Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de14 de junho
de 2014, caderno PENSAR, página 2,
coluna OLHAR, de autoria de JOÃO PAULO, editor
de Cultura, e que merece integral transcrição:
“Quem
tem medo do povo?
Todo mundo sabe o que é
democracia. Mas nem todos sabem da mesma maneira. Conceito amplo, capaz de
abranger desde o regime político até a forma como o poder é exercido, a
democracia tem ainda muitas tensões internas. E é exatamente isso o que torna a
palavra ainda mais rica e sua prática mais estimulante.
Há a
democracia substantiva e a democracia adjetiva; a primeira estabelece uma forma
de governo, a segunda qualifica suas ações. Há, no interior da democracia, um
polo que aponta para a ordem, com sua tradução em normas universais e
republicanas; e outro que indica o conflito, com seu desejo por mais direitos e
reforma permanente das instituições.
No
sentido talvez mais próximo do cidadão, existe a democracia representativa e a
democracia direta. Enquanto a primeira estabelece que algumas pessoas,
escolhidas pelo voto, farão valer suas vontades no âmbito dos negócios públicos
(da criação de leis à fiscalização do exercício do poder), a segunda cria
instâncias em que o próprio indivíduo ou grupos de interesses atuam diretamente
nas questões referentes à vida pública.
A
representação é um princípio de realidade nas sociedades complexas (não se pode
chamar todas as pessoas à praça pública para resolver as questões atinentes à
vida social); a participação é a garantia de que o vínculo com a sociedade e as
pessoas não se perca. Um lado alimenta o outro e o faz funcionar. Os dois,
conjuntamente, respondem pelo princípio maior da democracia, como está escrito
na Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
A
polêmica recente em torno do Decreto 8.243, que institui a Política Nacional de
Participação Social (PNPS), se alimenta exatamente na incompreensão desse duplo
vínculo definido na Carta Magna: somos uma democracia que mescla representação
e participação. Se um dos lados falha, o outro se exacerba; sem a ação
combinada dos dois o conjunto fica mais pobre.
No
entanto, o que se tem visto é um jogo duro contra o decreto, por um lado, e uma
ausência de defesa por outro. Para certos setores, ele limita os poderes do
Congresso, abre flanco para o corporativismo e aparelhamento do Estado. Por
outro lado, quem sempre teve a participação popular como instrumento
prioritário de exercício da política não parece ter se empolgado com o decreto,
mesmo no que ele aponta de garantia legal para ações que vêm sendo constituídas
ao longo dos anos, com a rica experiência dos conselhos, das conferências, das
ouvidorias e dos orçamentos participativos.
Dando
nome aos bois, a oposição critica tudo na medida: da sua forma de instituição
(o decreto, como se não fosse algo constitucional) ao conteúdo, atacando
falsamente a PNPS como um avanço ilegítimo sobre o poder da representação. Do
lado das próprias organizações populares há um silêncio que parece constrangido
em razão de outras possíveis estratégias pensadas para o campo político,
sobretudo o plebiscito sobre a Constituinte exclusiva para a reforma política.
A
chamada grande imprensa, de forma quase unânime e vazada pelos mesmos
argumentos, detonou o decreto, dando a ele um caráter de oportunismo
eleitoreiro. Outra linha de combate foi o deslizamento, recheado de má-fé, que
enxerga num instrumento, que decorre diretamente da Constituição, o desvio em
direção a outros realidades políticas. Assim, o PNPS foi traduzido como sendo a
égide dos “conselhos populares”, quando não a ponta de lança do bolivarianismo
venezuelano no país. Pura paranoia e ignorância sociológica.
Parece
que o decreto não foi lido. O que ele estabelece é, na verdade, um
aprofundamento da democracia direta no Brasil, não a sua criação. Menos ainda o
avanço sobre o terreno do Legislativo, que será parceiro imediato e necessário
em sua regulamentação. A realidade da participação direta na democracia
brasileira é histórica e legal, desde 1988, mas precisa ser impulsionada em razão
da nova conjuntura política e, até mesmo, dos instrumentos de intervenção na
agenda pública que não existiam na época da promulgação da Constituição
Federal, como a rica e complexa agitação dos meios virtuais.
Os
conselhos municipais, estaduais e nacional e suas conferências, em diversos
setores, vêm mostrando que há um rico tecido participativo organizado, que
soube intervir na elaboração, deliberação e acompanhamento das políticas em
vários setores, como saúde, assistência social e juventude, por exemplo. No
entanto, mesmo regulamentos e ativos, esses instrumentos não dão conta de todo
o potencial de participação exigido pela democracia contemporânea. O cenário,
como todos sabem, é de crise de representação.
AVANÇO
E POLÊMICA É sempre curioso o jogo finório que se
estabelece quando se analisam as crises. Os movimentos de junho, que completam
um ano, deixaram poucas unanimidades entre os intérpretes – já que todos
quiseram se assenhorear de sua força e se afastar de seus aspectos mais
polêmicos –, entre elas, com certeza, a ideia de que a política tradicional
“não nos representa”. No entanto, bastou cogitar em reforma política para que a
máquina do mundo, como no poema de Drummond, se fechasse ao engenho das
mudanças.
Crise
de representação, um fenômeno mundial, tem muitas origens, desde o esgotamento
das formas convencionais da política frente à globalização e aos efeitos da
comunicação em rede até a nova ruptura psicológica do cidadão, que teve seu
tempo político acelerado. Ninguém quer saber mais de esperar a próxima eleição,
há um sentido real de urgência que cobra mudanças em ciclos menores, de acordo
com as demandas apresentadas pelas pessoas e grupos em processo permanente de
ampliação de direitos.
