sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A CIDADANIA, A DEMOCRACIA DIGITAL, A ELEIÇÃO E A RELIGIÃO

“Turbinar a CIDADANIA
        
         Com a massificação da internet em todo o mundo nos anos 1990, não escapou aos contemporâneos o enorme potencial que soluções tecnológicas de comunicação apoiadas na rede e baseadas em interfaces web pareciam ter para a vida social, a política e a democracia. À medida que se incrementavam e se ampliavam os seus usos sociais para um número extremamente elevado de funções, tornavam-se ainda maiores e mais concretas as expectativas de que tais tecnologias, seus recursos e seus usos pudessem alterar de alguma forma o panorama das democracias atuais.
         Num primeiro momento, a perspectiva adotada foi “revolucionária”. O diagnóstico, hiperbólico, era que a democracia representativa estava há muito em crise, pelo contraste entre a diminuição acelerada da participação política cidadã, de um lado, e o crescimento constante da autonomia do sistema político em face da sociedade na condução da coisa pública, de outro. Acreditava-se, então, que formas horizontais de comunicação, na internet, ao permitir que todos os cidadãos tornassem produtores de conteúdo e capazes de representar o Estado e os concidadãos a sua própria vontade, sem a tradicional mediação de representantes eleitos, poderiam vir a ser a realização dos sonhos de democracia direta.
         Superada a fase do entusiasmo, pouco a pouco foi se firmando uma perspectiva mais modesta, cujo foco consiste em retirar o máximo proveito possível das tecnologias digitais de comunicação, que a este ponto já se tinham tornado onipresentes, para melhorar o teor democrático das relações dos cidadãos uns com os outros, com os coletivos sociais e, enfim, com as várias instâncias do Estado. Passamos a apostar numa alteração no equilíbrio de forças sociais, no que tange à influência sobre o Estado e a sociedade, em favor dos cidadãos comuns, ante os seus naturais concorrentes na satisfação do interesse político: o sistema político, a administração pública, as corporações econômicas, as organizações da sociedade civil, as autoridades no interior dos poderes do Estado.
         Em Estados de democracia liberal, portanto, a democracia digital consiste em todas as iniciativas e recursos on-line, em todos os empregos de plataformas, aparelhos e conteúdos digitais voltados para aumentar as vantagens concorrenciais  da cidadania ou em reduzir as desvantagens dos cidadãos diante das forças que com ele competem para se impor na produção de agendas, políticas públicas, regulamentações, leis e quaisquer outras formas de decisões que afetem a comunidade política.
         A democracia digital não é, portanto, uma nova forma de democracia, nem mesmo pretende existir independentemente das instituições do Estado democrático. Chamamos de democracia digital qualquer solução tecnológica que nos ajude a obter mais democracia e melhores democracias. Onde há mais liberdade, igualdade, transparência pública, participação cidadã, pluralismo, minorias gozando de direitos etc., onde há, portanto, incremento no teor democrático de uma comunidade política, haverá, por conseguinte, uma democracia de melhor qualidade, mais justa, mais correspondente à soberania popular, mais ao serviço do bem comum.
         Neste novo quadro, não está em perspectiva a superação do governo representativo por uma espécie de democracy plug’n play nem a atitude dominante é mais o otimismo irrefreável sobre as virtudes democráticas automáticas das tecnologias e dos seus usos. Trata-se de fazer o melhor possível pela democracia por meio da tecnologia, explorando as brechas que o sistema político e a cultura política admitem ou deixaram abertas, alargando as experiências, propondo projetos criativos e inovadores, testando soluções inusitadas e eficazes, acompanhando experimentos. Ademais, pouco a pouco foi sendo mudado o foco: de uma tese geral sobre o futuro da democracia em um mundo digital on-line passou-se para a elaboração de projetos, de iniciativas (estruturas e recursos desenhados com base em fins determinados) e de experiências (práticas espontâneas fruto das interações digitais das pessoas) que são formas concretas em que se podiam testar os limites da suplementação ou reforço, via tecnologias, de práticas pró-democracia.
          Por fim, a tendência hoje é tratar menos da ideia abstrata de democracia, que findava por tornar a e-democracia relativamente vazia em função da polissemia envolvida, e passou-se a cuidas de dimensões normativas da experiência democrática: participação, visibilidade, transparência, accountability, pluralismo, justiça e direitos, tudo marcado com o prefixo “e”, que diz apenas que se realiza em ambientes digitais on-line.
         Neste quadro, o estudo da participação cidadã (e-participação) é o que tem mais experiências e iniciativas digitais registradas: são muitos hoje os projetos on-line de discussão e formulação colaborativa de problemas sociais, de consultas públicas, de produção coletiva de regulamentações e políticas públicas, de orçamentos públicos ou de decisão sobre prioridades nos gastos públicos e, até, de voto em matérias específicas, além de inúmeras experiências de e-ativism, e-petitions e campanhas (não apenas políticas) on-line que envolvem milhões de pessoas mundo afora.
         Mais recentemente, começaram a ser formuladas soluções digitais para permitir e incrementar o controle cognitivo dos cidadãos sobre os assuntos de interesse público no Estado (decisões, processos, documentos, procedimentos), a e-transparência. Sem mencionar os projetos relacionados ao governo aberto (open governmment) e ao acesso público a dados brutos e documentos das várias instâncias do Estado (open Access) que resultam de iniciativas multilaterais, uma delas liderada pelos Estados Unidos e pelo Brasil.
         Os progressos no campo da democracia digital são lentos, mas em avanço contínuo e consistente, o que nos permite um prognóstico bastante realista de que veremos cada vez mais a tecnologia funcionando para produzir melhores democracias.”

