segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A CIDADANIA, A SUSTENTABILIDADE E O CLAMOR DA SOCIEDADE CIVIL

“Movimentos podem refundar um novo Brasil a partir do povo
        
         Estou na Europa a trabalho, e constato o grande interesse que todas as mídias aqui conferem às manifestações no Brasil. Bons especialistas na Alemanha e na França emitem juízos pertinentes. Todos concordam no caráter social das manifestações, longe dos interesses da política convencional. É o triunfo dos novos meios de congregação que são as mídias sociais.
         O grupo da libertação e a Igreja da Libertação sempre avivaram a memória antiga do ideal da democracia, presente nas primeiras comunidades cristãs até o século II, pelo menos. Repetia-se o refrão clássico: “O que interessa a todos deve poder ser discutido e decidido por todos”. E isso que funcionava até para a eleição dos bispos e do papa. Depois, se perdeu esse ideal, mas nunca foi totalmente esquecido. O ideal democrático de ir além da democracia delegatícia ou representativa e chegar à democracia participativa, de baixo para cima, envolvendo o maior número possível de pessoas, sempre esteve presente no ideário dos movimentos sociais, das comunidades de base, dos sem-terra etc. Mas nos faltavam os instrumentos para implementar efetivamente essa democracia universal, popular e participativa.
         Eis que esse instrumento nos foi dado pelas várias mídias sociais. Elas são sociais, abertas a todos. Todos agora têm um meio de manifestar sua opinião, agregar pessoas que assumem a mesma causa e promover o poder das ruas e das praças. O sistema dominante ocupou todos os espaços. Só ficaram as ruas e as praças, que por sua natureza são de todos e do povo. Agora surgiram a rua e a praça virtuais, criadas pelas mídias sociais.
         O velho sonho democrático segundo o qual o que interessa a todos, todos têm direito de opinar e contribuir para alcançar um objetivo comum, podem enfim ganhar forma. As redes sociais podem desbancar ditaduras como no norte da África, enfrentar regimes repressivos como na Turquia e agora mostram, no Brasil, que são os veículos adequados de reivindicações sociais, sempre feitas e quase postergadas ou negadas. São causas que têm a ver com a vida comezinha, cotidiana e comum à maioria dos mortais.
         Nutro a convicção de que, a partir de agora, se poderá refundar o Brasil a partir de onde sempre deveria ter começado, do povo mesmo. As elites costumam fazer políticas pobres para os pobres e ricas para os ricos. Essa lógica deve mudar daqui para a frente. Escreveu um amigo que elaborou uma das interpretações do Brasil mais originais e consistentes, Luiz Gonzaga de Souza Lima: “O povo esbarrou nos limites da formação social empresarial, nos limites da organização social para os negócios. Esbarrou nos limites da empresa Brasil. E os ultrapassou. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra forma de ser Brasil, quer uma sociedade de humanos, coisa diversa da sociedade dos negócios. É a refundação em movimento”.
         Creio que esse autor captou o sentido profundo das atuais manifestações multitudinárias. Anuncia-se um parto novo. Devemos fazer tudo para que não seja abortado por aqueles daqui e de fora querem recolonizar o Brasil e condená-lo a ser apenas um fornecedor de commodities para os países centrais, cegos para os processos que nos conduzirão a uma nova consciência planetária e à exigência de uma governança global. Problemas globais exigem soluções globais. Daí ser importante não permitir que o movimento seja desvirtuado. Música nova exige um ouvido novo. Todos são convocados a pensar esse novo, dar-lhe sustentabilidade e fazê-lo frutificar.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 28 de junho de 2013, caderno O.PINIÃO, página 28).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 20 de setembro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, que é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Manifesto da sociedade civil
        
         A sociedade civil levou recentemente ao Congresso Nacional um importante manifesto por uma reforma política democrática. Lideradas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), 35 entidades elaboraram, em conjunto, uma proposta de reforma política e a encaminharam ao Congresso Nacional. Esse encaminhamento precisa ser conhecido, apoiado e permanecer na pauta de discussões cidadãs, com especial envolvimento dos políticos, que devem reconhecer a importância do atual momento para a história do país.
         É verdade que a reforma política não nascerá simplesmente pelo leito da política partidária. Os interesses cartoriais que fortemente marcam esse tipo de política, particularmente quando se aproxima o período eleitoral, não permitem, entre outros fatores, uma visão cidadã mais arrojada e corajosa. De modo geral, primeiro faz-se o atendimento de questões e demandas internas. Depois, consideram-se as urgências e as necessidades da população. Por isso mesmo, é fundamental que entidades da sociedade civil, particularmente as instituições de comprovada credibilidade e que priorizam o bem comum, façam ouvir a voz do povo. Esse é o barulho necessário para despertar o interesse da representação política em não atrasar processos essenciais à sociedade.
         É importante lembrar que a reforma política não é uma demanda colocada em pauta recentemente. Contudo, há uma demora insuportável na sua operacionalização. Houve um sinal de aceleração no tratamento desse processo com as pressões advindas das manifestações populares de junho. A proposta feita às pressas não foi adequada, caiu em desconsideração e tudo voltou ao ritmo lento. Infelizmente, a sociedade civil sofre com líderes pouco proativos no que se refere às mudanças de rumo. Existe uma carência de lideres capazes de implantar dinâmicas que corrijam os procedimentos necessários para alcançar as metas prioritárias na organização civil.
         Aliás, esse é um problema contemporâneo bastante grave que atinge as mais diversas instituições. Um fenômeno doloroso com desdobramentos nos mais diversos níveis, como o equivocado exercício da cidadania, o  desrespeito e inadequado tratamento de bens públicos e a falta de lucidez daqueles que podem provocar mudanças decisivas nos mais diferentes âmbitos. Por isso mesmo, a infraestrutura necessária e possível exigida pela sociedade civil esbarra nas burocratizações, incompetências e atrasos que se multiplicam aos milhares e aos olhos de todos.
         A reforma política é um passo muito importante para superar esse contexto social pouco humanístico e descompromissado com o bem comum. Entidades que representam diversos segmentos da sociedade civil brasileira, tendo analisado a conjuntura político-social do país, construíram com competência uma proposta concreta de projeto de lei para a consideração das instâncias competentes do Congresso Nacional. É preciso sublinhar que o trabalho de formatação dessa iniciativa foi entregue pronto, com inquestionável competência jurídica e política. Assim, as possíveis demoras para sua tramitação serão atribuídas, talvez, a prazos regulamentares ou algum outro fator.
         Teme-se, no entanto, o entrave que nasce da falta de lideranças com vontade política, uma carência de lucidez na operacionalização de processos para a efetivação da reforma. As fragilidades de lideranças e o tênue compromisso com resultados no exercício de responsabilidades configuram-se como terrível veneno, motivo de preocupação com o futuro próximo.
         Será inteligente abraçar a causa da reforma política, sem delongas, para que se enfrente o grave problema do baixo índice de credibilidade dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e dos partidos políticos. Mais que isso, a reforma política é passo decisivo para que se caminhe na direção de compromissos mais efetivos, com mudanças sistêmicas nas áreas da saúde, mobilidade, educação, entre outras.
         Para a representação política nacional, é oportunidade de ouro buscar a participação ampla dos mais diversos organismos da sociedade civil nessa reforma, com as metas de recompor os valores da democracia, da justiça social, da ética na política, participação cívica e efetividade dos direitos do cidadão. Que as autoridades tenham a competência de acolher e considerar o manifesto da sociedade civil.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas.

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero;II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inquestionavelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; turismo; esporte, cultura e lazer; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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