“A
MORALIDADE COMO
DEVER
CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal
de 1988 estabelece direitos e garantias, sendo que no seu artigo 5º,
especificamente, estão elencados a maioria dos dispositivos de tais preceitos
fundamentais. Todavia, a mesma Constituição também estabelece deveres
fundamentais em decorrência da relação jurídica estabelecida no plano
horizontal dos direitos fundamentais (educação e meio ambiente) que, a exemplo
dos direitos e garantias, podem ser encontrados por todo o texto
constitucional.
Relativamente
aos deveres constitucionais, estes não recebem a mesma atenção, seja na
doutrina, seja na jurisprudência, que se dá aos direitos fundamentais.
Se por
um lado há um extenso e concentrado elenco de direitos e garantias fundamentais
entre os artigos 5º e 17 da CF/88, de outro, a localização dos deveres é
distribuída pelos diversos dispositivos do texto da Carta Magna, sendo que a
maior parte dos deveres tidos como fundamentais decorre de interpretações e da
imposição de direitos.
Quando
se faz referência a “dever” significa dizer que alguém está obrigado a agir de
certa maneira. Logo, viver em sociedade implica deveres tanto para as pessoas
quanto para o Estado.
Os
deveres constituem categoria quase esquecida atualmente, o que não prejudica a
sua importância. A consciência dos deveres constitucionais e o cobro de sua
observância levam à superação de muitos problemas atuais, sobretudo de ordem
constitucional, despertando no cidadão o senso de responsabilidade por suas
atitudes consigo mesmo, com a sociedade e com a nação.
Os
deveres fundamentais, ao contrário dos direitos fundamentais, em regra não têm
aplicabilidade imediata, dependendo, pois, de uma concretização legal
complementar ao conteúdo constitucional, pelo qual os cidadãos têm deveres que
exigem posturas muito mais ativas e requerem disposição para lutar pelos
direitos, pelo respeito ao ordenamento jurídico e a outros institutos e valores
sociais, morais, políticos e jurídicos.
É
pelos deveres, por exemplo, que se pode sustentar seguramente a eticidade
imprescindível nas relações jurídicas e não jurídicas. O mesmo se aplica à
moralidade, um dos princípios que devem nortear a atuação da administração pública
e dos agentes públicos.
Consiste
a moralidade no dever que o agente tem de adotar comportamentos que sejam
compatíveis com a honestidade, boa-fé, eticidade e transparência, além de agir
de modo legal, sem aproveitar-se das vantagens do cargo ou função para si ou
para outrem e sem favorecer ou prejudicar alguém.
Há a
moralidade comum (conceito básico de certo e errado) e a moralidade
administrativa (sinônimo de boa administração).
O
princípio da moralidade ganhou status constitucional a partir da CF/88, que o
tornou princípio expresso, nos artigos 5º, inciso LXXIII; artigo 14, § 9º e 37,
caput, estando presente em várias leis, tais como a Lei 9.784/99, que trata do
processo administrativo federal; na Lei 7.437/85 (Ação Civil Pública); na Lei
8.429/92, que trata da improbidade administrativa, na Lei da Ação Popular
(4.717/65) e na Lei 12.846/13, apelidada de Lei Anticorrupção.
Todavia,
em nenhuma destas normas de direito público acima citadas há uma conceituação
do que venha a ser a moralidade administrativa, ora considerada um princípio,
ora considerada um dever. E é justamente uma norma de direito privado, qual
seja a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), a que mais se aproxima de
uma definição do que venha a ser moralidade administrativa.
No
artigo 153, que trata dos deveres dos dirigentes da companhia, está determinado
que o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o
cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração dos seus próprios negócios. Advém daí o princípio do bom
administrador, nele incluídos os atributos da diligência, da honestidade e boa
vontade e o dever da diligência, tais como o dever de se informar, se
qualificar, vigiar, investigar e intervir.
