terça-feira, 30 de setembro de 2014

A CIDADANIA, O APAGÃO DA AUTORIDADE E AS ELEIÇÕES COM FOCO NOS POBRES




“Apagão da autoridade
        A multiplicação dos crimes em família tem deixado a opinião pública em estado de choque. Paira no ar a mesma pergunta que Fellini pôs na boca de um dos personagens do seu filme Ensaio de orquestra, quando, ao contemplar o caos que tomara conta dos músicos depois da destruição do maestro, pergunta perplexo: “Como é que chegamos a isto?”. A interrogação está subjacente nas reações de todos nós, caros leitores, que, atordoados, tentamos encontrar resposta para a escalada de maldade que tomou conta do cotidiano.
         A tragédia que tem fustigado algumas famílias aparece tingida por marcas típicas da atual crônica policial: uso das drogas, dissolução da família e crise de autoridade. Não sou juiz de ninguém, mas minha experiência profissional indica a presença de um elo que dá unidade aos crimes que destruíram inúmeros lares: o esgarçamento das relações familiares. Há exceções, é claro. Desequilíbrios e patologias independem da boa vontade de pais e filhos. A regra, no entanto, indica que o crime hediondo costuma ser o dramático corolário de um silogismo e da ausência, sobretudo paterna. A desestruturação da família está, de fato, na raiz da tragédia.
         Psiquiatras, inúmeros, tentam encontrar explicações nos meandros das patologias mentais. Podem ter razão. Mas nem sempre. Independentemente dos possíveis surtos psicóticos, causa imediata de crimes brutais, a grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: a desumanização das relações familiares. O crime intra e extralar medra no terreno fertilizado pela ausência.O uso das drogas, verdadeiro estopim da loucura final, é, frequentemente, o resultado da falência da família.
         A ausência de limites e a crise da autoridade estão na outra ponta do problema. Transformou-se o prazer em regra absoluta. O sacrifício, a renúncia e o sofrimento, realidades inerentes ao cotidiano de todos nós, foram excomungados pelo marketing do consumismo alucinado. Decretada a demissão dos limites e suprimido qualquer assomo de autoridade – dos pais, da escola e do Estado –, sobra a barbárie. A responsabilidade, consequência direta e imediata dos atos humanos, simplesmente evaporou. Em todos os campos. O político ladrão e aético não vai para a cadeia. Renuncia ao mandato. O delinquente juvenil não responde por seus atos. É “de menor”.
         A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm gerado uma onda de superpredadores. Gastamos muito tempo no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas. O saldo é uma geração desorientada e vazia. O inchaço do ego e o emagrecimento da solidariedade estão na origem de inúmeras patologias. A forja do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. A pena é que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio.
         O pragmatismo e a irresponsabilidade de alguns setores do mundo do entretenimento estão na outra ponto do problema. A valorização do sucesso sem limites éticos, a apresentação de desvios comportamentais num clima de normalidade e a consagração da impunidade têm colaborado para o aparecimento de mauricinhos do crime. Apoiados numa manipulação do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas da televisão crescem à sombra da exploração das paixões humanas.
         As análises dos especialistas e as políticas públicas esgrimem inúmeros argumentos politicamente corretos. Fala-se de tudo. Menos da crise da família e da demissão da autoridade. Mas o nó está aí. Se não tivermos a coragem e a firmeza de desatá-lo, assistiremos a uma espiral de crueldade sem precedentes. É só uma questão de tempo. Já estamos ouvindo as primeiras explosões do barril de pólvora. O horror dos lares destruídos pelo ódio não está nas telas dos cinemas. Está batendo às portas das casas de um Brasil que precisa resgatar a cordialidade e a tolerância.”

