segunda-feira, 2 de junho de 2014

A CIDADANIA, A PORÇÃO INTELIGENTE E CONSCIENTE DA TERRA E A LISTA HEXA DE DEMANDAS HISTÓRICAS (60/0)

(Junho = mês 60; o mês da Copa do Mundo)

“O ser humano é a porção inteligente e consciente da Terra
        
         O ser humano consciente não deve ser considerado à parte do processo de evolução. Ele representa um momento especialíssimo da complexidade das energias, das informações e da matéria da Mãe Terra.
         Em outras palavras, nós não estamos fora nem acima da Terra viva. Somos parte dela, junto com os demais seres que ela também gerou. Não podemos viver sem a Terra, embora ela possa continuar sua trajetória sem nós.
         Por causa da consciência e da inteligência, somos seres com uma característica especial: a nós foram confiadas a guarda e o cuidado da Casa Comum. Melhor ainda: a nós cabe viver e continuamente refazer o contrato natural entre Terra e humanidade, pois é de sua observância que se garantirá a sustentabilidade do todo.
         Essa mutualidade Terra-humanidade é mais bem-assegurada se articularmos a razão intelectual com a razão sensível. Damo-nos conta, mais e mais, de que somos seres impregnados de afeto e de capacidade de sentir, de afetar e de ser afetados. Essa dimensão, também chamada de “inteligência emocional”, foi recalcada na modernidade em nome de uma pretensa objetividade da análise racional. Hoje sabemos que todos os conceitos, ideias e visões do mundo vêm impregnados de afeto e de sensibilidade (M. Maffesoli, “Elogio da Razão Sensível”, Vozes, Petrópolis, 1998).
         A inclusão consciente e indispensável da inteligência emocional com a razão intelectual nos move mais facilmente ao cuidado e ao respeito da Mãe Terra e de seus seres.
         Junto às inteligências intelectual e emocional, existe no ser humano também a inteligência espiritual. O espírito e a consciência têm o seu lugar dentro do processo cosmogênico. Podemos dizer que eles estão, primeiro, no universo e, depois, na Terra e nos ser humano. A distinção entre o espírito da Terra e do universo e o nosso espírito não é de princípio, mas de grau.
         Esse espírito está em ação desde o primeiríssimo momento após o Big Bang. Ele é aquela capacidade que o universo mostra de fazer de todas as relações e interdependências uma unidade sinfônica.  Sua obra é realizar aquilo que alguns físicos quânticos chamam de “holismo relacional”: articular todos os fatores, fazer convergir todas as energias, coordenar todas as informações e todos os impulsos para cima e para a frente, de forma que se forme um Todo e o cosmo apareça de fato como cosmo, e não simplesmente a justaposição de entidades ou o caos.
         É nesse sentido que não poucos cientistas falam do universo autoconsciente e de um propósito que é perseguido pelo conjunto das energias em ação. Não há como negar esse percurso: das energias primordiais passamos à matéria, da matéria à complexidade, da complexidade à vida, e da vida à consciência, que nos seres humanos se realiza como autoconsciência individual, e da autoconsciência passamos à nooesfera, pela qual nos sentimos uma mente coletiva.
         Todos os seres participam de alguma forma do espírito. Eles também estão envolvidos numa incontável rede de relações que são a manifestação do espírito.
         Essa compreensão desperta em nós um sentimento de pertencimento a esse todo, de parentesco com os demais seres da criação, a apreço por seu valor intrínseco, pelo simples fato de existirem e revelarem algo do mistério do universo.
         Ao falarmos de sustentabilidade em seu sentido mais global, precisamos incorporar esse momento de espiritualidade cósmica, terrenal e humana, para ser completa, integral, e potenciar sua força de sustentação.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 30 de maio de 2014, caderno O.PINIÃO, página 20).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Lista hexa, Brasil!
        