(WILSON GOMES, que é doutor em filosofia, professor titular de comunicação na Universidade Federal da Bahia e coordenador do Centro de Estudos Avançados em Democracia Digital e Governo Eletrônico, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 12 de outubro de 2013, caderno PENSAR, página 6).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 23 de outubro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor de Fome de Deus – fé e espiritualidade no mundo atual (Paralela), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Eleição e religião
        
         Na campanha presidencial de 2014, veremos reprisar o que tanto afetou a de 2010: o fator religioso. O debate em torno da questão do aborto assumiu muito mais importância do que demandas urgentes como melhoria da saúde e da educação, ou projetos de emancipação nacional, como a reforma agrária e a preservação da Amazônia.
         O aborto e outros temas ligados aos direitos reprodutivos e à sexualidade são apenas o biombo que encobre algo mais ameaçador: o fundamentalismo religioso como força política.
         A globocolonização neoliberal, ao se impor ao planeta hegemonizada pelo capitalismo como sistema ideal de sociedade, se chocou com princípios religiosos de Estados e sociedades islâmicas que não distinguem laicidade e religiosidade.
         No Brasil, embora a “questão religiosa” esteja formalmente equacionada desde o século 19, quando houve a separação oficial entre Igreja e Estado, há um óbvio ressurgimento da apropriação do espaço público por instituições religiosas.
         Não cabe aqui a distinção a distinção dicotômica entre esfera pública reservada ao Estado e a esfera privada à religião. Público e privado são duas faces de uma mesma moeda e, embora diferenciadas, não podem ser separadas.
         A religião goza, sim, do direito de expressão pública e de recusar ao Estado o monopólio do controle da sociedade. Porém, assim como o Estado, à luz da laicidade moderna, não tem o direito de “professar” uma religião e atuar contra a pluralismo religioso, não se pode admitir que a religião se aproprie do Estado para universalizar, via legislação civil e mecanismos de controle, seus princípios e normas doutrinários.
         O fundamentalismo religioso nasceu nos EUA , no início do século 20, com o objetivo de evitar a erosão, pelo secularismo, das crenças fundamentais da tradição protestante, como a expiação substitutiva realizada pela morte de Jesus e o seu iminente regresso para julgar e governar o mundo, e a infalibilidade da Bíblia, tomada em sua literalidade, como a criação direta do mundo e da humanidade por Deus, em oposição ao evolucionismo e ao darwinismo.
         Em meados do século passado, os fundamentalistas cristãos se convenceram de que não bastava pregar no interior dos templos e converter corações e mentes. Era preciso impor à sociedade tudo isso que concorre para o “bem dela”, como a criminalização do aborto e da homossexualidade, do uso do álcool e do fumo, do entretenimento pornográfico, e até mesmo de projetos que visam a reduzir a desigualdade social, considerada reflexo da vontade divina.
         Tal empreitada só é possível pelo controle das instituições políticas, que, de fato e de direito, decidem o que é legal (bem) e o que é ilegal (mal) ao conjunto da sociedade. Um pastor ou padre podem convencer seus fiéis de que ingerir bebidas alcoólicas é contrário ao mandamento divino. Um governante pode muito mais: decretar a lei seca e entregar às garras da Justiça todos que produzirem e comercializarem produtos etílicos.
         Nos nichos religiosos fundamentalistas do Brasil, se choca o ovo da serpente, à semelhança do que ocorre em países em que princípios derivados de tradições religiosas dispensam a formalidade de um texto constitucional e nos quais não se concebe uma laicidade independente da religiosidade.
         Até agora os possíveis candidatos à Presidência da República em 2014 ensaiam seus discursos na defesa do governo petista, na crítica a esse governo ou na promessa de aprimorar o que já se fez, como as políticas sociais. Por enquanto, trata-se de obter meios, como coligações partidárias que assegurem mais tempo de campanha eleitoral na TV e posterior condições de governabilidade.
         Ano que vem, definidas as candidaturas, elas terão de tratar também dos fins, ou seja, dizer a que vieram e para que vieram. Aí é que a porca torce o rabo. Na caça aos votos, os candidatos serão pressionados pelos lobbies religiosos, que se julgam os únicos intérpretes da vontade divina, a darem mais importância  à temática do moralismo farisaico, que insiste na pureza das mãos sem que se abram os braços aos pobres e excluídos caídos à margem da sociedade, na contramão do que ensina a Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37).”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

      b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
     
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública, a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social; sistema financeiro nacional; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...
        

           

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