“Harmonia
O que passou é passado
e não há mais nada a fazer em relação a ele. É um pensamento simples, quase
óbvio, mas pouco usado na prática. Não me canso de assistir a pessoas
lamentando algo ocorrido, inertes diante do que não pode ser modificado. Um
fato pronto e acabado pode, muitas vezes, ser enfrentado com ações que
provoquem outras condições. Não adianta chorar pelo leite derramado, melhor
ordenhar outra vaca.
Não
estou tratando de episódios que estão fora de nossa possibilidade de exercer
influência. E a vida está cheia deles. Não podemos parar o rio, domar o mar,
tomar as rédeas das chuvas de São Pedro, congelar o fogo.
Chorar
em braços amigos pode ser inevitável para readquirir as forças necessárias e
prosseguir. Uma casa que desmorona pode ser reconstruída, as coisas materiais
sempre podem ser reerguidas de maneira mais consistente. De alguma forma,
enquanto a energia corporal enfraquece com o passar dos anos, é inegável que a
mente fica mais tranquila e o pensar se torna mais sereno e maduro. Tenho usado
isso ultimamente quando me vejo diante de situações que parecem irremediáveis.
Há sempre algo a fazer.
Se
somos atingidos por um raio desorganizador, vindo, por exemplo, dos poderes
políticos federais, sempre há a possibilidade de novos caminhos, de buscar
outro poder, outras luzes. Não há derrota para quem não desiste de brigar por
seus princípios.
Nem
falo do que se refere à ideologia ou a religiões. Falo de convicções testadas
no dia a dia de diálogo e de trabalho, sem obscurantismo e intolerância, mas
com o coração aberto para absorver e respeitar outros conhecimentos, outras
maneiras de ver o mundo.
Pois o
que quero, por mais utópico que seja, é a harmonia. E essa é o contrário da
gritaria. Fica cada vez mais difícil encontrar quem represente os ideais
humanos de justiça, liberdade, igualdade e fraternidade. Não enxergamos essa
virtude nos partidos, eles são só parte; nem em facções e seitas, essas são
mais minúsculas ainda.
A
solução certamente não será dançar um tango argentino nem um samba. Mas na
poesia encontramos veredas interessantes para chegar a um lugar ideal. Ou na
música, linguagem universal, presente em todos os recantos do planeta. Nem
sempre, porém, os poetas e os cancionistas correspondem, em seu estar no mundo,
ao canto que criam e declamam. E existe muita gente que não poeta nem canta e é
admirável em sua maneira de conduzir a existência. Estes estão mais perto da
harmonia do que aqueles.”
(FERNANDO
BRANT, em artigo publicado no jornal ESTADO
DE MINAS, edição de 24 de julho de 2013, caderno CULTURA, página 8).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição,
caderno OPINIÃO, página 9, de
autoria de FREI BETTO, que é
escritor, autor de O que a vida me
ensinou (Saraiva), entre outros livros, e que merece igualmente integral
transcrição:
“Buraco
no peito
Fome não se combate
apenas com prato de comida. Digerida a esmola em forma de alimento, abre-se de
novo o oco na barriga, buraco negro da cidadania. Não basta dar de comer ao
faminto. É preciso evitar que haja pessoas desprovidas dos bens essenciais à
vida, capazes de prover o próprio sustento, como preconizava o Fome Zero. Para
que o direito à cidadania não fique restrito aos discursos políticos, o combate
à fome exige, no mínimo, reforma agrária, distribuição de renda e escolarização
compulsória de todas as crianças.
O
mesmo se aplica à violência. Não é um fenômeno restrito a São Paulo e outras
cidades populosas. Nova York é mais perigosa que a Favela da Rocinha, no Rio de
Janeiro. Em Goiânia, Salvador ou Porto Alegre, os assassinatos fazem parte do
cotidiano. O grave é quando os narcotraficantes infiltram-se nas malhas da
polícia, corrompendo juízes e delegados, obtendo armas privativas das Forças
Armadas e delimitando territórios sob o seu comando. O traficante, como o
político corrupto e o empresário especulador, é filho da impunidade. Porém, é
preciso que não se cometa o erro de certo telejornalismo espúrio que já não
distingue morador da favela de traficante.Não se pode aplicar às favelas o que
recomendava o grande inquisidor: “Matemos todos, Deus saberá quem são os
inocentes e quem são os culpados”. Medida, aliás, que Barack Obama vem
aplicando com seus drones no Afeganistão.
