segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A CIDADANIA, A VEZ DA LEI ANTICORRUPÇÃO E A SUPERAÇÃO DAS CRISES

“APLICAÇÃO DA LEI ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA
        Promulgada em 1º de agosto de 2013, entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014 a Lei 12.846, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
         Alcunhada de Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, referida normal legal tem, como origem e inspiração, as Convenções sobre o Combate à Corrupção, firmadas em 1999, no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e em 2003, na Organização das Nações Unidas (ONU), ratificadas pelo Brasil, respectivamente, em 2000 e 2005.
         Trata-se, sem sombra de dúvidas, de um poderoso conjunto de regras legais, que submete as corporações, em seus relacionamentos com a administração pública, em todas as suas esferas, à responsabilização objetiva por seus atos infracionais.
         Na esfera da responsabilidade objetiva, constatado o ilícito sancionado pela norma, e sua prática, pela pessoa jurídica, afasta-se a perquirição de seu eventual dolo ou culpa, elementos de responsabilização subjetiva, bastando, pois, que reste evidenciada a prática, no interesse ou benefício da empresa, atentatória à administração pública, nacional ou estrangeira.
         A lei espraia seu raio de aplicação para toda e qualquer sociedade, personificada ou não, empresária ou simples, fundações, associações de entidades ou pessoas e sociedades estrangeiras, que tenha sede, filial ou representação em território brasileiro, independentemente da forma de organização ou do modelo societário adotado, subsistindo a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica ainda que em relação a ela sejam promovidos atos de alteração contratual ou estatutária, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.
         Os tipos lesivos sancionados pela Lei Anticorrupção vão desde a promessa, oferecimento ou paga, direta ou indiretamente, de vantagem indevida a agente público ou a terceira pessoa a ela relacionada, o financiamento, custeio, patrocínio ou subvenção para a prática dos ilícitos nela previstos até os atos de fraude nos processos de licitação e contratos.
         Na esfera administrativa, as penas aplicáveis à pessoa jurídica responsabilizada vão desde a obrigatoriedade de publicação extraordinária da decisão condenatória a multas, no valor de 0,1% a 20% de seu faturamento bruto, sem prejuízo da obrigação de reparação integral do dano causado.
         Prejudicado o critério de aferição do faturamento bruto, por qualquer motivo, as multas serão fixadas no mínimo em R$ 6 mil e no máximo em R$ 60 milhões.
         Civilmente, a pessoa jurídica responsabilizada poderá sofrer, ainda, sanções que vão desde o perdimento dos bens, direitos ou valores direta ou indiretamente obtidos por meio da infração, a proibição de recebimentos de incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de entidades públicas, até sua dissolução compulsória.
         Erige a Lei Anticorrupção, todavia, importantes instrumentos para redução das penalidades civis e administrativas nela previstas. A existência comprovada, no âmbito da pessoa jurídica responsabilizada, de um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e à aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, o chamado compliance, é elemento que deve ser levado em consideração na aplicação das sanções administrativas.
         Os acordos de leniência, por sua vez, no bojo dos quais as pessoas jurídicas responsáveis ajustam sua cooperação nas investigações e nos respectivos processos administrativos, afastam a aplicação da sanção administrativa de publicação extraordinária da decisão condenatória e da proibição de recebimento de incentivos e subsídios públicos, podendo ainda acarretar a redução de até dois terços da multa aplicada.
         Inobstante a ausência de clareza da norma, no tocante ao sistema de pesos e medidas que balizará a aplicação das sanções administrativas às empresas investigadas, certo é que a dureza das regras de responsabilização objetiva e o peso das sanções civis e administrativas daí decorrentes justificam a preocupação com a criação imediatas dos programas de compliance.
         Se os parâmetros de avaliação dos mecanismos e procedimentos de compliance serão estabelecidos, ainda, em regulamento (decreto) a ser editado pelo Poder Executivo federal, as empresas preocupadas em já estabelecer os seus programas podem se valer das recomendações editadas pela OCDE ou dos manuais editados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
         O material é farto e o trabalho é longo, mas indispensável.”

