quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A CIDADANIA, A BUSCA DE UM NOVO SONHO, O AMOR E A CIVILIZAÇÃO

“Sonho do homem branco é criar a ilusão de felicidade fácil
        A crise econômico-financeira que está afligindo grande parte das economias mundiais criou a possibilidade  de os muito ricos ficarem tão ricos como jamais na história do capitalismo, logicamente à custa da desgraça de países inteiros, como a Grécia.
         Ladislau Dowbor, professor de economia da PUC-SP, resumiu um estudo do famoso Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH) que mostra como funciona a rede do poder corporativo mundial, constituída por 737 atos principais que controlam os principais fluxos financeiros do mundo, especialmente ligados aos grandes bancos e a outras imensas corporações multinacionais. Para esses, a atual crise é uma incomparável oportunidade de realizar o sonho maior do capital: acumular de forma cada vez maior e de maneira concentrada.
         O capitalismo realizou até agora seu sonho, possivelmente o derradeiro. Atingiu o teto extremo. E depois do teto? Ninguém sabe. Mas podemos imaginar que a resposta virá não de outros modelos de produção e consumo, mas da própria Mãe Terra, que, finita, não suporta mais um sonho infinito. Ela está dando claros sinais antecipatórios. Precisamos estar atentos, pois os eventos extremos que já vivenciamos apontam para eventuais catástrofes ecológico-sociais ainda na nossa geração.
         O pior disso tudo é que nem os políticos, nem parte da comunidade científica e mesmo da população se dão conta dessa perigosa realidade. Ela é tergiversada ou ocultada, pois é demasiadamente antissistêmica. Obrigar-nos-ia a mudar, coisa que poucos almejam.
         Falta-nos um sonho maior que galvanize as pessoas para salvar a vida no planeta e garantir o futuro da espécie humana. Morrem as ideologias. Envelhecem as filosofias. Mas os grandes sonhos parmanecem.
         Agora entendemos a pertinência das palavras do cacique pele-vermelha Seattle dirigidas ao governador Stevens, do Estado de Washington, nos Estados Unidos, em 1856, quando este forçou a venda das terras indígenas aos colonizadores europeus. O cacique não entendia por que pretendiam comprar a sua terra. Pode-se comprar ou vender a aragem, o verdor das plantas, a limpidez da água cristalina e o esplendor das paisagens? Para ele, tudo isso é terra, e não o solo como meio de produção.
         Nesse contexto, ele reflete que os peles-vermelhas compreenderiam o porquê da civilização dos brancos “se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que este transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, e quais visões de futuro oferece para o dia de amanhã”.
         Qual é o sonho dominante de nosso paradigma, que colocou o mercado e a mercadoria como eixos estruturadores de toda a vida social? É o triunfo do materialismo refinado que coopta até o espiritual. É enganação para criar a ilusão da felicidade fácil.
         Mesmo assim, por todas as partes surgem grupos portadores de nova reverência para com a Terra. Inauguram comportamentos alternativos, elaboram novos sonhos de um acordo de amizade com a natureza e crêem que o caos presente não é só caótico, mas generativo de um novo paradigma de civilização, que eu chamaria de “civilização de religação”, sintonizada com a lei mais fundamental da vida e do universo, a panrelacionalidade, a sinergia e a complementaridade.
         Então, teríamos feito a grande travessia para o realmente humano, amigo da vida e aberto ao mistério de todas as coisas. Ou mudamos, ou seguiremos por um triste caminho sem retorno.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 21 de novembro de 2014, caderno O.PINIÃO, página 18).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 22 de novembro de 2014, caderno PENSAR, página 3, de autoria de HENRI KAULFMANNER, psiquiatra, psicanalista, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e diretor do 20º Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, e que merece igualmente integral transcrição:

“Amor e civilização
        Em 1932, Albert Einstein escreveu a Sigmund Freud para que este lhe ajudasse a entender quais as razões para a beligerância entre as nações e, quem sabe, a partir desse entendimento, apontar soluções. Em resposta ao físico, Freud esclarecia que a violência é um fato da própria condição humana. Ele dizia que a violência somente era suplantada pela união dos indivíduos e a lei, como consequência, seria a representação do poder desses que se uniam.
         A lei sustentaria então a força da comunidade resultante dessa união, de tal forma que ela própria carregaria em si a violência, pronta a se dirigir contra qualquer indivíduo que se voltasse contra essa força. A própria lei seria, assim, violenta.
         As leis, segundo Freud, teriam sido criadas para evitar um recrudescimento da violência por parte dos indivíduos, sobrepondo-se ao poder dos que se uniam. Já as instituições seriam as responsáveis por zelar pelos interesses comuns que as leis representavam. A manutenção dos interesses comuns levaria a vínculos emocionais entre os membros da comunidade, sendo esta, segundo Freud, a verdadeira fonte de sua força. Os interesses comuns podemos chamar de ideais e estes ideais coletivos consistiriam a matriz simbólica dos laços entre os indivíduos.
         Este é, reduzido a poucas palavras, o modelo freudiano para a civilização. A violência do homem, contida pelas leis também em si mesmas violentas, mas sustentadas pelos ideais civilizatórios. A correspondência entre Freud e Einstein ficou conhecida com o título de “Por que a guerra”, e a eclosão da Segunda Guerra Mundial permite bem perceber o insucesso de Einstein em seus esforços.
         Nesses últimos, comemoram-se os 25 anos da queda do Muro de Berlim e o mundo dos sonhos que parecia se anunciar com o aparente fim da divisão representada por aquele muro não se concretizou. O mundo continua dividido, violento, mas – e isto nos interessa muito – a violência de nossos dias se mostra diferente daquela que tanto afligia Einstein.
         Hoje em dia, não há como contestar que a violência é uma presença insistente em nossa vida cotidiana. É inevitável deparar-se com ela, seja por experiência direta, seja pelo relato de alguém que nos é próximo, seja por sua onipresença nas mídias mais diversas Tal realidade, contudo, seria o bastante para nos permitir afirmar que vivemos em um mundo mais violento?
         Seria o Brasil, hoje, mais violento que aquele dos nossos colonizadores, que exterminaram boa parte da população indígena que aqui habitava? Ou ainda: seríamos hoje mais violentos que no tempo em que a escravidão era a ordem da sociedade, mantida sob o peso da chibata?
         A resposta de Freud a Einstein e o modelo civilizatório que nela se delineia permite-nos refletir sobre as particularidades da violência em nossos dias, não pela escala de intensidade, mas pela forma diferenciada em que esta se apresenta. A grande diferença deste mundo violento para o de outrora – e em nosso país isso se mostra de maneira bem evidente – é a percepção de que a violência deixou de ser um assunto de nações, um privilégio de Estado, para se tornar uma prática privada. Não são mais os ideais coletivos que estão em cena.
         Não há como perceber que a violência hoje em dia não somente é disseminada, como também não encontra nas leis e nas práticas de contenção qualquer regulação. Ela se apresenta em cenas corriqueiras, como num desentendimento no trânsito, um desencontro em um bar, nas escolas, nos espaços da vida privada e, de forma mais brutal, no latrocínio, nas gangues, nas milícias, no tráfico de drogas e, por que não, nas chamadas torcidas organizadas dos times de futebol.
         É em torno dessa nova realidade da violência que os psicanalistas da Escola Brasileira de Psicanálise se reúnem em Belo Horizonte para o seu 20º Encontro Brasileiro do Campo Freudiano. Com o tema “Trauma nos corpos, violência nas cidades”, interessa-nos discutir em que a invenção freudiana, a partir dos avanços do ensino de Lacan, nos permite pensar, enquanto psicanalistas, caminhos para essa difícil realidade que afeta dos nós.
         Os psicanalistas há muito não se restringem a seus consultórios. Eles hoje estão presentes nos serviços de saúde mental da rede pública, nos hospitais, nas instituições da defesa social, nas escolas, nos presídios, nas ruas. Tal presença se faz a partir da responsabilidade ética com nossa prática e com nossa experiência, que acreditamos que pode contribuir muito no enfrentamento de problemas que afetam a sociedade.
         Para a psicanálise, a forma contemporânea da violência está intimamente ligada ao tratamento que se dá aos corpos em nosso tempo, mais especificamente, o tratamento que se dá ao que chamamos o corpo traumatizado. O corpo para a psicanálise não é um amontoado biológico e, portanto, unicamente natural, regido por hormônios e neurotransmissores. O corpo é afetado, traumatizado pela palavra e, consequentemente, desnaturalizado.
         Diferentemente do filhote animal, que ao nascer, conduzido por seu instinto, já se dirige ao úbere materno, ao filhote humano resta o choro e seus gritos como único recurso ao mal-estar de sua precária existência. E é na expressão desse mal-estar que se apoia o apelo à sua própria sobrevivência. De tal forma dependente do outro, o filhote humano tem seu corpo marcado pelas falas e cuidados deste que lhe acolhe. E nesse caminho criado na relação com o outro, seu corpo vai, pelo resto de sua vida, buscar de forma incessante e imperativa uma satisfação, um alívio para seu mal-estar estrutural, aquilo que a partir de Lacan chamamos de gozo.