A
violência do narcotráfico não é causa, é fruto da violência maior de uma elite
que manteve este país amordaçado ao longo de 21 anos de ditadura militar,
ceifando ideais e utopias. Esses filhos e netos nascidos durante ou logo após
os anos de chumbo não tiveram a educação para a cidadania nos grêmios escolares
e dos movimentos estudantis, das academias literárias e dos cineclubes.
Perdidos na noite, muitos buscam a luz na maconha e a onipotência na cocaína.
Se o tráfico de drogas é tão bem organizado não é por causa dos assalariados
que, quando perdem a cabeça, no máximo recorrem à cachaça. É graças ao
sofisticado mercado de consumo que paga bem pela droga. E, na falta de
dinheiro, apela para o crack.
Na
espiral da violência, o garoto “avião” que conduz a droga, a “mula” que cobre
os pontos de venda, o traficante que dirige e não mora em favela – tem casa com
piscina e carro do ano – são o resultado da política equivocada do governo em
relação aos direitos sociais. Não basta assegurar renda, encher o bolso, é
preciso sobretudo encher a cabeça, dar acesso à cultura, de modo a que haja
protagonismo empreendedor. Tivesse a maioria do povo brasileiro terra para
plantar, melhores salários e educação escolar de alta qualidade, não haveria
favelas nem favelados. Contasse a nossa juventude com áreas de lazer, de
esportes e de criatividade artística e cultural, não teríamos tantos
mortos-vivos destruídos pelo crack e outras drogas.
“E se
a TV decidisse fazer o bem?”, indagou um dia o jornalista Ricardo Gontijo. O
que se pode esperar de crianças e jovens que passam horas diante das caixinhas
de mágicas eletrônicas, embotados pelo entretenimento consumista, pela
publicidade hedonista, encharcados de filmes, sites e programas que nada
adicionam à formação de sua subjetividade e ao aprimoramento de sua cultura?
Impelidos pelo desgoverno de si, na falta de quem lhes indique o caminho do
absoluto, eles buscam o do absurdo, sustentando o narcotráfico. Quem são os
ídolos dos jovens de hoje? Gente altruísta como Jesus, Gandhi, Luther King,
Mandela e Che Guevara? Quais os valores mais perseguidos, hoje em dia, pela
mocidade? Riqueza, beleza, fama e poder. Ora, quanto mais ambição, maior o
tombo. E o rombo no coração. O buraco no peito precisa ser compensatoriamente
preenchido de alguma forma.
A
sociedade se laicizou. Eis uma conquista da modernidade. O ser humano, no
entanto, é sempre o mesmo, desde que foi expulso do Paraíso por ter se
equivocado e querer ser Deus, quando sua vocação é ter Deus. Impregnar-se do absoluto. Saciar-se no Poço de Jacó (Evangelho de João, cap. 4). Acho no
mínimo estranho quando em cerimônias litúrgicas, observo crianças e jovens
acompanhados de pais e avós cristãos, que não sabem sequer rezar a Ave Maria e o Pai Nosso. O que esperar de uma geração desprovida de
espiritualidade?”.
Eis, pois, mais páginas contendo importantes,
adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem tréguas,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o
nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e
de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas
instituições, negligenciando a justiça, a
verdade, a honestidade e o amor à
pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas
e sempre crescentes necessidades de ampliação
e modernização de setores como: a gestão
pública; a infraestrutura (rodovias,
ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde;
saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos
tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte,
acessibilidade); minas e energia;
emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência
social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança
pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e
desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; sistema financeiro nacional;
esporte, cultura e lazer; comunicações; turismo; qualidade (planejamento –
estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade,
economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
permita a partilha de sua extraordinárias riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de
Janeiro; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os
projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização,
da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...
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