quarta-feira, 20 de maio de 2015

A CIDADANIA, AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES E OS DESAFIOS DA CULTURA E DO LAZER

“A era das grandes transformações: a da economia e a da consciência
        Vivemos na era das grandes transformações. Entre tantas, destaco apenas duas.
         A primeira, na economia: começou a partir do ano de 1834, quando se consolidou a Revolução Industrial na Inglaterra. Consiste na passagem de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Quer dizer, a economia é o que conta, o resto deve servir a ela.
         O mercado que predomina se rege pela composição, e não pela cooperação. O que se busca é o benefício econômico individual ou corporativo, e não o bem comum de toda a sociedade. Geralmente, esse benefício é alcançado à custa da devastação da natureza e da gestação perversa de desigualdades sociais.
         Diz-se que o mercado deve ser livre e o Estado é visto como seu grande empecilho. A grande transformação postula um Estado mínimo, limitado praticamente às questões ligadas à infraestrutura da sociedade, ao fisco e à segurança. Tudo o mais pertence e é regulado pelo mercado.
         Essa forma de organizar a sociedade, unicamente ao redor dos interesses econômicos do mercado, cindiu a humanidade de cima a baixo: um fosso enorme se criou entre os poucos ricos e os muitos pobres. Vigora perversa injustiça social.
         Simultaneamente, se criou também uma iníqua injustiça ecológica. No afã de acumular, foram explorados de forma predatória bens e recursos da natureza, sem qualquer limitação e respeito. Essa voracidade encontrou limite na própria Terr. Ela não possui mais todos os bens e serviços suficientes e renováveis. Tal fato dificulta, senão impede, a reprodução do sistema produtivo/capitalista. É sua crise.
         A segunda grande transformação está se dando no campo da consciência. À medida que crescem os danos à natureza que afetam a qualidade de vida, cresce simultaneamente a consciência de que, na ordem de 90%, tais danos se devem à atividade irresponsável e irracional dos seres humanos, mais especificamente daquelas elites de poder que se constituem em grandes corporações multilaterais que assumiram o rumo do mundo.
         Temos, com urgência, que fazer alguma coisa que interrompa esse percurso para o precipício. O primeiro estudo global foi feito em 1972 e pesquisou o estado da Terra. Revelou-se que ela está doente. A causa principal é o tipo de desenvolvimento que as sociedades assumiram. Ele acaba ultrapassando os limites suportáveis da natureza e da Terra. Temos que produzir, sim, para alimentar a humanidade, mas de outro jeito, respeitando os ritmos da natureza e seus limites, permitindo que ela descanse e se refaça. A isso se chamou de “desenvolvimento humano sustentável”, não só crescimento material.
         A reflexão ecológica se tornou complexa. Não se pode reduzi-la apenas à preservação do meio ambiente. A totalidade do sistema mundo está em jogo. Assim surgiu uma ecologia ambiental que tem como meta a qualidade de vida; uma ecologia social que visa a um modo sustentável de vida; uma ecologia mental que se propõe a criticar preconceitos e visões de mundo hostis à vida e formular um novo “design” civilizatório, à base de princípios e valores para uma nova forma de habitar a casa comum; e, por fim, uma ecologia integral que se dá conta de que a Terra é parte de um universo em evolução e que devemos viver em harmonia com o todo.
         Torna-se claro que a ecologia, mais do que uma técnica de gerenciamento de bens e serviços escassos, representa uma nova forma de relação para com a natureza e a Terra.
         Se triunfar a consciência do cuidado e da nossa responsabilidade coletiva pela Terra por nossa civilização, seguramente ainda teremos futuro.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 15 de maio de 2015, caderno O.PINIÃO, página 20).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 19 de maio de 2015, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de SUZANA FORTUNA BARROS, advogada, associada do Escritório de Advocacia Lapa e Goes e Goes em Salvador, e que merece igualmente integral transcrição:

