“Ética
na
POLÍTICA
O momento atual é dos
mais propícios para se falar de ética na política. Convivi durante muitos anos
com esta questão, em conversas, reflexões, discussões e atitudes, na companhia
de Célio de Castro, ex-prefeito de Belo Horizonte e meu mestre na matéria.
Através de sua sensibilidade e coerência, muito aprendi com ele, com sua
incrível disposição de participar da política, sempre resguardando a ética.
Graças a nossos diálogos, construí minha visão pessoal sobre as relações entre
ambas.
Hoje,
a palavra “política” tem conotações bastante negativas. Costumamos relacioná-la
a episódios recorrentes em nosso País, ligados à corrupção e à falta de senso
moral de alguns políticos. Quando analisamos o desenvolvimento do estado,
principalmente nos últimos 50 anos, observa-se como se desenrolou sua proteção
social. Ela se deu num contexto de esforço mundial de reconstrução econômica do
pós-guerra nos países destruídos, especialmente o Japão. Nos anos 50 do século
XX, criou-se a necessidade premente de conhecimentos e tecnologia que pudessem
dar conta não só dessa reconstrução, mas de um novo patamar de desenvolvimento.
“Desenvolvimento”
tornou-se uma palavra emblemática nos anos posteriores, marcados pela
emergência de uma nova espécie de idolatria da razão. Nesse contexto, a
humanidade se sentiu perplexa diante dos feitos da ciência e da tecnologia, que
conseguiam equacionar satisfatoriamente a economia dos países envolvidos na reconstrução.
Os esforços racionais do homem sobre a natureza e sobre si mesmo, no que se
refere ao desenvolvimento da capacidade de controle do mundo, levaram ao
endeusamento da razão. Tais esforços foram excepcionalmente bem sucedidos. Não
existia mais a capacidade metafísica dos gregos para a transcendência do
sentido da vida, na procura do bom, do belo e do verdadeiro. Não mais se
valorizava a transcendência renascentista da arte. Já não se dava o mesmo valor
ao ser humano capaz de transcender infinitamente a própria racionalidade.
No
Brasil, o desenvolvimento da cultura e da ética ocorre no Estado Novo,
tutelador e paterno. Sua marca foi a resposta dada à necessidade de
distribuição da enorme capacidade de produção de riqueza, através da expansão
de sindicatos, ainda que corporativos. Em inúmeros movimentos sociais surgem
indagações sobre as causas e a finalidade do desenvolvimento econômico sem a
distribuição da riqueza. Surge, também, o chamado comunismo legalizado, e,
depois a Glasnost, a queda do Muro de Berlim. Agenciam-se as palavras de
Gandhi: “Façamos em nós a mudança que queremos que os outros façam neles.”
Incrementa-se a orientalização filosófica do Ocidente, no geral caricaturada e
capenga.
Tudo
isso revela uma necessidade de se encontrar sentido para a vida, muito além do
consumo e do prazer, da mediocridade da vida social e familiar que olha apenas
para o próprio umbigo. O emblema da ética na cultura é a luz do fim do túnel
para o ceticismo, o niilismo e a depressão – trilogia que o ex-prefeito
observou por tantos anos em seus pacientes, combatendo-a com crença e otimismo.
Quantos
de nós podemos dizer que acreditamos em ética na política? Poucos seriam os
braços levantados. Eu mesma, se não tivesse sido intensamente influenciada pela
crença de Célio, teria hesitado em levantar meu braço. Ou, no mínimo,
levantaria o braço direito e taparia o nariz com a mão esquerda. Em 1992, ante
o movimento dos caras-pintadas, sugeriu-se que a ética deveria ser introduzida
não só na política como também na economia: “A bandeira da ética e da dignidade
levantada nas ruas não termina no combate à corrupção. Essa ética passa por
pão, casa, trabalho, educação, saúde e segurança para todos os brasileiros.”
Assim,
ser um grande ícone da ética é acreditar no ser humano, na sociedade civil
organizada ou não, pois na política se pode encontrar a expressão de nossa
responsabilidade social. A crença do nosso ícone na política e nos políticos
nasce de uma profunda crença em si mesmo, na sua natureza, que transcende a
razão e a experiência. A metáfora dessa natureza corresponde a uma pequenina e
ofuscante luz, surgida muito mais muito mais do que além do tempo em que
aconteceu o Big Bang, há 150 milhões de anos.
