“Internet
e mobilização
Quem quiser entender o
poder de fogo do ciberativismo que tomou conta do país, levando milhares de
pessoas a participar de passeatas e manifestações, empunhando em uma mão
cartazes de confecção caseira e na outra sofisticados celulares, precisa, antes
de tudo, entender o ambiente em que ele foi gestado.
Vamos
aos números: o Brasil já ocupa a terceira posição em quantidade de usuários
ativos na internet (53,9 milhões), atrás apenas dos EUA e do Japão. Mais de
metade da população tem computador em casa e 94,2 milhões de brasileiros têm
acesso à internet. Em nosso país, um celular é ativado a cada segundo – temos
264 milhões deles, sendo 65 milhões de smartphones e 58,9 milhões de conexões
3G. Não é de admirar que, com tamanho alcance, a internet seja parte
fundamental do fenômeno que hoje toma as ruas do país.
Num
primeiro momento, as manifestações pela queda das tarifas do transporte público
em São Paulo foram mobilizadas quase integralmente pela internet. A partir do
dia 13, em virtude dos excessos cometidos pela polícia paulista, o tema ganhou
maior destaque na imprensa tradicional, passando a monopolizar o tempo dos
telejornais na TV aberta.
Nesse
momento, a internet deixou de ser protagonista da produção de conteúdo, mas se
manteve fundamental na repercussão e amplificação do que era veiculado na
grande imprensa. Estabeleceu com as mídias convencionais uma relação de
retroalimentação que ajudou a definir e pautar o movimento – principalmente
quando o fenômeno saiu de São Paulo para ganhar novas praças e, com elas,
bandeiras que ultrapassaram a questão inicial, do transporte público.
Diferentemente
do que acontecia nas manifestações de duas décadas atrás, no entanto, o
discurso pasteurizado da grande imprensa é, agora, contestado por imagens
captadas pelos próprios manifestantes. Veiculado livremente no ambiente
democrático da internet, esse material oferece um ponto de vista único e
pessoal dos acontecimentos. Permite o debate, a troca de experiências e o
compartilhamento instantâneos – e, assim, mantém o movimento vivo,
impulsionando a adesão de forma exponencial. Tudo se propaga rapidamente e é
fácil entender por quê: 97% dos brasileiros usuários de internet estão nas
redes sociais, nas quais passam cerca de cinco horas por dia.
É
desse atrito entre as informações da grande imprensa e o contudo gerado por indivíduos
independentes, que se constroem os conceitos com os quais estamos, agora, nos
defrontando. E que são caóticos neste primeiro momento, dificultando o
entendimento, porque caótica é a rede – e é preciso, antes de tudo, dominar a
arte do monitoramento e da gestão para extrair do caos o que é ou não
importante.
Mas se
é verdade que dialoga com as mídias tradicionais na produção de conteúdo, a
internet reina absoluta na organização das passeatas. Notadamente, páginas e
grupos do Facebook são utilizados para pautar e agendar as manifestações. O
Twitter, por sua vez, tem sido a ferramenta de mobilização e difusão de
palavras de ordem. No momento mesmo em que escrevia este artigo, chegam
notícias de que os manifestantes reunidos em frente ao Congresso Nacional
estavam organizando seus deslocamentos táticos a partir de mensagens trocadas
via SMS e What’sApp.
Para
entender por que as redes sociais são
fundamentais para toda essa articulação é preciso considerar que a rede
reorganizou os hábitos de socialização – e as comunidades virtuais são o melhor
exemplo disso. A mudança de paradigmas promovida pela internet acabou por trair
os conceitos de comunidades tradicionais. Antes fortemente baseadas na
interação física na proximidade geográfica, as novas comunidades se estruturam
agora sobre um único aspecto: o interesse em comum de seus membros.
Quando
o interesse comum que sustenta esses novos grupos encontra um ambiente
propício, essas relações podem migrar do mundo virtual para o real. E o fazem
com a força de um fenômeno que desconhece fronteiras – sejam elas territoriais
ou culturais.
O que
se vê no Brasil, hoje, certamente tem causas mais profundas, que exigirão, nos
próximos dias, análises históricas e socioculturais que nos ajudem a entender
como chegamos a esta conjuntura. Mas já não há dúvidas a respeito do ambiente,
democrático e plural, no qual foram gestadas as mudanças que estão por vir.”
(LUIZ ALBERTO
FERLA. CEO da Knowtec, Talk, TechFront, KeepingUp e DDBR, em artigo
publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição
de 2 de julho de 201, caderno OPINIÃO, página
9).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 5
de julho de 2013, caderno OPINIÃO, página
9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, que é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece
igualmente integral transcrição:
“Cidadania
e instituição
As manifestações populares
que estão sendo realizadas no Brasil podem ser também interpretadas como reação
a uma crise que, ao longo dos anos, cresceu em nossa sociedade, atingindo
instituições sociais e políticas do país. Diante dessa realidade, que exige uma
resposta de todos, diversos peritos, analistas e demais cidadãos refletem a
crise da República, ajudando a construir uma nova cultura, e manifestam
abertamente o anseio, que por algum tempo permaneceu meio escondido, de se
alcançar uma sociedade com funcionamentos mais justos e solidários.
