(Junho
= mês 60; o mês da Copa do Mundo)
“O
ser humano é a porção inteligente e consciente da Terra
O ser humano consciente
não deve ser considerado à parte do processo de evolução. Ele representa um
momento especialíssimo da complexidade das energias, das informações e da
matéria da Mãe Terra.
Em
outras palavras, nós não estamos fora nem acima da Terra viva. Somos parte
dela, junto com os demais seres que ela também gerou. Não podemos viver sem a
Terra, embora ela possa continuar sua trajetória sem nós.
Por
causa da consciência e da inteligência, somos seres com uma característica
especial: a nós foram confiadas a guarda e o cuidado da Casa Comum. Melhor
ainda: a nós cabe viver e continuamente refazer o contrato natural entre Terra
e humanidade, pois é de sua observância que se garantirá a sustentabilidade do
todo.
Essa
mutualidade Terra-humanidade é mais bem-assegurada se articularmos a razão
intelectual com a razão sensível. Damo-nos conta, mais e mais, de que somos
seres impregnados de afeto e de capacidade de sentir, de afetar e de ser
afetados. Essa dimensão, também chamada de “inteligência emocional”, foi
recalcada na modernidade em nome de uma pretensa objetividade da análise
racional. Hoje sabemos que todos os conceitos, ideias e visões do mundo vêm
impregnados de afeto e de sensibilidade (M. Maffesoli, “Elogio da Razão Sensível”,
Vozes, Petrópolis, 1998).
A
inclusão consciente e indispensável da inteligência emocional com a razão
intelectual nos move mais facilmente ao cuidado e ao respeito da Mãe Terra e de
seus seres.
Junto
às inteligências intelectual e emocional, existe no ser humano também a
inteligência espiritual. O espírito e a consciência têm o seu lugar dentro do
processo cosmogênico. Podemos dizer que eles estão, primeiro, no universo e,
depois, na Terra e nos ser humano. A distinção entre o espírito da Terra e do
universo e o nosso espírito não é de princípio, mas de grau.
Esse
espírito está em ação desde o primeiríssimo momento após o Big Bang. Ele é
aquela capacidade que o universo mostra de fazer de todas as relações e
interdependências uma unidade sinfônica. Sua obra é realizar aquilo que alguns físicos
quânticos chamam de “holismo relacional”: articular todos os fatores, fazer
convergir todas as energias, coordenar todas as informações e todos os impulsos
para cima e para a frente, de forma que se forme um Todo e o cosmo apareça de
fato como cosmo, e não simplesmente a justaposição de entidades ou o caos.
É
nesse sentido que não poucos cientistas falam do universo autoconsciente e de
um propósito que é perseguido pelo conjunto das energias em ação. Não há como
negar esse percurso: das energias primordiais passamos à matéria, da matéria à
complexidade, da complexidade à vida, e da vida à consciência, que nos seres
humanos se realiza como autoconsciência individual, e da autoconsciência
passamos à nooesfera, pela qual nos sentimos uma mente coletiva.
Todos
os seres participam de alguma forma do espírito. Eles também estão envolvidos
numa incontável rede de relações que são a manifestação do espírito.
Essa
compreensão desperta em nós um sentimento de pertencimento a esse todo, de
parentesco com os demais seres da criação, a apreço por seu valor intrínseco,
pelo simples fato de existirem e revelarem algo do mistério do universo.
Ao
falarmos de sustentabilidade em seu sentido mais global, precisamos incorporar
esse momento de espiritualidade cósmica, terrenal e humana, para ser completa,
integral, e potenciar sua força de sustentação.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 30 de
maio de 2014, caderno O.PINIÃO, página
20).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:
“Lista
hexa, Brasil!
A discussão sobre o
legado da Copa do Mundo no Brasil é um direito de cada cidadão brasileiro.
Também, uma ocasião singular, oportunidade para a abertura de um novo ciclo da
consciência social e política. Essa é uma necessidade urgentíssima, neste ano
eleitoral, diante dos atrasos sociais que pesam, especialmente, sobre os ombros
dos mais pobres. Um evento da magnitude de uma Copa do Mundo não pode, obviamente,
trazer benefícios concretos somente a jogadores e empresários do futebol. O
povo tem o direito de receber uma considerável fatia do possível legado.
