quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A CIDADANIA, OS DESAFIOS DA JUSTIÇA E A FORÇA DA AUTOAFIRMAÇÃO E DA INTEGRAÇÃO

“Os intoleráveis atrasos da Justiça
        
         Uma voz autorizada como a de Montesquieu sustentava, já há alguns séculos, um princípio de grande atualidade, resumido em poucas e simples palavras: “Justiça tardia é justiça negada”. Sem dúvida, todos os que lidam na área do direito, desde os jusfilósofos, cientistas e doutrinadores, mormente na esfera dos direitos humanos, aos advogados atuantes, têm plena consciência disso. Nunca é demais, entretanto, que se detenha e se reflita sobre uma afirmação que, de tão simples na aparência, carrega inexcedível alcance.
         Em um Estado democrático de direito, o tempo da Justiça – ou a duração razoável do processo, como está na Constituição do Brasil – constitui constante preocupação e um problema que, definitivamente, não pode ser desprezado, até porque trata-se de preceito constitucional. Haja vista o esforço que vem sendo feito em praticamente todos os segmentos da sociedade civil – legisladores, magistrados e suas associações, alguns políticos, imprensa etc. –, no sentido da reforma do Poder Judiciário ou, com maior eficácia, no sistema de distribuição de justiça, seja por meio de inovações processuais, como o redimensionamento do sistema de recursos e medidas processuais, seja pela firme determinação de criação de instâncias de decisão alheias à jurisdição, quais sejam, a mediação e a conciliação pré-processuais. Esses sistemas, aliás, como se sabe, já são amplamente utilizados em vários países.
         O fato é que – para utilizar um conceito em voga – novos paradigmas têm surgido e tudo indica que só com o firme propósito de inovar será possível resolver o problema de uma Justiça embaraçada de processos de tal forma lentos e passíveis de constituir fonte de graves lesões em matéria de direitos humanos. É verdade que a jurisdição se faz concreta em competências diversas, como diz um autor italiano, como a civil e a penal, a tributária, a trabalhista, a militar, e que cada uma delas pode ser menos lenta do que outras. Mas a média não ajuda.
         É claro que não seria possível apontar, neste pequeno artigo de cariz jornalístico, as razões dos atrasos. Pode-se pensar, contudo, sem qualquer pretensão científica, com talvez convenha ao cidadão, em alguns aspectos visíveis a olhos nus do leito: a quantidade de trabalho nas mesas dos juízes, a carência de pessoal e de fundos, o formalismo judiciário – um sistema excessivamente burocrático que exige dos magistrados, dos advogados e dos cidadãos uma série de inúteis atividades rituais que só encarecem a Justiça, reformas legislativas ineficazes –, a ausência de efetiva valorização da magistratura e assim por diante.
         A propósito deste último tema, aliás, é na confiança na Justiça que, em um Estado democrático, se funda a convivência em todos os setores sociais, confiança que – e imperativo dizer – muitas vezes, não existe porque, lamentavelmente, a sociedade não tem ciência, na medida exata, da atividade judiciária e se deixa levar por mal-entendidos, equívocos e juízos incorretos. Em pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas em abril de 2013, referente ao quarto trimestre de 2012, para aqueles que não acionaram o Judiciário para solucionar conflitos de direito do trabalho, do consumidor e de acidente de trânsito, o argumento preponderante está relacionado aos aspectos da administração da Justiça, já que 65% dos entrevistados que enfrentaram o Judiciário deixaram de fazê-lo ao fundamento de que a resolução demoraria muito, que seria caro ou porque não confiavam no Judiciário para a solução dos conflitos.
         É claro que não se pode desprezar o princípio do devido processo legal, de amplo conhecimento no meio jurídico e atualmente tão bem resguardado pela Constituição da República. Mas é indispensável que se precise de forma salutar esse princípio, a fim de que em sua essencialidade ele não se perca em procedimentalismos nocivos e autênticos labirintos de sucessão de atos que impedem a tão desejada efetividade do processo.
         Enquanto a solução não chega, vão-se estudando novas fórmulas – algumas mirabolantes – para a questão. Mas até esta empreitada é lenta. Não que se pretenda uma panaceia galopante e açodada. Mas há de ter vontade. Demais de tudo isso, o que conta e importa, no fundo, reduz-se a uma pergunta essencial: a quem interessa a lentidão da Justiça?”

