segunda-feira, 17 de junho de 2013

A CIDADANIA, A DEMOCRACIA, O DIREITO DE REVOLTA E A HIDROALFABETIZAÇÃO

“O direito de revolta
        
         O povo está na rua. Em muitas cidades brasileiras e em diferentes países, pelos mais variados motivos, a movimentação popular tem crescido, dando novo colorido à política. Depois do engodo do fim história, na celebração do liberalismo como estágio final da civilização, foi crescendo a onda de protesto que hoje se espalha e dinamiza  as relações sociais.
         Por trás dessa situação está a mudança de percepção acerca do que é democracia. Durante muito tempo, convencionou-se conceber a democracia como o regime da ordem, no qual, de tempos em tempos, se procedia a alternância do poder sem que os princípios básicos da organização social e da economia fossem contestados.
         A democracia, o povo vem ensinando, é ordem mais conflito. Sem contradição não há democracia de verdade. O regime democrático não é aquele em que a noção de ordem precisa ser sempre questionada, em nome da expansão de direitos e da criação de novos contextos de liberdade. Se para o liberalismo a história acaba, para a democracia ela é perpétua criação.
         Foram os protestos, de toda natureza, que acabaram com a escravidão, deram direito ao voto às mulheres, instituíram as leis trabalhistas e promoveram a reforma agrária na maior parte dos países (o Brasil, é claro, de fora). A deixar o barco correr na obediência irrestrita às leis, mais que paralisar a sociedade, eternizam-se injustiças. Ou alguém acha que proprietários de terra vão ceder suas fazendas em nome da distribuição de renda?
         O direito de revolta é um dos esteios da democracia. Por isso é preocupante a condenação moralista das manifestações que hoje cobram demarcação de terras indígenas, voltam-se contra o aumento de tarifas públicas, paralisam a produção em busca de melhores salários, exigem educação pública de qualidade, questionam a legitimidade de um parlamentar homofóbico. São todas ações que ampliam o patamar de direitos, portanto, democráticas.
         O que é de se estranhar não são os movimento em si, mas o fato de serem poucos para tanta injustiça. Essa dúvida não é nova. Já no século 16, em 1548, um escritor francês de 18 anos, Etinenne de la Boétie, publicou um pequeno livro que ainda hoje se mostra atual: Tratado da servidão voluntária. O jovem cientista político (a profissão ainda não existia e talvez por isso ele tenha acertado tanto) queria saber por que as pessoas obedeciam aos tiranos, ainda que isso significasse prejuízo claro para o servo obediente.
         A resposta de La Boétie, em vez de apontar para a violência da tirania da monarquia de seu tempo, procura as razões nas próprias pessoas: elas abrem mão da liberdade para afirmar o jugo do tirano. Obedecemos porque nos ensinaram que isso é certo. Há um esquecimento da liberdade, e isso dá ainda mais poder ao tirano. A servidão não é resultado do medo ou da opressão externa, mas se alimenta voluntariamente na transferência do poder ao outro. Dito de outro modo: somos nós que alimentamos os tiranos de poder. O outro só manda porque permitimos.
         Há uma rotina da opressão que faz com que o cidadão se orgulhem em obedecer. É a mesma operação que se percebe quando, em outro contexto, as pessoas defendem que se paguem dívidas impagáveis (como a manutenção do superávit primário, mesmo com tanta necessidade interna); que se obedeçam a regras irracionais e injustas; que se aceite com naturalidade a proliferação de áreas vip em equipamentos públicos. A lista continua: a defesa da propriedade privada, mesmo que tenha origem em crimes históricos (com a escravidão, por exemplo) e signifique afronta à justiça social; a revisão do passado recente em nome de uma anistia que atropela crimes contra a humanidade do qual fomos testemunhas; a defesa da internação compulsória de dependentes químicos em nome da assepsia social.
         La Boétie está cada vez mais atual. Era de se esperar que, numa sociedade mais livre, a servidão voluntária se inviabilizasse, pois os cidadãos teriam condições de perceber a tirania. No entanto, a mesma sociedade que entronizou a liberdade alimentou a ideologia que permite esconder  sua inspiração por trás de consensos fabricados. É exatamente por isso que o dispositivo La Boétie é importante: ele aponta novo rumo para a esquerda e para as políticas emancipatórias. Mais que denunciar a violência das estruturas, é preciso despertar a revolta do indivíduo.”

(JOÃO PAULO, que é editor de Cultura, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 15 de junho de 2013, caderno PENSAR, página 2).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição e caderno, página 3, de autoria de MAURÍCIO ANDRÉS RIBEIRO, que é autor do livros Ecologizar, Tesouros da Índia e Ecologizando a cidade e o planeta, e que merece igualmente integral transcrição:

Líquida e  INCERTA
        
         Uma mãe instrui a criança: “Meu filho, não jogue lixo no quintal, porque aí não é o rio”. Em pleno século 21, os rios ainda são usados para afastar o lixo e o esgoto e as cidades voltam as costas para eles. Enquanto existirem mães que educam seus filhos com esses valores – e certamente existem milhares delas –, estará sendo reproduzida uma atitude de agressão para com a água. Nas pequenas ou grandes cidades, o rio ainda é o lugar onde se despeja o esgoto sem tratamento. É lá que se joga o lixo que a água leva embora e que polui as captações de água de cidades que se estendem ao longo de rio; ou que, nas enchentes, entope os bueiros e bocas de lobo e provoca grandes prejuízos econômicos.
         Os cidadãos urbanos vivenciam fragmentos limitados do ciclo da água. Desconhecem o caminho que ela percorre até chegar à torneira e ignoram para onde ela vai quando desaparece no ralo. Pistas de rolamento para o tráfego de veículos cobrem vários rios, córregos, ribeirões urbanos. Avenidas sanitárias escondem e tornam invisíveis os rios das cidades. Nas enchentes, eventos críticos cada vez mais frequentes, os cidadãos urbanos têm um contato dramático com as águas, que causam prejuízos econômicos e mortes nos fundos de vales, quando os rios extravasam os caixotes em que foram confinados.
         Os cidadãos urbanos desconhecem o ciclo da água, que se condensa nas nuvens, precipita, escorre superficialmente ou se infiltra no solo. Diferentemente de povos indígenas ou agricultores ou pescadores, que têm uma noção mais integral desse ciclo, por dependerem dele para sua sobrevivência, o cidadão urbano tornou-se hidroalienado. A hidroalienação é a falta de consciência sobre como funciona o ciclo da água e a falta de conhecimento sobre como ele é alterado pela ação humana.
         Desconhecem também que a água circula dentro dos corpos dos animais e seres humanos, bem como dos vegetais, que a devolvem à atmosfera na evapotranspiração.
         Os cidadãos urbanos não têm consciência das relações entre o ciclo do carbono e o ciclo da água e o fato de que, ao interferir no ciclo do carbono e aumentar a emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera, o ser humano provoca uma resposta no ciclo da água, sensível a variações de temperatura. Tampouco têm consciência da presença da água no cosmos, da presença da água no clima, de sua sensibilidade às variações de temperatura. E muito menos ainda de seus aspectos sutis, como condutora de informação – qualidade usada na terapêutica e na homeopatia, por exemplo. De sua influência nos pensamentos e nos sentimentos, e de linhas de pesquisa e de experimentação de ponta.
         A relação com a água precisa tornar-se amigável. As cidades precisam voltar-se de frente para os rios e para a água.
         Para desenvolver uma relação harmônica do cidadão com a água, um primeiro passo é hidroalfabetizá-lo, dar-lhe o bê-a-bá da água. Hidroalfabetizar é promover a aprendizagem sobre a água, sua importância para a vida e como relacionar-se com ela de forma amigável; é proporcionar as noções básicas sobre o ciclo da água e sobre como a atividade humana o altera, no âmbito local ou global.
         Fritjof Capra criou na Califórnia um Centro para a Alfabetização Ecológica, ou seja, para entender como os ecossistemas sustentam a rede da vida, entender os princípios da ecologia, integrar conceitos por meio do pensamento ecológico, aprender no mundo real, criar comunidades de aprendizado, integrar a cultura da escola e o currículo. A partir daí podem-se conceber e implantar comunidades humanas sustentáveis.
         Progressivamente pode-se promover a consciência hídrica, as noções sobre o ciclo da água, a presença da água no ambiente, nos corpos vivos, as manifestações culturais que a envolvem, a história do seu uso.
         O grande desafio para implementar a política das águas é comportamental e cultural: transformar uma relação agressiva em uma postura amigável para com a água. Dessa questão derivam os demais desafios gerenciais, administrativos e políticos.
         A hidroalfabetização para a gestão da água inclui conhecer processos participativos e instrumentos de ação, bem como o que é feito para conservá-la e dar-lhe uso sustentável. Na educação a partir do bolso, pode-se incentivar, inclusive com estímulos econômicos, que ele se interesse pela produção da água. Por meio da cobrança pela uso da água pode-se induzir a redução dos desperdícios. É relevante conhecer os instrumentos de ação disponíveis na política ambiental e na política das águas – o licenciamento ambiental, os planos de recursos hídricos , o enquadramento de corpos d’água, a outorga, os sistemas de informação e saber como utilizá-los com perícia, de forma articulada e integrada.
         Um grande desafio é, portanto, promover a hidroconsciência dos cidadãos e da sociedade. Existem várias formas de fazê-lo, por meio da hidroalfabetização, de sinais econômicos emitidos pelo sistema de preços e da implementação da gestão participativa e descentralizada das águas.

SABEDORIA CULTURAL Em situações de carência e escassez torna-se imperiosa a conservação da água. Boas práticas muitas vezes derivam de benéficos conceitos e ideias, da aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos, bem como da sabedoria culturalmente acumulada. Empresas, organizações sociais, indivíduos, governos locais têm-se empenhado em realizar boas práticas.
         A comunicação é fundamental para a mudança cultural e para reduzir a hidroalienação. Nesse sentido, bons serviços são prestados por programas de televisão produzidos por jornalistas ecologicamente conscientes, que divulgam soluções urbanas e rurais e contribuem para disseminá-las. Na internet muitos sites divulgam boas práticas de gestão da água. Em alguns condomínios  em Brasília sujeitos à escassez hídrica, os condôminos financiam pesquisas tecnológicas  voltadas para o reuso e a conservação da água, o reaproveitamento de água de chuva, a recarga de aqüíferos, conservação do solo e da cobertura vegetal. Estímulos e reconhecimento a essas boas práticas têm sido dados pelos prêmios oferecidos àqueles que as desenvolvem.
         A hidroalfabetização é um passo para tornar o cidadão hidroconsciente e para que suas atitudes para com a água sejam de respeito e de cuidado. Também as empresas, organizações e os vários setores do governo precisam ser hidratados e tornar-se hidroconscientes.
         A hidroconsciência é a compreensão de como a água está presente no universo e no planeta, como funciona o ciclo da água, a importância das bacias hidrográficas, os impactos negativos ou positivos que as atividades humanas provocam sobre ela. É um requisito para desenvolver atitudes amigáveis no relacionamento com a água.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que e de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a confiança em nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; sistema financeiro nacional; esporte, cultura e lazer; comunicações; turismo; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa das Confederações; a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2013; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias e da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade  - e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!... 

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