A
pequenez desta luz, tão distante no tempo, nos fala das milhares de mudanças
que foram necessárias para que ocorresse o surgimento do planeta, do ser humano
e dos fantásticos acontecimentos dos últimos 50 anos. Esses acontecimentos, na
verdade, tornam-se insignificantes quando colocados numa linha do tempo tão extensa.
É na consideração desta aparentemente inexpressiva história da humanidade e
suas conquistas que nasce a perplexidade que possibilita a crença nas
transformações ainda passíveis de serem construídas pelo homem. Principalmente,
se levada em conta a unidade de grandeza dessa linha do tempo em direção ao
futuro. É refletindo na relatividade do tempo humano que o nosso mestre
fundamenta a crença em si mesmo, no ser humano e, por conseqüência, na ética e
na política.”
(ISABEL DE
OLIVEIRA HORTA, é médica homeopata, presidente da ONG Instituto Ethica –
Desenvolvimento de Projetos e Pesquisas, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 17 de julho
de 2004, caderno PENSAR, página
principal).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
30 de novembro de 2007, caderno OPINIÃO,
página 15, de autoria de DOM WALMOR
OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que
merece igualmente integral transcrição:
“Uma
esperança fidedigna
O Santo Padre, o papa
Bento XVI, mais uma vez, se dirige aos membros da Igreja Católica e a todos os
homens e mulheres na sociedade contemporânea, de modo brilhante e monumental,
brindando a todos com uma nova carta encíclica SPE Salvi, sobre a esperança cristã. O brilhantismo desta carta
encíclica não é referência a um enfeite para encher os olhos com a força de uma
imagem, impressionando, como sempre acontece, com muitas coisas, nos andamentos
da sociedade atual. A carta encíclica é brilhante e monumental porque Bento XVI
oferece elementos essenciais e indispensáveis para uma profunda radiografia do
que está se passando em torno da esperança e da fé. Um procedimento
radiográfico que traz uma insubstituível resposta para as questões existenciais
mais candentes nos inícios deste terceiro milênio.
Na
verdade, a reflexão incita e proporciona autocrítica da idade moderna bem como
do cristianismo, na vivência de sua fé. Uma autocrítica da idade moderna em
diálogo com o cristianismo. Os cristãos são chamados a rever sua esperança, sua
oferta ao mundo. Basta pensar que há um entendimento a respeito de progresso
que está comprometendo valores e deteriorando de modo irreversível a
compreensão e a vivência da vida. Basta pensar. O papa aborda, de maneira
profunda e questionadora, o comprometimento da consciência ética e a erosão na
capacidade e na propriedade da decisão moral. Na verdade, essa carta encíclica,
publicada hoje, na festa do apóstolo Santo André, enfrenta a questão gravíssima
do déficit de fé que se abate sobre a humanidade, corroendo culturas e
esterilizando estruturas institucionais, mesmo aquelas eclesiais e
eclesiásticas. Um déficit de fé que produz uma linguagem equivocada a respeito
de muitos temas e de muitas questões fundamentais.
Está
ocorrendo um grande desvio de direção a partir de entendimentos que estão sendo
produzidos e articulados em linguagens que abrem mão ou mesmo desconhecem
questões fundamentais e básicas para modelar adequadamente a própria
existência. Esse déficit de fé tem sido terrível. Ele é a causa do desgoverno
nos rumos da sociedade e na incapacidade ética de correções de condutas e de
posturas comunitárias e sociais. Bem assim, é um veneno que vai tornando
estéril a vivência da riqueza da fé cristã, lançando muitos nas valas do
desânimo, da amargura, da reclamação e da desesperança. A inteligência do
intelectual brilhante e a lucidez do pastor põem o papa em cena, descortinando
um horizonte que precisa ser olhado e afrontado para abrir caminhos novos para
a Igreja e para a humanidade.
É
indispensável e insubstituível, portanto, como possibilidade de um novo passo,
abordar, compreender e vivenciar a esperança. Sem uma esperança fidedigna não é
possível enfrentar o caminho que é difícil e custoso. Ao abordar a esperança,
pela qual se é salvo, como proclama o apóstolo Paulo em Romanos 8,24, toca o núcleo da compreensão e da vivência da fé.
Ora, afirma o Santo Padre, a fé é esperança. A plenitude da fé é imutável
profissão da esperança (Hb 10,22-33). Quando o apóstolo Pedro (I Pdr 3,15) fala
do cristão como aquele capaz de dar a razão de sua esperança, fala da sua fé
vivida e testemunhada. Assim, essa esperança tem uma referência fundamental e
insubstituível. É Deus. É uma pessoa que é verdade e amor. A experiência do
encontro com Ele é fonte da esperança fidedigna. Assim, um mundo sem Deus é um
mundo sem esperança. É um mundo que põe sua esperança meramente no progresso ou
nas leis da matéria como governo único do planeta. Ora, sem Deus, o mundo é
obscuro, tenebroso. Diz bem o que isto significa, relembra o Santo Padre, o
dito de um epitáfio antigo: “No nada, do nada, tão cedo recaímos”.