(MÁRCIO FLÁVIO SALEM VIDIGAL. Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 11 de outubro de 2013, caderno DIREITO & JUSTIÇA, página principal).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal O TEMPO Belo horizonte, edição de 8 de novembro de 2013, caderno O.PINIÃO, página 20, de autoria de LEONARDO BOFF, que é filósofo e teólogo, e que merece igualmente integral transcrição:

“Duas forças em tensão: a autoafirmação e a integração
        
         Biologicamente, nós, humanos, somos seres carentes (mangelwesen). Não somos dotados de nenhum órgão especializado que nos garanta a sobrevivência ou nos defenda dos riscos, como ocorre com os animais.
         Tal verificação nos obriga a continuamente garantir a nossa vida, mediante o trabalho e a inteligente intervenção na natureza. Desse esforço nasce a cultura que organiza de forma mais estável as condições infraestruturais e também humano-espirituais para vivermos em sociedade.
         Assim, vigoram duas forças: a autoafirmação e a integração. Elas atuam sempre em conjunto, num equilíbrio difícil e sempre dinâmico.
         Pela força da autoafirmação, cada ser entra em si mesmo, defendendo-se contra todo tipo de ameaças contra sua integridade e sua vida. Ninguém aceita morrer. Essa força explica a persistência e a subsistência do indivíduo.
         Precisamos, nesse ponto, superar totalmente o darwinismo social, segundo o qual somente os mais fortes triunfam e permanecem. O sentido da evolução é permitir que todos os seres, também os mais vulneráveis, expressem virtualidades latentes dentro da evolução.
         Pela segunda força, a da integração, o indivíduo se descobre envolto numa rede de relações, sem as quais, sozinho, não viveria nem sobreviveria. Assim, todos os seres são interconectados e vivem uns pelos outros, com os outros e para os outros.
         O universo, os reinos, os gêneros e as espécies e também os indivíduos humanos se equilibram entre essas duas forças. Mas esse processo não é linear e sereno. Ele é tenso e dinâmico. O equilíbrio de forças nunca é um dado, mas um feito a ser alcançado todo o momento.
         É aqui que entra o cuidado responsável. Se não cuidarmos, pode prevalecer a autoafirmação do indivíduo à custa de uma insuficiente integração. E então predomina a violência e a autoimposição ao preço do enfraquecimento e até anulação do indivíduo. O cuidado aqui se traduz na justa medida e na autocontenção para não privilegiar nenhuma dessas forças.
         Efetivamente, na história social humana, surgiram sistemas que ora privilegiam o eu, o indivíduo, seu desempenho, sua capacidade de competição e a propriedade privada, como é o caso da ordem capitalista, ora prevalece o nós, o coletivo, a cooperação e a propriedade social, como foi o caso do socialismo real que foi ensaiado na União Soviética e ainda persiste, em parte, na China.
         A exacerbação de uma dessas forças em detrimento da outra leva a desequilíbrios, conflitos e tragédias sociais e ambientais. Com referência ao meio ambiente, tanto o capitalismo quanto o socialismo foram depredadores e pioraram as condições de vida da maioria das populações. Em ambos os sistemas, o cuidado responsável desapareceu para dar lugar à vontade de poder.
         Qual é o desafio dirigido aos ser humano? É o cuidado responsável de buscar o equilíbrio construído conscientemente e fazer dessa busca um propósito. Essa missão distingue os seres humanos dos demais seres. Só ele pode ser um ser ético. Ele pode ser hostil à vida, colocar-se, como indivíduo dominador, sobre as coisas. Mas pode ser também o anjo bom que se sente integrado na comunidade de vida. Depende de seu empenho manter o equilíbrio entre a autoafirmação e a integração num todo e não permitir que forças dilaceradoras dirijam a história.
Por ser ético, coloca-se ao lado daqueles que têm dificuldades em se autoafirmar e assim sobreviver e impedir uma integração que destrói as individualidades em nome de um coletivo amorfo. Eis uma síntese sempre a ser construída.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem (a propósito, recentemente, ao proferir aula magna no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carmem Lúcia, disse que “ninguém suporta mais a corrupção no Brasil...”); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação: turismo; cultura, esporte e lazer; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...

  

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