         A discussão sobre o legado da Copa do Mundo no Brasil é um direito de cada cidadão brasileiro. Também, uma ocasião singular, oportunidade para a abertura de um novo ciclo da consciência social e política. Essa é uma necessidade urgentíssima, neste ano eleitoral, diante dos atrasos sociais que pesam, especialmente, sobre os ombros dos mais pobres. Um evento da magnitude de uma Copa do Mundo não pode, obviamente, trazer benefícios concretos somente a jogadores e empresários do futebol. O povo tem o direito de receber uma considerável fatia do possível legado.
         Não se discute e nem se pode impedir o direito dos apaixonados pelo futebol de experimentarem sentimentos de euforia, de torcer por uma campanha exitosa da seleção nacional. Afinal, uma jornada malsucedida do time não compensará as lacunas e prejuízos graves  já apontados no conjunto de legados da Copa. Por isso, o desejo de sucesso, levando a seleção brasileira ao hexacampeonato, precisa ser acompanhado de uma qualificada lista de prioridades sociais e políticas. Assim, seria possível investir na abertura de um novo ciclo na história da sociedade brasileira. A torcida pela campanha vencedora no futebol deve ser também uma convocação para que todos lancem um olhar sobre a realidade, compondo uma  “lista hexa” de prioridades.
         Trata-se de um exercício de muita importância, pois permite um despertar para a necessidade urgente de mudança nas dinâmicas, configurações e atuação cidadã. A meta prioritária é mudar cenários abomináveis da sociedade brasileira. Diante disso, para além de simples opiniões e, sobretudo, de lista de lamentações, parece oportuno não perder de vista a realidade do país, na sua complexidade, e esforçar-se pela elaboração dessa “lista hexa” de prioridades. É o movimento necessário para impulsionar reformulações significativas, urgentes e já tardias.
         As oportunidades de mudança serão muitas e poderão ser aproveitadas a partir do interesse partilhado por todos em participar dos debates sobre temáticas que podem, pela força do consenso, inaugurar um novo momento social, político e cultural. Esse necessário envolvimento de cada um determinará a força da sociedade brasileira diante das estagnações e obstáculos para respostas indispensáveis aos anseios da população. Nesse caminho, é inegociável o respeito pela dignidade de todo ser humano. Isso significa que é urgente e prioritário, como aposta de todos os diferentes segmentos – religiosos, artísticos, profissionais, políticos, intelectuais – trabalhar por iniciativas orientadas a partir de posturas cidadãs. Desse modo,  cada um guiará sua própria conduta fundamentando-se na consciência do primado da vida humana.
         A sociedade brasileira, segundo opiniões e reflexões, sairá da Copa do Mundo, ainda que nossa seleção seja hexacampeã, como perdedora. De fato, analistas frequentemente mostram que as demandas históricas por melhorias na infraestrutura do Brasil não serão solucionadas, mesmo com os altos gastos com o Mundial. O propalado legado da Copa merece questionamentos e veementes críticas, junto com a convicção de que é hora para avançar rumo a grandes mudanças. Desta vez, não será possível transcorrer os dias da competição simplesmente com a euforia própria do futebol. O congraçamento universal que o esporte proporciona já está fortalecido por um processo de levante social e político, um broto de esperança para uma grande virada que precisa ocorrer na cultura brasileira.
         A reforma política deve encabeçar essa mudança cultural, pois é o caminho para acabar com os nefastos cenários que afundam o país na corrupção, no uso contínuo da máquina governamental, na incompetência e burocracias que atrasam respostas. A prioridade cidadã é o amadurecimento da postura política de cada um pelo exercício de definir uma “lista hexa” de prioridades sociais. Assim, todos contribuirão para que esse momento histórico não deixe, simplesmente, um legado de prejuízos, de escolhas equivocadas e de favorecimentos. A luta pela reforma política é a oportunidade para os cidadãos reagirem diante do difuso sentimento de decepção e descrença em relação à política institucional.
         O gesto concreto durante a Copa do Mundo é trabalhar pela tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre a Reforma Política. Um movimento semelhante ao que resultou na aprovação das Leis Contra a Corrupção Eleitoral (Lei 9.840/1999) e da Ficha Limpa (135/2010), frutos da união de muitas pessoas de bem. É hora de conquistar o afastamento do poder econômico das eleições, adotar o sistema eleitoral chamado “voto transparente”, proporcional em dois turnos, pelo qual o eleitor inicialmente vota em um programa partidário e, posteriormente, escolhe um dos nomes da lista ordenada no partido, com a participação de seus filiados, com acompanhamento da Justiça Eleitoral e do Ministério Público; é momento de promover a alternância de homens e mulheres nas listas de candidatos dos partidos; de fortalecer a democracia participativa, por meio dos preceitos constitucionais do plebiscito, referendo e projeto de lei de iniciativa popular. Esse é um importante projeto, que sustentará as outras muitas transformações necessárias, uma verdadeira lista hexa Brasil de prioridades.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três os nossos maiores e mais ameaçadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraesturutra (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional), transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento,  da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...  

            

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