O
cristão tem um futuro. Por isso, a mensagem cristã é performativa, e não
simplesmente informativa. Quem tem esperança vive de modo diferente. O papa
recorda, entretanto, o exemplo de Santa Josefina Bahkita, sudanesa, nascida em
1869, canonizada em 1998 pelo então papa João Paulo II. Sua vida de escrava foi
terrível. Conheceu patrões que a exploravam. Seu corpo estava marcado de
dezenas de cicatrizes. Sua vida não tinha horizontes. Conheceu Jesus Cristo.
Seu patrão supremo levou-a a encontrar a verdadeira liberdade, razão para a
vida, alimentada pela esperança vivida na fé. Essa esperança vivida na fé
realiza grandes mudanças, interferindo e qualificando culturas com valores
pouco nobres. O cristianismo não trouxe mensagem sócio-revolucionária. Trouxe o
mais importante, com força de mudanças radicais e com propriedades para capacitações
singulares, ao propor o encontro com uma pessoa, transformando a vida por
dentro. O Santo Padre indica o caminho para se compreender a verdadeira
fisionomia da esperança cristã, sedimentada no amor que redime, de verdade.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e
oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança
de nossa história – que é de ética, de
moral, de princípios, de valores –, para
a imperiosa e urgente necessidade de profundas
mudanças em nossas estruturas educacionais,
governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas,
financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no
concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e
sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras
cruciais como:
a)
a educação
– universal e de qualidade –, desde a educação
infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em
pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas
crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –,
até a pós-graduação (especialização,
mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República
proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução
educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do
país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da
justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da
sustentabilidade...);
b)
o combate
implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e
mais devastadores inimigos que são: I – a inflação,
a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se
em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco
Central, a taxa de juros do cartão de crédito atingiu em agosto a
estratosférica marca de 395,3% ao ano... e mais, em julho, o IPCA acumulado nos
últimos doze meses chegou a 9,56%...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade –
“dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se
espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos
e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a lúcida observação do
procurador chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol: “A
Lava Jato ela trata hoje de um tumor, de um caso específico de corrupção, mas o
problema é que o sistema é cancerígeno...” – e que vem mostrando também o seu
caráter transnacional; eis, portanto,
que todos os valores que vão sendo apresentados aos borbotões, são apenas
simbólicos, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de
suborno, propina, fraudes, desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do
nosso patrimônio... Então, a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas
modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente
irreparáveis (por exemplo, segundo Lucas Massari, no artigo ‘O Desperdício na
Logística Brasileira’, a “... Desconfiança das
empresas e das famílias é grande. Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, é
desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de
problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos,
quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas
de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à
corrupção e à falta de planejamento...”;
c)
a dívida
pública brasileira - (interna e externa; federal, estadual, distrital e
municipal) –, com projeção para 2015, apenas segundo a proposta do
Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros,
encargos, amortização e refinanciamentos (ao menos com esta rubrica, previsão
de R$ 868 bilhões), a exigir alguns
fundamentos da sabedoria grega:
-
pagar,
sim, até o último centavo;
-
rigorosamente, não pagar com o pão do povo;
-
realizar uma IMEDIATA, abrangente,
qualificada, independente e eficaz auditoria...
(ver também www.auditoriacidada.org.br)
(e
ainda a propósito, no artigo Melancolia,
Vinicius Torres Freire, diz: “... Não será possível conter a presente
degradação econômica sem pelo menos, mínimo do mínimo, controle da ruína das
contas do governo: o aumento sem limite da dívida pública...”);
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta
de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já
combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de
poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições,
negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à
pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas
e sempre crescentes necessidades de ampliação
e modernização de setores como: a gestão
pública; a infraestrutura (rodovias,
ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada,
esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística
reversa); meio ambiente; habitação;
mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda;
agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência
social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança
pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e
desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer;
turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e
operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade
– “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade,
competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira
alguma, abatem o nosso ânimo e nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários
previstos e que contemplam eventos como a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas
tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a
nossa esperança... e perseverança!
“VI,
OUVI E VIVI: O BRASIL TEM JEITO!”