MAL-ESTAR Sobre essa satisfação, essa busca que se eterniza em sua existência, o ser humano não tem o menor controle. Foi o encontro com esse outro em cada um de nós que permitiu a Freud a invenção da psicanálise. O ser humano, que da fala extrai sua condição de humano, tem assim com seu corpo uma relação de exterioridade e, por isso, não o somos, nós o temos. Tal singularidade humana tem como efeito uma relação de estranhamento com o próprio corpo, que passa a ser afetado pelas falas que recebe desde seus primórdios, um corpo que busca sempre se satisfazer.
         Essa exterioridade com a natureza é emblematicamente denunciada pelas diversas formas que o mal-estar se apresenta contemporaneamente, como, por exemplo, em nossos problemas com a ecologia. Assim como destrói a natureza, o homem atua sobre os corpos, mais além de sua natureza, sempre na busca imperativa de satisfação. Daí a afirmação tão aceita de que o ser humano é o único animal que mata por prazer.
         Esse é o trauma fundante do humano e que nos coloca tensionados pelas demandas deste corpo, que não se sacia jamais. Há em cada um de nós um outro, que Freud chamou de inconsciente, mas que bem diferente do que pode parecer, não se trata de uma memória, mas de um corpo traumatizado, sexualizado e que busca incessantemente uma satisfação que, como vindo de um outro em nós mesmos, não de provocar estranhamento, conflitos e mal-estar.
         Se anteriormente a demanda insaciável dos corpos podia ser temperada pelas leis, em função dos ideais coletivos que as sustentavam, o que vemos proliferar hoje é aquilo que alguns escolheram nomear como individualismo de massa. Hoje, a satisfação de cada um, distinto do que Freud então anunciava, não se contém pela lei ou pelos vínculos. O mal-estar de nosso tempo não se trata mais pela civilização, pelo menos não como anteriormente.
         O avanço do mundo do consumo, com todos os seus recursos tecnológicos, e a redução de todos à igualdade aparentemente democrática do consumidor, esforça-se em reduzir cada sujeito ao que ele pode em seu direito de consumir. O mundo da técnica e os objetos que produz oferecem a cada um a sua droga lícita ou ilícita, sua cirurgia, seu telefone, seu computador, uma infinidade de produtos apoiados no direito ao consumo e na ilusão do gozo acessível, desde que comprado – e comprar é um direito que nos faz iguais.
         Cada um busca sua própria satisfação, sua vitória sobre o mal-estar do corpo traumatizado, pela ilusão do consumo do produto, gadget contemporâneo, cada vez mais talhado para servir a cada um. O mundo se vê habitado em massa por indivíduos que buscam, naquilo que o consumo lhes oferece, sua satisfação, seu gozo. Constrói-se assim um mundo onde de cada um se faz um walking dead, cuja busca de satisfação não encontra limites na dor, nas formas de violência, e atua diretamente sobre os corpos, seja o próprio seja o do outro.
         O toxicômano  é a expressão máxima dessa lógica e não há, portanto, que se assustar com a sua prevalência nos dias de hoje. Ele simplesmente traz exposto em seu corpo o modo contemporâneo que a sociedade do consumo nos oferece para viver.
         Provocados pela perplexidade diante dessa realidade, vimos surgir novas formas de segregação, como se nos livrando da diferença do outro pudéssemos por magia nos livrar da diferença que insiste em nós mesmos e que não cessa em nos cobrar a sua cota. Aparecem as agressões, as práticas violentas, as propostas de redução da maioridade penal, as internações compulsórias, as diversas formas de racismo ou os sonhos da volta de uma ditadura, como se um reforço das leis e da contenção pudessem domar a dispersão de nosso tempo. As propostas violentas, na medida em que não se apoiam mais em ideais coletivizados, produzem apenas respostas violentas. Assistimos a isso todos os dias.
         A psicanálise se oferece nesse momento como um parceiro que tem a partir de seu campo de saber uma experiência e uma prática que nos permitem sustentar a aposta em um caminho diferente.
         É possível inventar variáveis para uma relação menos devastadora com estes corpos traumatizados. É preciso criar espaço para as diferenças de cada um a partir do sintoma de cada um, sem que para isso sejam necessárias intervenções sedativas ou segregadoras.
         Somos convictos de que um novo laço, um novo vínculo emocional pode ser construído entre os indivíduos, desde que haja lugar para o singular de cada um, que cada um, suportando sua própria diferença, horrorize-se menos com a diferença do outro e possa assim suportar esta diferença, sem o imperativo de fazer do outro um igual.
         Num mundo sem grandes ideias ou ideais, a diversidade sustentada na absoluta diferença de cada um pode abrir espaço para um novo amor, bem mais civilizatório. Um amor da diferença.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade – “dinheiro público versus interesses privados” –, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

O BRASIL TEM JEITO!...

           

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