Se
todo agente público empregasse, no exercício das suas funções, o cuidado e a
diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos
seus negócios privados, a administração pública seria poupada de sucessivos
escândalos e prejuízos ao erário decorrentes de atuações fora dos padrões
éticos de probidade, decoro e boa-fé, como no recente caso da aquisição da
Refinaria Pasadena, no Texas (EUA), pela Petrobras.
O
Tribunal de Contas da União (TCU) está apurando a existência de dano aos cofres
públicos em decorrência de tal aquisição e já determinou a devolução de US$
792,3 milhões aos cofres da Petrobras pelos prejuízos causados ao patrimônio da
empresa.
Tivessem
os dirigentes, alvo do citado processo no TCU, observado a moralidade como um
dever constitucional, além de observar as diretrizes previstas no artigo 153 da
Lei das S/A, os danos ao erário apontados pelo TCU seriam evitados.”
(JÚLIO CÉSAR
PEREIRA BOTELHO. Procurado federal, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 31 de
outubro de 2014, caderno DIREITO & JUSTIÇA,
página principal).”
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
1º de novembro de 2014, caderno PENSAR, página
2, de autoria de Maurício Andrés
Ribeiro, autor de Ecologizar, Tesouros da Índia e Meio
Ambiente e evolução humana, e que merece igualmente integral
transcrição:
“Democracia
e lições de resiliência
Resiliência é uma
palavra cada vez mais presente no dia a dia. Ela é usada na física, na
economia, na ecologia, na psicologia, na sociologia e em outros campos do
conhecimento. Tem sido aplicada tanto a sistemas sociais, econômicos e
ecológicos, como a organismos vivos, individuais ou coletivos. É a capacidade
de reencontrar o equilíbrio depois de se sofrer um choque ou uma mudança
abrupta. Em geral, não se volta ao estado original anterior ao impacto, mas se
restaura a integridade.
Em
psicologia, a resiliência é a capacidade de o indivíduo lidar com problemas,
superar obstáculos ou reagir e se recuperar de adversidades, tais como traumas,
sem entrar em fadiga ou surto psicológico e mantendo-se sereno diante de uma
situação de estresse. É a capacidade de superar doenças, mudanças, infortúnios,
depressões ou desencorajamentos, cicatrizar feridas, aprender e seguir em
frente. Ela é a capacidade de enfrentar e superar adversidades e situações
traumáticas ou de impacto psíquico. Por meio dela, o sofrimento pode ser
transcendido e transmutado com impulso, criatividade e imaginação.
Resiliente
é sociedade ou civilização invadida e colonizada, mas que sobrevive ao impacto
da invasão. Civilizações pré-colombianas na América não suportaram o impacto do
encontro violento com os invasores e conviver com eles, absorver aquilo que
lhes interessava. Um caso extraordinário é o da Índia, que foi invadida muitas
vezes e absorveu as contribuições positivas de quem a invadiu. Houve uma
superposição de camadas e nenhuma época eliminou a anterior, preservando
tradições. Diferentemente de outras civilizações que tiveram sua ascensão,
apogeu, declínio e extinção, na Índia os mitos milenares ainda estão vivos no
dia a dia. Os colonizadores europeus batizaram lugares e cidades. Décadas
depois da independência em 1947, os lugares retornaram a seu nome pré-colonial.
Bangalore tornou-se Bengaluru, Madras voltou a ser Chennai, Bombaim retornou ao
nome de Mumbai. Tal resgate mostra resiliência cultural e lingüística em ação.
O movimento de resistência passiva ou da resistência não ofensiva que resultou
na independência da Índia é uma expressão da resiliência indiana.
