sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A CIDADANIA, OS DESAFIOS DA ÉTICA NA POLÍTICA E A LUZ DA ESPERANÇA

“Ética na
POLÍTICA
        
         O momento atual é dos mais propícios para se falar de ética na política. Convivi durante muitos anos com esta questão, em conversas, reflexões, discussões e atitudes, na companhia de Célio de Castro, ex-prefeito de Belo Horizonte e meu mestre na matéria. Através de sua sensibilidade e coerência, muito aprendi com ele, com sua incrível disposição de participar da política, sempre resguardando a ética. Graças a nossos diálogos, construí minha visão pessoal sobre as relações entre ambas.
         Hoje, a palavra “política” tem conotações bastante negativas. Costumamos relacioná-la a episódios recorrentes em nosso País, ligados à corrupção e à falta de senso moral de alguns políticos. Quando analisamos o desenvolvimento do estado, principalmente nos últimos 50 anos, observa-se como se desenrolou sua proteção social. Ela se deu num contexto de esforço mundial de reconstrução econômica do pós-guerra nos países destruídos, especialmente o Japão. Nos anos 50 do século XX, criou-se a necessidade premente de conhecimentos e tecnologia que pudessem dar conta não só dessa reconstrução, mas de um novo patamar de desenvolvimento.
         “Desenvolvimento” tornou-se uma palavra emblemática nos anos posteriores, marcados pela emergência de uma nova espécie de idolatria da razão. Nesse contexto, a humanidade se sentiu perplexa diante dos feitos da ciência e da tecnologia, que conseguiam equacionar satisfatoriamente a economia dos países envolvidos na reconstrução. Os esforços racionais do homem sobre a natureza e sobre si mesmo, no que se refere ao desenvolvimento da capacidade de controle do mundo, levaram ao endeusamento da razão. Tais esforços foram excepcionalmente bem sucedidos. Não existia mais a capacidade metafísica dos gregos para a transcendência do sentido da vida, na procura do bom, do belo e do verdadeiro. Não mais se valorizava a transcendência renascentista da arte. Já não se dava o mesmo valor ao ser humano capaz de transcender infinitamente a própria racionalidade.
         No Brasil, o desenvolvimento da cultura e da ética ocorre no Estado Novo, tutelador e paterno. Sua marca foi a resposta dada à necessidade de distribuição da enorme capacidade de produção de riqueza, através da expansão de sindicatos, ainda que corporativos. Em inúmeros movimentos sociais surgem indagações sobre as causas e a finalidade do desenvolvimento econômico sem a distribuição da riqueza. Surge, também, o chamado comunismo legalizado, e, depois a Glasnost, a queda do Muro de Berlim. Agenciam-se as palavras de Gandhi: “Façamos em nós a mudança que queremos que os outros façam neles.” Incrementa-se a orientalização filosófica do Ocidente, no geral caricaturada e capenga.
         Tudo isso revela uma necessidade de se encontrar sentido para a vida, muito além do consumo e do prazer, da mediocridade da vida social e familiar que olha apenas para o próprio umbigo. O emblema da ética na cultura é a luz do fim do túnel para o ceticismo, o niilismo e a depressão – trilogia que o ex-prefeito observou por tantos anos em seus pacientes, combatendo-a com crença e otimismo.
         Quantos de nós podemos dizer que acreditamos em ética na política? Poucos seriam os braços levantados. Eu mesma, se não tivesse sido intensamente influenciada pela crença de Célio, teria hesitado em levantar meu braço. Ou, no mínimo, levantaria o braço direito e taparia o nariz com a mão esquerda. Em 1992, ante o movimento dos caras-pintadas, sugeriu-se que a ética deveria ser introduzida não só na política como também na economia: “A bandeira da ética e da dignidade levantada nas ruas não termina no combate à corrupção. Essa ética passa por pão, casa, trabalho, educação, saúde e segurança para todos os brasileiros.”
         Assim, ser um grande ícone da ética é acreditar no ser humano, na sociedade civil organizada ou não, pois na política se pode encontrar a expressão de nossa responsabilidade social. A crença do nosso ícone na política e nos políticos nasce de uma profunda crença em si mesmo, na sua natureza, que transcende a razão e a experiência. A metáfora dessa natureza corresponde a uma pequenina e ofuscante luz, surgida muito mais muito mais do que além do tempo em que aconteceu o Big Bang, há 150 milhões de anos.
         A pequenez desta luz, tão distante no tempo, nos fala das milhares de mudanças que foram necessárias para que ocorresse o surgimento do planeta, do ser humano e dos fantásticos acontecimentos dos últimos 50 anos. Esses acontecimentos, na verdade, tornam-se insignificantes quando colocados numa linha do tempo tão extensa. É na consideração desta aparentemente inexpressiva história da humanidade e suas conquistas que nasce a perplexidade que possibilita a crença nas transformações ainda passíveis de serem construídas pelo homem. Principalmente, se levada em conta a unidade de grandeza dessa linha do tempo em direção ao futuro. É refletindo na relatividade do tempo humano que o nosso mestre fundamenta a crença em si mesmo, no ser humano e, por conseqüência, na ética e na política.”

