“A
Constituição cidadã e a teoria do direito
No momento em que se
celebram os 25 anos de nossa mais importante Constituição, a sociedade
brasileira vê-se tomada por distintas e contraditórias manifestações a respeito
da Carta de 1988. Ao mesmo tempo em que se louvam as conquistas democráticas e
humanas entoadas por esta Constituição, vozes não faltam a dilapidá-la como
instrumento de atraso e engessamento das relações políticas e econômicas do
Brasil de hoje.
Para
além dos insondáveis desígnios das estratégias e dos interesses políticos,
parece haver algo mais que permeia o nosso cenário de incompreensão
constitucional. São pré-compreensões historicamente construídas que, permeando
mesmo os períodos de efervescência democrática, têm marcado uma visão
malformada ou distorcida sobre o fenômeno constitucional.
Sob a
égide da Carta de 1988, muitas foram as fecundas transformações que atingiram o
direito brasileiro. Entre elas, merece especial destaque a estreita vinculação
operada entre o direito constitucional e a teoria e filosofia do direito, que
passaram a ser pensados e trabalhados de forma una e incindível. De fato, este
tem sido um dos vetores mais importantes no ensino e na pesquisa em direito nos
últimos anos, e seu impacto é sentido em diversas searas. Na jurisprudência dos
tribunais, pode-se constatar uma vasta gama de temas que emergem desta rica e
frutífera união: diálogo das fontes, garantismo penal, eficácia horizontal dos
direitos fundamentais, aplicação de princípios, transformações na hermenêutica
jurídica, entre tantos outros. O esgotamento dos postulados positivistas e
cientificistas dos séculos 19 e 20 exige dos juristas o afastamento de toda
concepção que possa ver no direito um mero artifício técnico ou abstrato,
isolado da sociedade e da história, infenso a questionamentos e
problematizações.
Reconhecer
a importância das disciplinas teóricas para o chamado “operador jurídico” é
afastar um dos legados mais obtusos da tradição positivista. Esta, ao se
estabelecer como discurso de clarificação e cientificização do direito, feita a
reboque da construção epistemológica prevalente nas ciências naturais e exatas,
esquecia-se de problematizar os seus próprios pressupostos e pré-suposições.
Retornar à filosofia e ao nicho de disciplinas que lhe são conexas representa,
a um só tempo, rechaçar o dogmatismo que, sob o argumento de garantir segurança
e certeza, deixava de lado elementos fundamentais à manifestação do direito e à
própria inserção de toda produção política e cultural no mundo da vida. Acima
de tudo, busca-se assegurar o fundamental predicado humano, essencialmente
humano, de pensar.
Apesar
de invisível, o pensamento tem força ingente sobre a vivência humana. Sócrates,
um dos precursores do pensamento filosófico na Grécia antiga, chegou mesmo a
compará-lo com os ventos. Apesar de invisíveis, tem uma força manifesta para
todos, e sentimos sempre a sua aproximação e o seu impacto. Ademais, a história
nos tem demonstrado a força das ideias e do pensamento como instrumento de
transformação da realidade. Certamente, as revoluções modernas, das quais
resultaria a criação do Estado de direito, não teriam sido possíveis sem a
força das ideias de Jean Jacques Rousseau, Montesquieu e Kant. Como nunca
cansava de advertir o notável advogado Geraldo Ataliba, “nada mais prático do
que uma boa teoria”.
Em
livro recentemente publicado pela Editora Del Rey, procuramos refletir sobre os
elementos dessa relação entre constitucionalismo e teoria do direito. Nele,
procuramos repensar não apenas as
possibilidades do fazer científico jurídico, o método e a práxis jurídica, como
também problematizar a própria questão do fundamento do direito. Diante da
acentuada importância da Constituição na vivência jurídica da sociedade
brasileira, e num tempo em que as barreiras que fragmentavam o conhecimento
jurídico tendem a desaparecer, parece não haver espaço para uma teoria do
direito que não se faça alicerçada no solo fecundo do constitucionalismo
democrático. Vislumbramos a partir daí a possibilidade de uma construção
científica-jurídica que se distancie da abstração da pura epistemologia de
feições positivistas, abrace a concretude da facticidade histórica, e
realize-se como “acontecer” (Ereignen)
da “problemático-judicativa realização concreta do direito”, na síntese feliz
de Castanheira Neves.
Neste
aniversário da Carta de Outubro, parece ter lugar, aqui também, a famosa
provocação lançada por Immnuel Kant no alvorecer da era moderna: saperaude! Ouse conhecer! Ousemos nós
todos conhecer e procurar discutir e esclarecer os verdadeiros sentidos de uma
Constituição, seus pressupostos e suas possibilidades. Talvez, a partir de uma
visão mais clara acerca dos significados do constitucionalismo, possamos
entender mais e melhor acerca de nós mesmos, e do que o direito e a
Constituição podem e devem fazer em uma sociedade politicamente organizada.