(DAVID GONÇALVES DE ANDRADE SILVA, sócio-diretor da Andrade Silva Advogados, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 6 de fevereiro de 2015, caderno DIREITO & JUSTIÇA, página 8).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“No reverso das crises
        No reverso das crises estão lições importantes que precisam ser aprendidas e praticadas. A sociedade brasileira sofre com um elenco de crises. Entre elas está a hídrica, provocada por falta de chuvas e por inadequado tratamento do meio ambiente; a crise econômica, por consequência de se seguirem apenas os princípios das leis de mercado; a crise ética, com o conhecimento público de esquemas bilionários de corrupção e desrespeitos ao erário; a crise do compromisso comunitário, apontada pelo papa Francisco na sua exortação apostólica Alegria do evangelho; a crise moral, ancorada nos relativismos, no individualismo e em um entendimento estreito de liberdade, autonomia e bem-estar. Sem exagerar, convive-se com um verdadeiro caldeirão de crises.
         Apesar do peso e do enorme desafio, no horizonte está a oportunidade singular de aprendizagem e de adoção de práticas que permitam alcançar dinâmicas mais saudáveis, capazes de recuperar o tecido social. Lições precisam ser aprendidas, retomadas e praticadas na tarefa ingente de conduzir a vida privada e cidadã; construir, diariamente, a sociedade. Não são, necessariamente, lições de alta complexidade, pois partem de princípios éticos e morais muito simples, mas com incidência transformadora. São capazes de reverter os processos e vivências que deterioram instituições, culturas, e retardam, ou mesmo inviabilizam, a construção de uma sociedade igualitária.
         Impressiona, entre outras dimensões, o crescimento da violência, com estatísticas que causam horror. Não se trata apenas da criminalidade que ocorre nas ruas, mas também a praticada no recôndito dos lares e inclui as perpetradas contra o bem comum, com prejuízos, especialmente, para os mais pobres. É uma urgência partilhar esse quadro desafiador composto pelas crises  para que se forme um juízo a respeito dos processos que estão prejudicando a convivência social. As mudanças necessárias não são pontuais. Torna-se imprescindível buscar novas dinâmicas capazes de conduzir a sociedade rumo às práticas éticas e morais que são caminho para a necessária virada civilizatória contemporânea. Assim, será possível refletir e transformar cada instituição, grupos políticos, instâncias culturais e também confissões religiosas.
         Um primeiro passo importante é que cada pessoa reconheça o quadro de crises que afeta a sociedade brasileira. Assim, será possível criar um grande movimento de despertar ético capaz de fecundar a consciência moral de todos. Nesse sentido, não se podem poupar esforços, nem mesmo pelo temor de parecer alarmismo. A situação é muito grave e assim precisa ser percebida. Eventuais progressos e conquistas alcançadas não podem servir para camuflá-la. Antes de se adotarem as providências de incidência transformadora – as reformas que a sociedade brasileira precisa – é preciso que cada cidadão compreenda e assuma a sua parte.
         A busca pela conduta honesta de todos não é apenas um aspecto a integrar a estratégia de um governo, mas dever de cada pessoa no cumprimento de suas tarefas. Precisa fundamentar as ações no contexto das famílias, das escolas, das confissões religiosas, dos segmentos todos, e na vivência da política. Superar as graves crises pode ser algo simples, um caminho natural, desde que todos partilhem um gosto, convicção e compromisso: ser honesto em tudo o que se fala, faz e constrói, no exercício de tarefas profissionais e cidadãs. Nessa direção, há também a necessidade de superar a medíocre prática de tentar se apresentar como “bom” ou “o melhor” a partir da estratégia de se destruir os outros.
         É o momento de derrubar as ameaças à vida social com uma grande onde formada pela alegria e o santo orgulho de ser honesto, um remédio para curar a doença da corrupção, dos relativismos, das disputas mesquinhas, da busca egoísta pela realização de interesses próprios com prejuízos para a coletividade. É hora de, humildemente, avaliar o quadro de crises para se alcançarem lições, muitas, tantas delas, sem segredo de assimilação e prática. Lições que estão no reverso dessas crises.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, e diante de novas facetas, a agudíssima crise da dupla falta – de água e de energia elétrica...);

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2015, segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

O BRASIL TEM JEITO!