(ISABEL DE OLIVEIRA HORTA, é médica homeopata, presidente da ONG Instituto Ethica – Desenvolvimento de Projetos e Pesquisas, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 17 de julho de 2004, caderno PENSAR, página principal).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 30 de novembro de 2007, caderno OPINIÃO, página 15, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Uma esperança fidedigna
        O Santo Padre, o papa Bento XVI, mais uma vez, se dirige aos membros da Igreja Católica e a todos os homens e mulheres na sociedade contemporânea, de modo brilhante e monumental, brindando a todos com uma nova carta encíclica SPE Salvi, sobre a esperança cristã. O brilhantismo desta carta encíclica não é referência a um enfeite para encher os olhos com a força de uma imagem, impressionando, como sempre acontece, com muitas coisas, nos andamentos da sociedade atual. A carta encíclica é brilhante e monumental porque Bento XVI oferece elementos essenciais e indispensáveis para uma profunda radiografia do que está se passando em torno da esperança e da fé. Um procedimento radiográfico que traz uma insubstituível resposta para as questões existenciais mais candentes nos inícios deste terceiro milênio.
         Na verdade, a reflexão incita e proporciona autocrítica da idade moderna bem como do cristianismo, na vivência de sua fé. Uma autocrítica da idade moderna em diálogo com o cristianismo. Os cristãos são chamados a rever sua esperança, sua oferta ao mundo. Basta pensar que há um entendimento a respeito de progresso que está comprometendo valores e deteriorando de modo irreversível a compreensão e a vivência da vida. Basta pensar. O papa aborda, de maneira profunda e questionadora, o comprometimento da consciência ética e a erosão na capacidade e na propriedade da decisão moral. Na verdade, essa carta encíclica, publicada hoje, na festa do apóstolo Santo André, enfrenta a questão gravíssima do déficit de fé que se abate sobre a humanidade, corroendo culturas e esterilizando estruturas institucionais, mesmo aquelas eclesiais e eclesiásticas. Um déficit de fé que produz uma linguagem equivocada a respeito de muitos temas e de muitas questões fundamentais.
         Está ocorrendo um grande desvio de direção a partir de entendimentos que estão sendo produzidos e articulados em linguagens que abrem mão ou mesmo desconhecem questões fundamentais e básicas para modelar adequadamente a própria existência. Esse déficit de fé tem sido terrível. Ele é a causa do desgoverno nos rumos da sociedade e na incapacidade ética de correções de condutas e de posturas comunitárias e sociais. Bem assim, é um veneno que vai tornando estéril a vivência da riqueza da fé cristã, lançando muitos nas valas do desânimo, da amargura, da reclamação e da desesperança. A inteligência do intelectual brilhante e a lucidez do pastor põem o papa em cena, descortinando um horizonte que precisa ser olhado e afrontado para abrir caminhos novos para a Igreja e para a humanidade.
         É indispensável e insubstituível, portanto, como possibilidade de um novo passo, abordar, compreender e vivenciar a esperança. Sem uma esperança fidedigna não é possível enfrentar o caminho que é difícil e custoso. Ao abordar a esperança, pela qual se é salvo, como proclama o apóstolo Paulo em Romanos 8,24, toca o núcleo da compreensão e da vivência da fé. Ora, afirma o Santo Padre, a fé é esperança. A plenitude da fé é imutável profissão da esperança (Hb 10,22-33). Quando o apóstolo Pedro (I Pdr 3,15) fala do cristão como aquele capaz de dar a razão de sua esperança, fala da sua fé vivida e testemunhada. Assim, essa esperança tem uma referência fundamental e insubstituível. É Deus. É uma pessoa que é verdade e amor. A experiência do encontro com Ele é fonte da esperança fidedigna. Assim, um mundo sem Deus é um mundo sem esperança. É um mundo que põe sua esperança meramente no progresso ou nas leis da matéria como governo único do planeta. Ora, sem Deus, o mundo é obscuro, tenebroso. Diz bem o que isto significa, relembra o Santo Padre, o dito de um epitáfio antigo: “No nada, do nada, tão cedo recaímos”.
         O cristão tem um futuro. Por isso, a mensagem cristã é performativa, e não simplesmente informativa. Quem tem esperança vive de modo diferente. O papa recorda, entretanto, o exemplo de Santa Josefina Bahkita, sudanesa, nascida em 1869, canonizada em 1998 pelo então papa João Paulo II. Sua vida de escrava foi terrível. Conheceu patrões que a exploravam. Seu corpo estava marcado de dezenas de cicatrizes. Sua vida não tinha horizontes. Conheceu Jesus Cristo. Seu patrão supremo levou-a a encontrar a verdadeira liberdade, razão para a vida, alimentada pela esperança vivida na fé. Essa esperança vivida na fé realiza grandes mudanças, interferindo e qualificando culturas com valores pouco nobres. O cristianismo não trouxe mensagem sócio-revolucionária. Trouxe o mais importante, com força de mudanças radicais e com propriedades para capacitações singulares, ao propor o encontro com uma pessoa, transformando a vida por dentro. O Santo Padre indica o caminho para se compreender a verdadeira fisionomia da esperança cristã, sedimentada no amor que redime, de verdade.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da sustentabilidade...);