“Direito à cultura e ao lazer
        A Constituição Federal, entre os direitos fundamentais e suas garantias sociais, traz, além de muitos outros, o direito à cultura e ao lazer. No Brasil, o primeiro é previsto na Carta Magna como fundamental do cidadão, cabendo ao poder público possibilitar efetivamente a todos a fruição dos direitos culturais, mediante a adoção de políticas públicas que promovam o acesso aos bens culturais, a proteção ao patrimônio cultural, o reconhecimento e proteção dos direitos de propriedade intelectual bem como o de livre expressão e criação. O direito à cultura é uma eficácia da garantia social ao lazer, uma vez que impõe como competência da União, estados, Distrito Federal e municípios a proteção aos bens de valor histórico e artístico e a promoção ao meio de acesso a cultura, a educação, a ciência, a tecnologia, a pesquisa e a inovação, não perdendo de vista o esporte, como um meio de lazer.
         Muito embora o lazer e a cultura, na prática, tenham se mostrado direitos relegados ao segundo plano, eles tangenciam diversas áreas das garantias sociais e individuais, a exemplo do direito a educação, trabalho, segurança, proteção à infância, direitos autorais e artísticos. O direito da cultura e entretenimento pode ser traduzido, então, como um direito fundamental, como uma garantia social, onde á aplicado às atividades culturais e desportivas, com o objetivo de proporcionar segurança jurídica e garantir o respeito às leis no desenvolvimento das artes e dos esportes, bem como promover seu acesso à sociedade.
         Não há dúvida de que a Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e a Lei do Audiovisual (Lei 8.685/93) possibilitaram a amplitude das políticas públicas relacionadas a cultura, lazer e esporte, a exemplo do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). As leis surgiram com o escopo de incentivar o investimento em cultura em troca, a princípio, de incentivos fiscais, pois com o benefício no recolhimento do imposto a iniciativa privada se sentiria estimulada a patrocinar eventos culturais. Com a Lei Rouanet, surgiram três formas possíveis de incentivo no país: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), os fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e de Incentivo a Projetos Culturais, por meio de renúncia fiscal (Mecenato). Ocorre que, com o tempo, a lei foi ficando defasada, além de ter sido totalmente mitigada com a implementação de medidas provisórias (MPs) e destinação de recursos divergentes daqueles do mercado artístico, cultural e desportivo.
         O surgimento da internet, o equilíbrio na inflação e a mudança do contexto artístico, cultural, político e econômico do Brasil para o mundo fizeram com que o Ministério da Cultura (Minc) incentivasse uma mudança, surgindo então o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura) – Projeto de Lei 6.722/10 –, que alterou a Lei Rouanet. O apoio do Minc aos projetos culturais por meio da lei federal e também por editais para projetos específicos, lançados periodicamente, valoriza a diversidade e o acesso à cultura.
         Hoje, a cultura se tornou-se uma economia estratégica no mundo, que depende não só do investimento público como do privado. O acesso à cultura e ao lazer está diretamente ligado a um novo ciclo de desenvolvimento do país: a universalização do acesso, diversidade cultural, desenvolvimento da economia e cultura. A realização de eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas leva as empresas a injetar investimentos maiores nos atletas, assim como nos eventos culturais nas localidades onde são realizados. Em meio a esse turbilhão de direitos e garantias fundamentais, mesmo com o esforço do governo nas diversas tentativas de implementação de políticas públicas, é válido destacar que, embora levado a segundo plano, o direito a cultura e entretenimento, em verdade, está saindo dessa zona de subdireito, para se lançar como uma potencial garantia jurídica.
         Festivais de artes, espetáculos, shows e festas estão sujeitos a uma série de controles e restrições, o que ocasiona grande impacto urbanístico e ambiental e, por envolverem interesses de uma grande gama de categorias especiais, como crianças, adolescentes, consumidores, estudantes, entre outras, exigem um amplo conhecimento nas diversas áreas jurídicas, além de abranger um grande número de leis esparsas das mais diversas naturezas: algumas locais, outras estaduais e nacionais, que têm que ser conhecidas por todos aqueles que se propõem e se dedicam à realização de eventos no país. O direito à cultura e ao entretenimento não só tem espaço no mundo jurídico como reina em diversas áreas que burocratizam e disciplinam arte, cultura, lazer, esporte, educação e quantos ramos forem necessários para se garantir a efetividade do exercício da garantia constitucional, seja a um cidadão comum, seja a um empresário.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da sustentabilidade...);

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças – Anefac –, a alta de abril dos juros  do cartão de crédito chegou a 295,48%  ao ano...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a simples divulgação do balanço auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta no exercício de 2014 perdas pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$ 21,6 bilhões, não pode de forma alguma significar página virada – eis que são valores simbólicos –, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (haja vista as muitas faces mostrando a gravidade das crônicas paralisações de obras e serviços públicos, gerando perdas bilionárias...);

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

O BRASIL TEM JEITO!...     
      

         

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