A
compreensão do fenômeno que se expandiu pelas cidades do país merece ainda
muitos aprofundamentos, mas é possível afirmar que as manifestações quebraram
mordaças de todo tipo, fazendo ouvir a voz das ruas. Nesse sentido, o fenômeno
contribuiu para pressionar aqueles que, no exercício de suas responsabilidades,
grandes ou pequenas, ferem a cidadania. Exige-se uma readequação dos
funcionamentos de instituições, de modo especial nas instâncias governamentais,
que deveriam servir prioritariamente ao povo e não a um tratamento cartorial a
partir do interesse de oligarquias.
Tratar
essa chaga que atormenta o Brasil é investir na direção de uma cultura
contrária ao exercício do poder coronelista, ainda existente neste milênio, de
maneira explícita ou disfarçada em discursos e favores, muitas vezes
distribuídos a partir da ação daqueles
que foram eleitos para representar a coletividade. A dinâmica das
manifestações populares é um sinal evidente e exigente de que é necessário
mudar a forma de se fazer política. Obviamente, não se trata de pensar uma
política sem partidos, que têm a função de incrementar o diálogo indispensável
no funcionamento da sociedade. Busca-se, na verdade, um novo contexto, em que
partidos e políticos contracenem mais com o povo, segundo novas dinâmicas de
funcionamentos institucionais, capazes de viabilizar a participação
inegociável, representatividade à altura e constante alimentação de uma cultura
cidadã.
Nesse
caminho, será possível respeitar direitos e combater a corrupção, encontrar um
modelo de se fazer política voltado para o bem comum. Diante de todos, está a
exigência de se revisar, profundamente, as instituições políticas e o modo como
nossos representantes exercem seus mandatos. O povo tem que ser a instância
maior de poder. O compromisso com o seu bem comum será sempre remédio para
mudar a cultura excludente e injusta com a qual a sociedade brasileira funciona
escrevendo uma história que pode e precisa ser diferente. Urge uma inteligência
que articule, institucionalmente e nas ações de todos, particularmente dos que
exercem poderes republicanos, mecanismos legais existentes para que um processo
amplo, profundo e incidente permita o desenho desse novo tempo e dessa nova
cultura.
O povo
nas ruas sinaliza a necessidade imediata de respostas, mas, ao mesmo tempo, não
se pode correr o risco de tratar as grandes dimensões e implicações dessa crise
a toque de caixa, como se o assunto fosse simples, ou fazer aquilo que já se
fez e se faz muito: utilizar um simples “remendo” para dar uma resposta com a pretensão
equivocada de acalmar as pessoas. Também, evidentemente, deve-se descartar a
hipótese de provocar mudanças que promovam efeitos positivos apenas para
partidos políticos, interesses pessoais ou mesmo de pequenos grupos
hegemônicos. Essa possibilidade, se não for descartada, certamente produzirá,
como se pode deduzir a partir da observação dos últimos acontecimentos, uma
grande convulsão social marcada pela mistura, como já se viu, do anseio do
cidadão justo e civilizado com os lamentáveis atos de vandalismos e violências.
Nesse
sentido, a reforma política, importante item da pauta cidadã, não pode ser
entendida como simples calmante para as reações populares, com o atropelamento
de instituições e com procedimentos que a tratem como se fosse apenas a
resposta plebiscitária de uma, duas ou três questões. Ela é complexa e deve ser
tratada adequadamente para que o Brasil em crise consiga abrir um novo ciclo
político e social. É importante destacar que, para viver essa almejada nova
etapa, não basta apenas mudar dinâmicas e procedimentos nos funcionamentos
governamentais. O povo precisa participar e ter a oportunidade de refletir,
dialogar, assimilar e opinar nesse processo.
Cada
instituição, na sua competência própria e por sua dinâmica peculiar, precisa
ajudar nessa configuração de uma nova cidadania como marco civilizatório para a
sociedade brasileira. A CNBB continua sua importante colaboração, com outras
instituições sérias, para que se efetive uma verdadeira reforma política no
país. A Igreja Católica, com sua capilaridade, nas suas comunidades e
instituições, coloca-se a serviço desse diálogo e da formação de uma nova
cidadania. A participação de todos é fundamental nesse processo, oportunidade
singular para construir um novo Brasil.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres,
civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados,
ou seja, próximos de zero; II – a corrupção,
como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando
incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas
modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente
irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; saneamento ambiental (água
tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana,
logística reversa); meio ambiente;
habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda;
agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social;
segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia
federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; sistema financeiro
nacional; esporte, cultura e lazer; comunicações; turismo; qualidade (planejamento
– estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade,
economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades
e potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de
Janeiro; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os
projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização,
da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...