segunda-feira, 8 de julho de 2013

A CIDADANIA, O SABER DAS RUAS E O PLEBISCITO DO DIA A DIA

“Como interpretar o que querem dizer as multidões nas ruas
        
         Um espírito de insurreição de massas humanas está varrendo o mundo todo, ocupando o único espaço que lhes restou: as ruas e as praças. O movimento está apenas começando. Ninguém se reporta às clássicas bandeiras do socialismo, de algum partido libertador ou revolução. Todas essas propostas ou se esgotaram, ou não oferecem o fascínio suficiente para mover as massas. Agora são temas ligados à vida concreta do cidadão: democracia participativa, trabalho para todos, direitos humanos pessoais e sociais, presença ativa das mulheres, transparência na coisa pública, rejeição a todo tipo de corrupção, um novo mundo possível e necessário. Ninguém se sente representado pelos poderes instituídos que geraram um mundo político palaciano, de costas para o povo ou manipulando diretamente os cidadãos.
         Representa um desafio para qualquer analista interpretar tal fenômeno. Não basta a razão pura; tem que ser uma razão holística, que incorpore outras formas de inteligência, dados racionais, emocionais e arquetípicos, além de emergências próprias do processo histórico e mesmo da cosmogênese. Só assim teremos um quadro mais ou menos abrangente que faça justiça à singularidade do fenômeno.
         Antes de mais nada, importa reconhecer que é o primeiro grande evento fruto de uma nova fase da comunicação humana, esta totalmente aberta, de uma democracia em grau zero que se expressa pelas redes sociais. Cada cidadão pode sair do anonimato, encontrar interlocutores, organizar grupos, formular uma bandeira e sair às ruas. De repente, formam-se redes que movimentam milhares de pessoas para além dos limites do espaço e do tempo. Esse fenômeno pode representar um salto civilizatório que definirá um rumo novo à história, não só de um país, mas de toda a humanidade. As manifestações no Brasil provocaram atos de solidariedade em dezenas de outras cidades no mundo, especialmente na Europa. De repente, o Brasil não é mais só dos brasileiros. É uma porção da humanidade que se identifica como espécie, numa mesma casa comum, ao redor de outras coletivas e universais.
         Por que tais movimentos massivos irromperam no Brasil agora? Muitas são as razões. Atenho-me apenas a uma.
         Meu sentimento do mundo me diz que, em primeiro lugar, se trata de um efeito de saturação: o povo se saturou com o tipo de política que está sendo praticada no Brasil, inclusive pela cúpula do PT (o resguardo as políticas municipais do PT, que ainda guardam o antigo fervor popular). O povo se beneficiou do Bolsa Família, do Luz para Todos, do Minha Casa, Minha Vida, do crédito consignado; ingressou na sociedade de consumo. E agora? Bem dizia o poeta cubano Ricardo Retamar: “O ser humano possui duas fontes: uma de pão, que é saciável; e outra de beleza, que é insaciável”. Como beleza se entendem educação, cultura, dignidade humana e direitos pessoais e sociais, como saúde e transporte.
         Essa segunda fome não foi atendida adequadamente pelo poder público. Os que mataram sua forme querem ver atendidas outras fomes, não em último lugar. Avulta a consciência das profundas desigualdades sociais, o grande estigma da sociedade brasileira. Esse fenômeno se torna mais e mais insondável na medida em que cresce a consciência de cidadania e de democracia real. A democracia em sociedades desiguais como a nossa é meramente formal, praticada apenas no ato de votar (que, no fundo, é o poder de escolher seu “ditador” a cada quadro anos, porque, uma vez eleito, ele dá as costas ao povo e pratica a política palaciana dos partidos). É uma farsa coletiva. Essa farsa está sendo desmascarada. As massas querem estar presentes nas decisões dos projetos que as afetam.
         Esse grito não pode deixar de ser escutado, interpretado e seguido. A política poderá ser outra daqui para a frente.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 5 de julho de 2013, caderno O.PINIÃO, página 22).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 6 de julho de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de RICARDO ARNALDO MALHEIROS FIUZA, professor convidado de teoria do Estado das Faculdades Milton Campos, membro da Academia Mineira de Letras Jurídicas, e que merece igualmente integral transcrição:

“Plebiscito todo dia
        
         Nos idos de 1984, o vice-presidente Aureliano Chaves, em resposta ao presidente João Figueiredo, disse, com sua conhecida franqueza: “Ninguém pode ignorar o clamor das ruas”. Nunca esteve tão certo o lúcido e bravo estadista mineiro. Isso aconteceu quando das manifestações em favor das Diretas Já.
         E, agora, em um movimento “internético” impressionante, o povo voltou às ruas. As marchas dos jovens, independentes, foram e estão sendo uma bela manifestação da opinião pública, assunto sempre abordado pelos teóricos do Estado.
         Como professor dessa ciência básica, cuido de ressaltar aos alunos a força da opinião pública. E cito Hermann Heller, para quem a opinião pública é “uma força governante, constituindo uma forma singular de relativização do Estado ao povo e da identificação do poder do Estado com a vontade do povo”. Com sua admirada precisão científica, o mestre alemão acrescenta: “A importância da opinião pública para a unidade estatal é tanto maior quanto mais precisa. Essa opinião pública relativamente firme e permanente tem que se diferenciar da opinião política de cada dia”.
         Para agradável surpresa, a opinião pública brasileira, que estava em letargia e desinteresse nos recentes anos, mesmo com tantos desvios, desmandos e descompassos (para ficarmos em 3D), acordou, de repente, nas jovens cabeças, e saiu às ruas, praças e viadutos, em clamor sonoro e pacífico (perturbado, infelizmente, por marginais).
         A oportuna música de Seu Jorge grita em seu refrão que “não é só pelos 20 centavos que estamos lutando”, e sim por educação, saúde, segurança, transportes, rodovias, reforma política, honestidade, ética e proficiência na administração nacional.
         Reivindicações justas e necessárias que o Congresso Nacional, como titular eleito do Poder Legislativo e até do poder constituinte derivado, pode e deve, por leis e emendas, atender e elaborar a nova normatização, nos termos da Constituição de 1988 (o que poderia e já começou a ser feito sob a pressão das vozes urbanas).
         E, no entanto, a nossa chefe do Executivo, tendo a seu lado o vice-presidente, professor de direito constitucional, propõe, primeiramente, a convocação de um Congresso Constituinte exclusivo e, logo depois, arrependendo-se de tal coisa esdrúxula, vem defender a realização intempestiva de um plebiscito para a reforma política.
         Plebiscito é coisa seríssima e não saída demagógica. Não é uma simples pesquisa de opinião. É uma consulta feita ao povo, a priori, isso é, antes que uma legislação seja elaborada pelo órgão próprio do Estado, no caso o Legislativo. Não é uma prova de múltipla escolha, contendo imensas perguntas a confundirem os eleitores, os cidadãos. Deve conter uma pergunta clara e enxuta, para uma resposta “sim” ou “não”. E a resposta será uma ordem ao governo.
         Para reforma a Constituição, o Congresso Nacional eleito (nem todo ele com acerto) já tem esse poder de revisão, que é limitado, nos termos do art. 60 de nossa Constituição federal. O máximo que se pode aceitar é um referendo, após a elaboração da reforma. E, mesmo assim, acho arriscado. O que se deve escutar agora e não ouvir (para refletir e agir) é a voz desta nação, que é a alma do povo. Na palavra inspirada do francês Renan, “a nação é o plebiscito de todos os dias”. O povo brasileiro não precisa agora e não quer um plebiscito ou mesmo um referendo. Seus temas e suas prérespostas já estão na mesa. Que o Legislativo e o Executivo, pois, trabalhem com essa pauta. E que o Judiciário, quando provocado, solucione os possíveis conflitos.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, lúcidas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção no País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, isto é, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
     
     c)     a divida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; sistema financeiro nacional; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; comunicações; esporte, cultura e lazer; turismo; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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