(CARLOS ALBERTO DI FRANCO. Doutor em comunicação pela Universidade de Navarra (Espanha), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 29 de setembro de 2014, caderno OPINIÃO, página 7).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 12 de setembro de 2014, mesmo caderno e página, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Os pobres e as eleições
        A propaganda eleitoral, produzida com a finalidade cidadã de dar a conhecer perfis de candidatos, suas propostas e programas, apresenta-se como um gênero de pouca qualidade formativa, sem entrar no mérito dos recursos  tecnológicos, técnicas de comunicação, cenários atrativos e criativos. O infrutífero discurso de ataques recíprocos contribui menos ainda. Não é nobre tentar convencer o eleitorado a partir da desconstrução da imagem do adversário. No entanto, trata-se de uma prática muito comum que revela mediocridades. O mundo digital tem facilitado esse tipo de conduta, que é, no mínimo, antiética. A internet é, muitas vezes, utilizada como esconderijo de pessoas que não têm coragem de se revelar publicamente e, na comodidade do anonimato, sentem-se no direito de fazer críticas e acusações, mesmo que infundadas. Os novos ambientes que surgem com as tecnologias de comunicação, neste aspecto, tornam-se refúgio dos que evitam o “frente a frente” e dos que são incapazes de exercer a nobreza da escuta.
         Não é raro ver gente de diferentes idades, no mundo virtual, falando mal dos outros, mesmo sem conhecer processos, esforços e realidades. De fato, é muito fácil ficar repetindo, “como papagaio”, frases alheias. Mas quem o faz, sem refletir, se enquadra em parâmetros medíocres, principalmente quando se acha no direito de julgar e atacar os outros. Vale sempre perguntar onde se vai chegar com essa dinâmica. O universo digital permite grandes mudanças e acelera o ritmo da vida. Exige de todos uma postura mais consciente, pois está em jogo o modo de aproximar-se da verdade. A truculência imoral de crescer porque desprestigiou o outro, sustentando inverdades, é contramão de um caminho construtivo. De certo modo, quem o faz indica que todos os nomes submetidos ao sufrágio das urnas, exceto o seu, são inadequados. Prioriza-se um discurso depreciativo para indicar que o outro é pior.
         Essas práticas viciam não somente o cenário eleitoral, mas também as relações construtivas entre pessoas, famílias e instituições. O mais grave de tudo isso é priorizar discursos de autopromoção e de desqualificação dos outros, em detrimento às ações que realmente contribuam para o exercício da cidadania. Esses vícios e mediocridades, comuns à prática política vigente, produzem o resultado que interessa apenas a quem se candidata e, a qualquer preço, busca vencer as eleições. Certamente, o país e, especificamente, o cidadão ganhariam mais com uma política qualificada por discussões propositivas, pela abordagem de questões com mais profundidade. Alcançar este estágio exige ainda um longo percurso cidadão e novos passos na construção da sociedade.
         Não é fácil enxergar frutos que nascem desses discursos que se resumem à autopromoção, distantes da inegociável modéstia e do indispensável reconhecimento dos próprios limites. Eles formam uma grande mistura que obscurece o que de fato está acontecendo. Trazem prejuízos às escolhas que precisam ser resultado de um amadurecido discernimento social e político. Fortalecem a preguiça que enfraquece a cidadania, base para escolhas feitas por impulsos, simpatias que não cabem mais em política e outros vetores que não qualificam o processo eleitoral. Talvez, também por isso, qualquer um sente-se encorajado a se candidatar, mesmo sem propostas concretas.
         Neste cenário desafiador, examinando a propaganda eleitoral, em meio ao “tiroteio” de uma ladainha de promessas, muitas inexequíveis, vale observar o que, no discurso dos candidatos, indica compreensão humanística e antropológica sobre o compromisso com os mais pobres. Não se trata das falas demagógicas. Incontáveis promessas são feitas para o âmbito da economia – seu funcionamento, reformas, intervenções.Nessas falas, vale examinar e tentar encontrar sinais de sensibilidade, dos partidos e políticos, sobre a condição dos mais pobres. Aos políticos, essas indicações não devem ser mecanismo marqueteiro para conquistar simpatia de grandes camadas carentes da população. Precisam sinalizar estratégias e inteligência comprovada para mudar os cenários vergonhosos de exclusão social e superar problemas graves que se arrastam ao longo de tanto tempo.
         Todos reconhecem a necessidade de mudanças nos complexos funcionamentos e mecanismos da economia, da infraestrutura, educação, saúde. Contudo,  é determinante – e deve ser um critério forte na escolha para votar – a adequada compreensão antropológica dos pobres, sem a qual não será possível a construção das esperadas propostas para todos esses campos. A opção preferencial pelos pobres, ensinada nos evangelhos, faz parte da fé cristã. Mas ainda falta muito para ser também a opção preferencial de candidatos, executivos, gestores, governantes. Assumi-la corajosamente é uma indispensável saída para qualificar a política, dar velocidade às mudanças necessárias, corrigir injustiças e cultivar o gosto pela solidariedade. A sociedade brasileira espera isso dos políticos e ainda não se vê efetivamente contemplada com as propostas. Exige-se a preferência dada aos pobres para gerar efetivas políticas emancipatórias, e não apenas compensatórias. Só assim as eleições trarão resultados novos, abrindo caminhos para inovações sociais, políticas e na gestão.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável, sem eufemismos e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis (a propósito,  estudo feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que no ano passado tramitaram 95,1 milhões de processos, sendo que 66,8 milhões – 70% deles – já estavam acumulados, e 28,3 milhões foram de novos processos...);

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...    

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