Não se
discute e nem se pode impedir o direito dos apaixonados pelo futebol de
experimentarem sentimentos de euforia, de torcer por uma campanha exitosa da
seleção nacional. Afinal, uma jornada malsucedida do time não compensará as
lacunas e prejuízos graves já apontados
no conjunto de legados da Copa. Por isso, o desejo de sucesso, levando a
seleção brasileira ao hexacampeonato, precisa ser acompanhado de uma
qualificada lista de prioridades sociais e políticas. Assim, seria possível
investir na abertura de um novo ciclo na história da sociedade brasileira. A
torcida pela campanha vencedora no futebol deve ser também uma convocação para
que todos lancem um olhar sobre a realidade, compondo uma “lista hexa” de prioridades.
Trata-se
de um exercício de muita importância, pois permite um despertar para a
necessidade urgente de mudança nas dinâmicas, configurações e atuação cidadã. A
meta prioritária é mudar cenários abomináveis da sociedade brasileira. Diante
disso, para além de simples opiniões e, sobretudo, de lista de lamentações,
parece oportuno não perder de vista a realidade do país, na sua complexidade, e
esforçar-se pela elaboração dessa “lista hexa” de prioridades. É o movimento
necessário para impulsionar reformulações significativas, urgentes e já
tardias.
As
oportunidades de mudança serão muitas e poderão ser aproveitadas a partir do
interesse partilhado por todos em participar dos debates sobre temáticas que
podem, pela força do consenso, inaugurar um novo momento social, político e
cultural. Esse necessário envolvimento de cada um determinará a força da
sociedade brasileira diante das estagnações e obstáculos para respostas
indispensáveis aos anseios da população. Nesse caminho, é inegociável o
respeito pela dignidade de todo ser humano. Isso significa que é urgente e
prioritário, como aposta de todos os diferentes segmentos – religiosos, artísticos,
profissionais, políticos, intelectuais – trabalhar por iniciativas orientadas a
partir de posturas cidadãs. Desse modo,
cada um guiará sua própria conduta fundamentando-se na consciência do
primado da vida humana.
A
sociedade brasileira, segundo opiniões e reflexões, sairá da Copa do Mundo,
ainda que nossa seleção seja hexacampeã, como perdedora. De fato, analistas
frequentemente mostram que as demandas históricas por melhorias na
infraestrutura do Brasil não serão solucionadas, mesmo com os altos gastos com
o Mundial. O propalado legado da Copa merece questionamentos e veementes
críticas, junto com a convicção de que é hora para avançar rumo a grandes
mudanças. Desta vez, não será possível transcorrer os dias da competição
simplesmente com a euforia própria do futebol. O congraçamento universal que o
esporte proporciona já está fortalecido por um processo de levante social e
político, um broto de esperança para uma grande virada que precisa ocorrer na
cultura brasileira.
A
reforma política deve encabeçar essa mudança cultural, pois é o caminho para
acabar com os nefastos cenários que afundam o país na corrupção, no uso
contínuo da máquina governamental, na incompetência e burocracias que atrasam respostas.
A prioridade cidadã é o amadurecimento da postura política de cada um pelo
exercício de definir uma “lista hexa” de prioridades sociais. Assim, todos
contribuirão para que esse momento histórico não deixe, simplesmente, um legado
de prejuízos, de escolhas equivocadas e de favorecimentos. A luta pela reforma
política é a oportunidade para os cidadãos reagirem diante do difuso sentimento
de decepção e descrença em relação à política institucional.
O
gesto concreto durante a Copa do Mundo é trabalhar pela tramitação no Congresso
Nacional do Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre a Reforma Política. Um
movimento semelhante ao que resultou na aprovação das Leis Contra a Corrupção
Eleitoral (Lei 9.840/1999) e da Ficha Limpa (135/2010), frutos da união de
muitas pessoas de bem. É hora de conquistar o afastamento do poder econômico
das eleições, adotar o sistema eleitoral chamado “voto transparente”,
proporcional em dois turnos, pelo qual o eleitor inicialmente vota em um
programa partidário e, posteriormente, escolhe um dos nomes da lista ordenada
no partido, com a participação de seus filiados, com acompanhamento da Justiça
Eleitoral e do Ministério Público; é momento de promover a alternância de
homens e mulheres nas listas de candidatos dos partidos; de fortalecer a
democracia participativa, por meio dos preceitos constitucionais do plebiscito,
referendo e projeto de lei de iniciativa popular. Esse é um importante projeto,
que sustentará as outras muitas transformações necessárias, uma verdadeira lista
hexa Brasil de prioridades.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo
a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres,
civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três os nossos maiores e mais ameaçadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraesturutra (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional),
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e
solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da
sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da
paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...