Na
política, resiliência democrática é o movimento de proteção e de recomposição
da democracia quando atacada ou extirpada por ditaduras ou regimes
totalitários. Campanhas eleitorais são períodos de competição política nos
quais se debatem propostas e também se atacam adversários, disseminam calúnias
e mentiras, abusa-se da propaganda. Nesse contexto tenso e estressante, ser
resiliente proporciona aos candidatos voltar ao equilíbrio e se recuperar com
um mínimo de sequelas depois de um
ataque, quando sofrem traumas, pancadas, agressão física, verbal, psicológica.
Favelas
e comunidades pobres demonstram resiliência social ao resistir, sobreviver e se
sustentar em situações de precariedade. Os moradores de tais locais resiliência
diante dos impactos que vivem quando desalojados de sua moradias e quando
enfrentam dificuldades cotidianas e encontram formas para lidar com processos
desestruturantes. Capacidade de enfrentar e se transformar por experiências
adversas é demonstrada por crianças que conseguem superar dificuldades e
desenvolver competências sociais e cognitivas, sem perder a esperança.
Na
física, resiliência é a habilidade de um material absorver energia quando for
deformado e depois liberar essa energia. Tal propriedade torna o material
elasticamente capaz de se reconfigurar e de reassumir seu tamanho e sua forma
depois de ser esticado, curvado ou comprimido. A fadiga de materiais ocorre
quando eles encontram o limite da plasticidade/elasticidade.
Em
ecologia, é a capacidade de um ser vivo, um sistema ou organismo absorver
choques e se adequar a eles, mantendo suas funções e estrutura, adaptando-se e
se reorganizando. Quando resiliente, um ecossistema retoma sua forma original,
integral ou parcialmente, após uma perturbação. Difere de resistência, que é
capacidade que tem um sistema de manter sua estrutura em funcionamento após um
distúrbio. A partir de certos limites de devastação, os ecossistemas podem não
ser capazes de restaurar plenamente sua variedade de plantas e animais.
PRESSÃO
E ESTRESSE Com crescente frequência, civilizações,
sociedades, ambientes naturais, cidades e pessoas são submetidos a altas
pressões. Em nosso tempo, cada vez mais ocorrem estresses climáticos e
ambientais. Estamos no estágio terminal da era cenozoica e num contexto de
megamudança planetária, com turbulências climáticas que se desdobram em
turbulências econômicas, sociais, políticas, que repercutem na vida dos
indivíduos. Cidades resilientes são capazes de suportar tempestades,
inundações, secas e de sobreviver. Nesse contexto de transformações aceleradas,
não é uma resposta eficaz se recolher ao conforto e à proteção do ambiente em
transformação.
Aquilo
que já foi experimentado no passado tende a não mais funcionar. Não são
funcionais a inflexibilidade, a rigidez, o encolhimento e medo diante das novas
situações. É como num nascimento: depois de nascido, um bebê não volta mais ao
útero que o abrigou em sua etapa pré-natal; ele precisa adaptar-se ao mundo
exterior; durante sua vida, ajuda a moldá-lo. O contexto externo e o ambiente
no planeta estão em mudança veloz, o que demanda respostas inovadoras,
imaginação e criatividade, além de capacidade de gestão e de ter uma boa
governança.
Deixar
vir à luz a realidade nova, saber compreendê-la e enfrentar aquilo que ela
propõe, ter coragem para deixar ir embora o arcaico e ter abertura para o novo
são qualidades necessárias para encarar, aceitar e compreender o que as
mudanças e pressões propõem, num processo evolutivo sem volta.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais,
econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção de
nosso País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas,
democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos as nossas crianças de 6 anos de idade na
primeira série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas;
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, há séculos, como um câncer a se espalhar por todas as
esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de
variada ordem; III – o desperdício, em
todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis (a propósito, lemos na mídia a respeito da crise
da água: “ ... segundo estudo do Banco Mundial, 40% do que vai para áreas
urbanas se perde em sistemas precários de distribuição...);
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e
solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas,
oportunidades e potencialidades com todas
as brasileiras e com todos os
brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários
previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e
os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da
globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!...