Além
disso, há um descompasso cada vez maior entre o que o cidadão deposita com seu
voto e o resultado da atuação do político de seu representante. Mesmo supondo
que há uma identidade ideológica madura em torno das grandes questões, há temas
que fogem a esse padrão, exigindo respostas mais ágeis, que vão além da
temporalidade do jogo político.
Em
algumas situações, a representatividade é colocada em segundo plano em razão de
pressões mais diretas, que não estão previstas no jogo político. Um bom exemplo
foi o afastamento do deputado Marcos Feliciano da presidência da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. A cidadania ativa não pode esperar o
cronos tinhoso e manhoso dos arranjos partidários. Há valores igualmente
democráticos e muito mais urgentes em jogo. A nova proposição é a seguinte: a
sociedade deve pautar a agenda política, não ser pautada por ela.
O que
o decreto que institui a Política Nacional de Participação Social propõe é um
diálogo respeitoso entre o Estado e as várias instâncias da sociedade
organizada. É também bastante curioso que uma das linhas de oposição parta
exatamente da negação de legitimidade da participação social. Assim, a mesma
sociedade que se diz democrática, porque tem cidadãos participantes, discrimina
o ativismo desde que não venha do momento eleitoral, que emite um cheque em
branco resgatável em quatro anos.
De uns
tempos para cá, sociedade civil organizada passou a ser vista com desconfiança,
longe do otimismo nela depositado no período de luta contra a ditadura e
transição democrática. Duvida-se de sua honestidade, formas de financiamento,
condução, presença ideológica dominante, capacidade de aparelhar interesses de
minorias, corporativismo. Nada menos democrático. Desconhecer o potencial das
organizações populares é fechar canais de negociação e ampliação dos interesses
da sociedade.
De
acordo com o decreto, haverá um incentivo para que as instâncias de governo
criem formas de diálogo e presença da sociedade na definição das ações que
dizem respeito a cada setor. A forma como a atuação dos cidadãos, ONGs,
conselhos, movimentos, coletivos e outras organizações vão ser incorporadas ao
processo passa pela regulamentação legislativa. Não há subordinação ou
substituição de funções, mas complementaridade. No âmbito da sociedade
organizada, o desafio é exatamente ampliar seu potencial de representatividade
e legitimidade. Todos vão precisar amadurecer e melhorar. Vai dar trabalho.
Por
fim, há que se reconhecer a incapacidade parlamentar em torno de certos temas,
que representam interesses muito fortes do sistema hegemônico, e que
capitalizam recursos para a eleição de parlamentares em todas as instâncias.
Bancadas de ruralistas e de representantes de construtoras e mineradores, por
exemplo, serão sempre impermeáveis a medidas que firam seus interesses de
origem, como reforma agrária, controle de transgênicos e agrotóxicos,
autorização para mineração em terras indígenas ou de preservação, apoio à
mudança da matriz energética e de transporte no país, entre outras. Nesses
casos, a intervenção terá que vir da sociedade, por meio de confronto ou de
campos sistemáticos de negociação, como previstos no decreto.
Para
os acusadores da inspiração venezuelana, basta consultar o edifício político de
países insuspeitadamente liberais, como Estados Unidos, Inglaterra e França,
para identificar suas formas próprias de incorporação da participação popular
na definição e acompanhamento de projetos de interesse público. São ideias bem
diferentes das expressas no decreto brasileiro, mas que mostram a mesma
preocupação com a proximidade do controle do cidadão, além das instâncias do
Legislativo.
Para
quem acha que o decreto é perigosamente esquerdista, talvez fosse bom ir à
fonte. Ao contrário do que muita gente pensa, Marx sempre desconfiou do Estado
sem a seiva da sociedade. Para ele, havia uma falta de conexão entre as duas
instâncias: as pessoas eram abstratamente iguais, mas viviam situações
absolutamente desiguais no dia a dia. O grande objetivo do pensador era acabar
com esse abismo entre política e vida. Para isso, era preciso que as pessoas,
homens e mulheres, reivindicassem na prática o que o Estado lhes tirava a todo
momento. O nome que ele deu a essa fusão de vida e política foi democracia. Não
seria muito diferente do conceito de um liberal empedernido que, como Marx,
assinaria embaixo da seguinte afirmação: a vida vem sempre em primeiro lugar.
Para
quem pensa que participação política é festa, da qual apenas a minoria de
esquerda conhece a fórmula, aqui vai a má notícia. Democracia dá trabalho,
cobra presença, disputa de ideias e projetos. Acima de tudo, honestidade de
propósitos e organização. O limite do Decreto 8.243 não é seu objeto – a
presença da sociedade nas ações de Estado –, mas sua eficácia. Só vai dar certo
se a democracia passar a fazer parte do DNA do brasileiro. Pelas reações da
direita e descaso da esquerda, a tarefa é árdua.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais,
jurídicas,políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados; II – a corrupção, como
um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando
incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (por exemplo, a
construção de uma refinaria de petróleo, com previsão de custo inicial de R$ 5
bilhões, e disponibilidade de sofisticadas tecnologias, caminhar para um custo final superior a R$ 40
bilhões; apenas a diferença, a grosso modo, equivaleria à construção de não
apenas doze mas vinte e sete arenas...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar
inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional;
assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional;
segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística;
pesquisa e desenvolvimento; ciência tecnologia e inovação; cultura, esporte e
lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático
e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade,
economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e
solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas,
oportunidades e potencialidades com todas
as brasileiras e com todos os
brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários
previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016;
as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...
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