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco Central, a taxa de juros do cartão de crédito atingiu em agosto a estratosférica marca de 395,3% ao ano... e mais, em julho, o IPCA acumulado nos últimos doze meses chegou a 9,56%...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a lúcida observação do procurador chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol: “A Lava Jato ela trata hoje de um tumor, de um caso específico de corrupção, mas o problema é que o sistema é cancerígeno...” – e que vem mostrando também o seu caráter transnacional;  eis, portanto, que todos os valores que vão sendo apresentados aos borbotões, são apenas simbólicos, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes, desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então, a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, segundo Lucas Massari, no artigo ‘O Desperdício na Logística Brasileira’, a “... Desconfiança das empresas e das famílias é grande. Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, é desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à corrupção e à falta de planejamento...”;

     c)     a dívida pública brasileira - (interna e externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para 2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (ao menos com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir alguns fundamentos da sabedoria grega:
- pagar, sim, até o último centavo;
- rigorosamente, não pagar com o pão do povo;
- realizar uma IMEDIATA, abrangente, qualificada, independente e eficaz auditoria... (ver também www.auditoriacidada.org.br)
(e ainda a propósito, no artigo Melancolia, Vinicius Torres Freire, diz: “... Não será possível conter a presente degradação econômica sem pelo menos, mínimo do mínimo, controle da ruína das contas do governo: o aumento sem limite da dívida pública...”);

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a   Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

“VI, OUVI E VIVI: O BRASIL TEM JEITO!”  
  
     



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