“Turbinar
a CIDADANIA
Com a massificação da
internet em todo o mundo nos anos 1990, não escapou aos contemporâneos o enorme
potencial que soluções tecnológicas de comunicação apoiadas na rede e baseadas
em interfaces web pareciam ter para a vida social, a política e a democracia. À
medida que se incrementavam e se ampliavam os seus usos sociais para um número
extremamente elevado de funções, tornavam-se ainda maiores e mais concretas as
expectativas de que tais tecnologias, seus recursos e seus usos pudessem
alterar de alguma forma o panorama das democracias atuais.
Num
primeiro momento, a perspectiva adotada foi “revolucionária”. O diagnóstico,
hiperbólico, era que a democracia representativa estava há muito em crise, pelo
contraste entre a diminuição acelerada da participação política cidadã, de um
lado, e o crescimento constante da autonomia do sistema político em face da
sociedade na condução da coisa pública, de outro. Acreditava-se, então, que
formas horizontais de comunicação, na internet, ao permitir que todos os
cidadãos tornassem produtores de conteúdo e capazes de representar o Estado e
os concidadãos a sua própria vontade, sem a tradicional mediação de
representantes eleitos, poderiam vir a ser a realização dos sonhos de
democracia direta.
Superada
a fase do entusiasmo, pouco a pouco foi se firmando uma perspectiva mais
modesta, cujo foco consiste em retirar o máximo proveito possível das
tecnologias digitais de comunicação, que a este ponto já se tinham tornado
onipresentes, para melhorar o teor democrático das relações dos cidadãos uns
com os outros, com os coletivos sociais e, enfim, com as várias instâncias do
Estado. Passamos a apostar numa alteração no equilíbrio de forças sociais, no
que tange à influência sobre o Estado e a sociedade, em favor dos cidadãos
comuns, ante os seus naturais concorrentes na satisfação do interesse político:
o sistema político, a administração pública, as corporações econômicas, as
organizações da sociedade civil, as autoridades no interior dos poderes do
Estado.
Em
Estados de democracia liberal, portanto, a democracia digital consiste em todas
as iniciativas e recursos on-line, em todos os empregos de plataformas,
aparelhos e conteúdos digitais voltados para aumentar as vantagens
concorrenciais da cidadania ou em
reduzir as desvantagens dos cidadãos diante das forças que com ele competem
para se impor na produção de agendas, políticas públicas, regulamentações, leis
e quaisquer outras formas de decisões que afetem a comunidade política.
A
democracia digital não é, portanto, uma nova forma de democracia, nem mesmo
pretende existir independentemente das instituições do Estado democrático.
Chamamos de democracia digital qualquer solução tecnológica que nos ajude a
obter mais democracia e melhores democracias. Onde há mais liberdade,
igualdade, transparência pública, participação cidadã, pluralismo, minorias
gozando de direitos etc., onde há, portanto, incremento no teor democrático de
uma comunidade política, haverá, por conseguinte, uma democracia de melhor
qualidade, mais justa, mais correspondente à soberania popular, mais ao serviço
do bem comum.
Neste
novo quadro, não está em perspectiva a superação do governo representativo por
uma espécie de democracy plug’n play
nem a atitude dominante é mais o otimismo irrefreável sobre as virtudes
democráticas automáticas das tecnologias e dos seus usos. Trata-se de fazer o
melhor possível pela democracia por meio da tecnologia, explorando as brechas
que o sistema político e a cultura política admitem ou deixaram abertas,
alargando as experiências, propondo projetos criativos e inovadores, testando
soluções inusitadas e eficazes, acompanhando experimentos. Ademais, pouco a
pouco foi sendo mudado o foco: de uma tese geral sobre o futuro da democracia
em um mundo digital on-line passou-se para a elaboração de projetos, de
iniciativas (estruturas e recursos desenhados com base em fins determinados) e
de experiências (práticas espontâneas fruto das interações digitais das
pessoas) que são formas concretas em que se podiam testar os limites da
suplementação ou reforço, via tecnologias, de práticas pró-democracia.
Por fim, a tendência hoje é tratar menos da
ideia abstrata de democracia, que findava por tornar a e-democracia
relativamente vazia em função da polissemia envolvida, e passou-se a cuidas de
dimensões normativas da experiência democrática: participação, visibilidade,
transparência, accountability,
pluralismo, justiça e direitos, tudo marcado com o prefixo “e”, que diz apenas
que se realiza em ambientes digitais on-line.
Neste
quadro, o estudo da participação cidadã (e-participação) é o que tem mais
experiências e iniciativas digitais registradas: são muitos hoje os projetos
on-line de discussão e formulação colaborativa de problemas sociais, de
consultas públicas, de produção coletiva de regulamentações e políticas
públicas, de orçamentos públicos ou de decisão sobre prioridades nos gastos
públicos e, até, de voto em matérias específicas, além de inúmeras experiências
de e-ativism, e-petitions e campanhas
(não apenas políticas) on-line que envolvem milhões de pessoas mundo afora.
Mais
recentemente, começaram a ser formuladas soluções digitais para permitir e
incrementar o controle cognitivo dos cidadãos sobre os assuntos de interesse
público no Estado (decisões, processos, documentos, procedimentos), a
e-transparência. Sem mencionar os projetos relacionados ao governo aberto (open governmment) e ao acesso público a
dados brutos e documentos das várias instâncias do Estado (open Access) que resultam de iniciativas multilaterais, uma delas
liderada pelos Estados Unidos e pelo Brasil.
