que assumiram o rumo do mundo.
Temos,
com urgência, que fazer alguma coisa que interrompa esse percurso para o
precipício. O primeiro estudo global foi feito em 1972 e pesquisou o estado da
Terra. Revelou-se que ela está doente. A causa principal é o tipo de
desenvolvimento que as sociedades assumiram. Ele acaba ultrapassando os limites
suportáveis da natureza e da Terra. Temos que produzir, sim, para alimentar a
humanidade, mas de outro jeito, respeitando os ritmos da natureza e seus
limites, permitindo que ela descanse e se refaça. A isso se chamou de
“desenvolvimento humano sustentável”, não só crescimento material.
A
reflexão ecológica se tornou complexa. Não se pode reduzi-la apenas à
preservação do meio ambiente. A totalidade do sistema mundo está em jogo. Assim
surgiu uma ecologia ambiental que tem como meta a qualidade de vida; uma
ecologia social que visa a um modo sustentável de vida; uma ecologia mental que
se propõe a criticar preconceitos e visões de mundo hostis à vida e formular um
novo “design” civilizatório, à base de princípios e valores para uma nova forma
de habitar a casa comum; e, por fim, uma ecologia integral que se dá conta de
que a Terra é parte de um universo em evolução e que devemos viver em harmonia
com o todo.
Torna-se
claro que a ecologia, mais do que uma técnica de gerenciamento de bens e
serviços escassos, representa uma nova forma de relação para com a natureza e a
Terra.
Se
triunfar a consciência do cuidado e da nossa responsabilidade coletiva pela
Terra por nossa civilização, seguramente ainda teremos futuro.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 15 de
maio de 2015, caderno O.PINIÃO, página
20).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 19 de maio de
2015, caderno OPINIÃO, página 7, de
autoria de SUZANA FORTUNA BARROS, advogada,
associada do Escritório de Advocacia Lapa e Goes e Goes em Salvador, e que
merece igualmente integral transcrição:
“Direito
à cultura e ao lazer
A Constituição Federal,
entre os direitos fundamentais e suas garantias sociais, traz, além de muitos
outros, o direito à cultura e ao lazer. No Brasil, o primeiro é previsto na
Carta Magna como fundamental do cidadão, cabendo ao poder público possibilitar
efetivamente a todos a fruição dos direitos culturais, mediante a adoção de
políticas públicas que promovam o acesso aos bens culturais, a proteção ao
patrimônio cultural, o reconhecimento e proteção dos direitos de propriedade
intelectual bem como o de livre expressão e criação. O direito à cultura é uma
eficácia da garantia social ao lazer, uma vez que impõe como competência da
União, estados, Distrito Federal e municípios a proteção aos bens de valor
histórico e artístico e a promoção ao meio de acesso a cultura, a educação, a
ciência, a tecnologia, a pesquisa e a inovação, não perdendo de vista o
esporte, como um meio de lazer.
Muito
embora o lazer e a cultura, na prática, tenham se mostrado direitos relegados
ao segundo plano, eles tangenciam diversas áreas das garantias sociais e
individuais, a exemplo do direito a educação, trabalho, segurança, proteção à
infância, direitos autorais e artísticos. O direito da cultura e entretenimento
pode ser traduzido, então, como um direito fundamental, como uma garantia
social, onde á aplicado às atividades culturais e desportivas, com o objetivo
de proporcionar segurança jurídica e garantir o respeito às leis no
desenvolvimento das artes e dos esportes, bem como promover seu acesso à
sociedade.
Não há
dúvida de que a Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e a Lei do Audiovisual
(Lei 8.685/93) possibilitaram a amplitude das políticas públicas relacionadas a
cultura, lazer e esporte, a exemplo do Programa Nacional de Apoio à Cultura
(Pronac). As leis surgiram com o escopo de incentivar o investimento em cultura
em troca, a princípio, de incentivos fiscais, pois com o benefício no
recolhimento do imposto a iniciativa privada se sentiria estimulada a
patrocinar eventos culturais. Com a Lei Rouanet, surgiram três formas possíveis
de incentivo no país: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), os fundos de
Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e de Incentivo a Projetos Culturais,
por meio de renúncia fiscal (Mecenato). Ocorre que, com o tempo, a lei foi
ficando defasada, além de ter sido totalmente mitigada com a implementação de
medidas provisórias (MPs) e destinação de recursos divergentes daqueles do
mercado artístico, cultural e desportivo.
O
surgimento da internet, o equilíbrio na inflação e a mudança do contexto
artístico, cultural, político e econômico do Brasil para o mundo fizeram com
que o Ministério da Cultura (Minc) incentivasse uma mudança, surgindo então o
Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura) – Projeto de
Lei 6.722/10 –, que alterou a Lei Rouanet. O apoio do Minc aos projetos
culturais por meio da lei federal e também por editais para projetos
específicos, lançados periodicamente, valoriza a diversidade e o acesso à
cultura.
Hoje,
a cultura se tornou-se uma economia estratégica no mundo, que depende não só do
investimento público como do privado. O acesso à cultura e ao lazer está
diretamente ligado a um novo ciclo de desenvolvimento do país: a
universalização do acesso, diversidade cultural, desenvolvimento da economia e
cultura. A realização de eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas leva as
empresas a injetar investimentos maiores nos atletas, assim como nos eventos
culturais nas localidades onde são realizados. Em meio a esse turbilhão de
direitos e garantias fundamentais, mesmo com o esforço do governo nas diversas
tentativas de implementação de políticas públicas, é válido destacar que,
embora levado a segundo plano, o direito a cultura e entretenimento, em
verdade, está saindo dessa zona de subdireito, para se lançar como uma
potencial garantia jurídica.
Festivais
de artes, espetáculos, shows e festas estão sujeitos a uma série de controles e
restrições, o que ocasiona grande impacto urbanístico e ambiental e, por
envolverem interesses de uma grande gama de categorias especiais, como
crianças, adolescentes, consumidores, estudantes, entre outras, exigem um amplo
conhecimento nas diversas áreas jurídicas, além de abranger um grande número de
leis esparsas das mais diversas naturezas: algumas locais, outras estaduais e
nacionais, que têm que ser conhecidas por todos aqueles que se propõem e se
dedicam à realização de eventos no país. O direito à cultura e ao
entretenimento não só tem espaço no mundo jurídico como reina em diversas áreas
que burocratizam e disciplinam arte, cultura, lazer, esporte, educação e
quantos ramos forem necessários para se garantir a efetividade do exercício da
garantia constitucional, seja a um cidadão comum, seja a um empresário.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja
verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira
incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria;
a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da
participação, da sustentabilidade...);
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo levantamento da Associação
Nacional dos Executivos de Finanças – Anefac –, a alta de abril dos juros do cartão de crédito chegou a 295,48% ao ano...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade –
“dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se
espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos
e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a simples divulgação do balanço
auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta no exercício de 2014 perdas
pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$ 21,6 bilhões, não pode de
forma alguma significar página virada
– eis que são valores simbólicos –, pois em nossos 515 anos já se formou um
verdadeiro oceano de desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso
patrimônio...); III – o desperdício, em
todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
indubitavelmente irreparáveis (haja vista as muitas faces mostrando a gravidade
das crônicas paralisações de obras e serviços públicos, gerando perdas
bilionárias...);
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de
exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e
refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e
eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como:
a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e
melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre
outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!...