Talvez possamos, a partir daí, aprender e aceitar a imperfectibilidade inerente
a toda e qualquer Constituição, e melhor reconhecer e implementar suas grandes conquistas. Que
possamos então deixar de lado, os brasileiros, a obsessão de reformular
simplesmente os textos – como se eles tudo pudessem, e passemos a reformular a
interpretação, pela ampliação dos parâmetros de nossa própria compreensão.”
(FERNANDO
JOSÉ ARMANDO RIBEIRO. Vice-presidente do Tribunal de Justiça Militar de
Minas Gerais, doutor em direito pela UFMG, professor da PUC Minas, presidente
da Academia Mineira de Direito Militar, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de
novembro de 2013, caderno DIREITO &
JUSTIÇA, página principal).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição,
caderno OPINIÃO, página 9, de
autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Jovens
em pauta
Em comprometida
sintonia com a juventude, torna-se sempre necessário afirmar que os jovens
devem ser prioridade na pauta da sociedade. Essa sintonia é reafirmada na
oportunidade da celebração do Dia Nacional da Juventude, mais um empenho que a
Igreja Católica vive nesse profético ano, enriquecido pelos eventos da Campanha
da Fraternidade – com o tema Juventude e Fraternidade, da Semana Missionária e
da Jornada Mundial da Juventude. Trata-se de um dever de todos reafirmar
efetivamente a opção preferencial pelos jovens.
Essa
dimensão prioritária nasce da importância da juventude, no presente e no futuro
da sociedade. É preciso atentar-se para os diferentes cenários em que se
inserem os jovens possibilitando ou impedindo seu desenvolvimento humano. Nesse
exercício, a Igreja Católica é desafiada a contracenar com instâncias
governamentais, busca permanentemente o diálogo com as famílias e se empenha na
oferta de uma formação integral. Ao mesmo tempo, procura aprender com os
jovens, escutando-os sempre.
Escutar
a juventude é uma exigência que desafia a Igreja, governos, famílias e
instituições. Trata-se de uma necessária tarefa, que exige um modo próprio de
agir, marcado pela grande disposição para aprender as novas linguagens,
refletir valores e construir opções que articulem autonomia e liberdade. Nesse
último aspecto, devem ser respeitados os princípios e valores sem os quais a edificação
da vida corre o risco de facilmente ruir.
Dizer
que a juventude deve ser prioridade não é demagogia. É uma questão de vida, de
futuro. A realidade estampa cenários que requerem essa convicção, para que
sejam instituídos processos de serviço, intercâmbio e formação voltados para os
jovens. Assim, eles serão devidamente reconhecidos como sujeitos na construção
de sua história pessoal, familiar e adequadamente inseridos nas dinâmicas
sociais. É importante lembrar que especialmente os mais jovens sofrem os
impactos das grandes mudanças que estão afetando a economia, as ciências, a
política, educação, religião, arte e esportes. Essas transformações que atingem
a humanidade exigem aprendizagens e práticas para responder às exigências
insubstituíveis quando se trata de edificar a vida.
De
modo especial, é preciso considerar as mudanças incidentes nas relações
sociais. Particularmente, as alterações do papel do homem e da mulher, a partir
das facilidades resultantes dos avanços tecnológicos e do terrível desafio que
nasce da consolidação de uma afetividade autônoma e narcisista. Urgente também
é reconhecer a grande batalha que ocorre e que exige providências: a mancha de
óleo”, expressão do Documento dos Bispos na Conferência de Aparecida, que é o
problema das drogas, invadindo tudo.
Essa
“mancha ataca países ricos e pobres, jovens de diferentes classes sociais, de
todas as idades. É um flagelo que se configura em uma batalha de proporções
assustadoras, mostrando inércias governamentais, carência de participação das
instituições, empresas e lentidão por parte das instituições educativas e
religiosas. A droga tem se tornado uma verdadeira pandemia a ser enfrentada com
a coragem profética de colocar, especialmente, os jovens em pauta. Assim será
possível alcançar respostas mais velozes e efetivas para transformar o atual
cenário. Na busca pela formação integral dos jovens, além de infraestrutura,
educação de qualidade, oportunidade de trabalho, dos modelos de tratamento em
vista da prevenção e cura da dependência química, é urgente compreender o papel
educativo completo da espiritualidade no desenvolvimento da juventude.
Os
jovens são sensíveis e têm grande abertura para a descoberta da vocação de
serem discípulos e discípulas de Jesus. A espiritualidade a ser oferecida como
contato, compreensão e experiência dos valores do Evangelho tem força própria
para recompor interioridades e impulso profético no enfrentamento de tudo o que
afeta a juventude. Há um apelo que deve se transformar em exigência para que
nossa Igreja e instituições diversas usem mais seus espaços e recursos a
serviço dos jovens, com projetos de arte, cultura, lazer, escuta, debate,
formação social e política. A Igreja Católica quer ser o lugar da juventude,
compreendendo que um tempo novo se consolidará pela coragem de manter sempre os
jovens em pauta.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente democráticas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização,
mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas
políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e
potencialidade com todas as suas
brasileiras e com todos os todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...