Os
progressos no campo da democracia digital são lentos, mas em avanço contínuo e
consistente, o que nos permite um prognóstico bastante realista de que veremos
cada vez mais a tecnologia funcionando para produzir melhores democracias.”
(WILSON
GOMES, que é doutor em filosofia, professor titular de comunicação na
Universidade Federal da Bahia e coordenador do Centro de Estudos Avançados em
Democracia Digital e Governo Eletrônico, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 12 de
outubro de 2013, caderno PENSAR, página
6).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
23 de outubro de 2013, caderno OPINIÃO, página
9, de autoria de FREI BETTO, que é
escritor, autor de Fome de Deus – fé e
espiritualidade no mundo atual (Paralela), entre outros livros, e que
merece igualmente integral transcrição:
“Eleição
e religião
Na campanha
presidencial de 2014, veremos reprisar o que tanto afetou a de 2010: o fator
religioso. O debate em torno da questão do aborto assumiu muito mais
importância do que demandas urgentes como melhoria da saúde e da educação, ou
projetos de emancipação nacional, como a reforma agrária e a preservação da
Amazônia.
O
aborto e outros temas ligados aos direitos reprodutivos e à sexualidade são
apenas o biombo que encobre algo mais ameaçador: o fundamentalismo religioso
como força política.
A
globocolonização neoliberal, ao se impor ao planeta hegemonizada pelo
capitalismo como sistema ideal de sociedade, se chocou com princípios
religiosos de Estados e sociedades islâmicas que não distinguem laicidade e
religiosidade.
No
Brasil, embora a “questão religiosa” esteja formalmente equacionada desde o
século 19, quando houve a separação oficial entre Igreja e Estado, há um óbvio
ressurgimento da apropriação do espaço público por instituições religiosas.
Não
cabe aqui a distinção a distinção dicotômica entre esfera pública reservada ao
Estado e a esfera privada à religião. Público e privado são duas faces de uma
mesma moeda e, embora diferenciadas, não podem ser separadas.
A
religião goza, sim, do direito de expressão pública e de recusar ao Estado o
monopólio do controle da sociedade. Porém, assim como o Estado, à luz da
laicidade moderna, não tem o direito de “professar” uma religião e atuar contra
a pluralismo religioso, não se pode admitir que a religião se aproprie do
Estado para universalizar, via legislação civil e mecanismos de controle, seus
princípios e normas doutrinários.
O
fundamentalismo religioso nasceu nos EUA , no início do século 20, com o
objetivo de evitar a erosão, pelo secularismo, das crenças fundamentais da
tradição protestante, como a expiação substitutiva realizada pela morte de
Jesus e o seu iminente regresso para julgar e governar o mundo, e a
infalibilidade da Bíblia, tomada em
sua literalidade, como a criação direta do mundo e da humanidade por Deus, em
oposição ao evolucionismo e ao darwinismo.
Em
meados do século passado, os fundamentalistas cristãos se convenceram de que
não bastava pregar no interior dos templos e converter corações e mentes. Era
preciso impor à sociedade tudo isso que concorre para o “bem dela”, como a
criminalização do aborto e da homossexualidade, do uso do álcool e do fumo, do
entretenimento pornográfico, e até mesmo de projetos que visam a reduzir a
desigualdade social, considerada reflexo da vontade divina.
Tal
empreitada só é possível pelo controle das instituições políticas, que, de fato
e de direito, decidem o que é legal (bem) e o que é ilegal (mal) ao conjunto da
sociedade. Um pastor ou padre podem convencer seus fiéis de que ingerir bebidas
alcoólicas é contrário ao mandamento divino. Um governante pode muito mais:
decretar a lei seca e entregar às garras da Justiça todos que produzirem e
comercializarem produtos etílicos.
Nos
nichos religiosos fundamentalistas do Brasil, se choca o ovo da serpente, à
semelhança do que ocorre em países em que princípios derivados de tradições
religiosas dispensam a formalidade de um texto constitucional e nos quais não
se concebe uma laicidade independente da religiosidade.
Até
agora os possíveis candidatos à Presidência da República em 2014 ensaiam seus
discursos na defesa do governo petista, na crítica a esse governo ou na
promessa de aprimorar o que já se fez, como as políticas sociais. Por enquanto,
trata-se de obter meios, como coligações partidárias que assegurem mais tempo
de campanha eleitoral na TV e posterior condições de governabilidade.
Ano
que vem, definidas as candidaturas, elas terão de tratar também dos fins, ou
seja, dizer a que vieram e para que vieram. Aí é que a porca torce o rabo. Na
caça aos votos, os candidatos serão pressionados pelos lobbies religiosos, que
se julgam os únicos intérpretes da vontade divina, a darem mais
importância à temática do moralismo
farisaico, que insiste na pureza das mãos sem que se abram os braços aos pobres
e excluídos caídos à margem da sociedade, na contramão do que ensina a Parábola
do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37).”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública, a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; assistência social; previdência social; sistema financeiro
nacional; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo;
comunicações;qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades
com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no
horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como
a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do
pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da
internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...
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