“Quem
é o “galo” da escola?
O que leva as escolas a
ensinar aquilo que ensinam? Qual é o motivo de termos currículos que se
diferenciam de uma escola para outra? Utilizaremos o termo currículo, pois ele
carrega a bonita ideia de um percurso educacional, “um conjunto contínuo de
situações de aprendizagem às quais um indivíduo vê-se exposto ao longo de um
dado período, no contexto de uma instituição de educação formal”, conforme
definição do sociólogo da educação Jean-Claude Forquin.
A Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 1996), ao delegar aos sistemas de ensino
a competência de montar seus currículos, possibilitou vários arranjos, além de
não prescrever a quantidade de aulas para cada disciplina. Ela estabelece
algumas obrigatórias, abre espaço para uma parte diversificada e, no mais, são
diretrizes e parâmetros.
Sabemos
que a configuração dos currículos se altera de acordo com os interesses de uma
dada sociedade, em razão de disputas corporativistas ou pelos valores que a
comunidade elege. Dessa forma, é bom deixar claro que o formato final de um
currículo não é algo apenas técnico, mas também envolve muitas disputas que
passam pela visão de mundo e de educação dos sujeitos envolvidos.
No
Brasil, a partir de 2009, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ganha força
ao se tornar um mecanismo de seleção para o ingresso no ensino superior e, com
isso, passa a ser, indiretamente, uma referência e dispositivo regulador
daquilo que as escolas irão ofertar aos seus estudantes. A meu ver, estamos
diante de um sismo pedagógico, que vem provocando algumas sutis movimentações
em que alguns saberes ganham ou perdem espaços.
Forquin
alerta para o fato de que geração, cada “renovação” da pedagogia e dos
programas, são partes inteiras da herança que desaparecem daquilo que ele chama
de memória escolar. Nesse movimento, novos elementos surgem, novos conteúdos e
novas formas de saber. Então é importante estarmos atentos a esse movimento
feito pelas escolas da educação básica. Qual o sinal que a matriz e os itens
Enem estão enviando para as escolas? Estão em consonância com aquilo que é
posto como premissa pela LDB ou pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
para o ensino médio ou ensino fundamental? Diante disso, uma grave questão se
coloca: qual parte de nossa herança cultural corre o risco de desaparecer nesse
contexto e qual dimensão ganhará espaço?
A
ameaça maior recai, como sempre, sobre aquelas disciplinas ou saberes que não
têm uma utilidade imediata, mas que estão no âmbito dos conteúdos simbólicos,
dos valores estéticos, das atitudes morais e sociais, conforme define Forquin,
“ referenciais de civilização”. Esse mesmo autor considera que toda tentativa
de se subordinar ou definição dos programas escolares a uma avaliação do grau
de utilidade social dos saberes destinados a ser ensinados teria, aliás,
implicações devastadoras. É, a meu ver, aquela crônica de Rubem Alves que conta
a história de um proprietário de granja que só pensava em lucros. Na ânsia de
otimizar a produção e diminuir gastos, mandou matar os galos “por falta de
utilidade”, afinal, eles não botam ovos!
No
contexto da abordagem que ora faço, identifico que os “galos” da escola
(aqueles que correm o risco de ter seus tempos e espaços reduzidos) são a arte
(música, teatro, canto, dança, artes plásticas, literatura, etc.), a filosofia
e a educação física (com seu enorme acervo de práticas corporais).
Curiosamente, essas “disciplinas” compõem o conjunto de possibilidades
estéticas, éticas e lúdicas de conhecer o mundo.
Da
ideia do currículo como percurso, como caminhada, somos levados ao movimento
apressado do turista que vai cumprindo de forma nervosa sua programação e
roteiro, não como alguém que frui a experiência, mas como quem precisa ir,
precisa chegar. Essa imagem, transposta para a escola, é como se a vida
terminasse na 3ª série do ensino médio. Fiquemos atentos: o tempo da rapidez,
do muito, do exagero chegou à escola. Se vivemos a época das descobertas, da
elucidação de problemas, temos que concordar com Edgar Morin, quando afirma que
“os nossos ganhos inusitados de conhecimento são pagos com ganhos inusitados de
ignorância”. Em última instância, o que justifica o empreendimento educativo é
a responsabilidade de transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como
cultura. Temos como premissa que a escola não tem o direito de desistir deste
compromisso, exceto se ela, antes, já desistiu de ser, também, escola.”
(ALELUIA
HERINGER LISBOA TEIXEIRA. Doutora em educação (UFMG), diretora do Colégio
Santo Agostinho – Contagem), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de dezembro de 2014, caderno OPINIÃO, página 7).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
29 de novembro de 2014, caderno PENSAR, página
2, de autoria de INEZ LEMOS, psicanalista,
e que merece igualmente integral transcrição:
“Raízes
psíquicas e sociais da corrupção
Qual conexão podemos
estabelecer entre a família brasileira e a cultura de corrupção que se
implantou no Brasil desde que a Coroa portuguesa aqui se instalou? O modelo de
colonização português foi de exploração e não de povoamento, como o que ocorreu
nos Estados Unidos pelos ingleses. Explorar o máximo de riquezas de forma
predatória, por meio de mão de obra africana e escrava. Desrespeitando índios,
culturas, rios e florestas. Na casa-grande, vão se instalar os donos das
terras, os coronéis e nas senzalas, os escravos. Assim nasce a cultura
brasileira, marcada pela segregação e exclusão. A desigualdade social, que
sempre fez parte do projeto civilizatório, nunca foi empecilho ou alvo de
críticas pelos defensores do desenvolvimento econômico brasileiro.
Como
repensar a corrupção que sempre dominou as grandes empresas nacionais? Furnas,
Petrobras e Vale do Rio Doce (antes da privatização) sempre foram alvos de
políticos e empresários ensandecidos pela cultura de propinas. Ao que hoje
assistimos é parte de um modelo corrupto que aqui chegou, se expandiu e que, além
de não o erradicarmos, o alimentamos. Sem repensar qual cultura queremos educar
os filhos, sem definir o modelo filosófico e político que escolhemos viver não
saberemos como contribuir com a mudança de paradigma.
Pais
culpados por trabalhar em excesso e se ausentar da educação dos filhos – tensos
e pressionados em atender às demandas de consumo –, acabam perdendo autoridade.
Pais subservientes aos modismos, ou por comodismo, aderem às posturas
antiéticas. Muitos justificam os atos insanos alegando que, se não se
submeterem, os filhos se sentirão excluídos. A subserviência dos pais nos
remete à do país – que nasce submisso a outro com a missão de fornecer ouro,
prata, terras e mulheres. E que, tardiamente, inicia os primeiros passos rumo à
distribuição de renda, fator que garante a autonomia e a resistência do cidadão
aos mandos e desmandos do poder econômico.
Ao se
aproximar da opção ética de vida, devemos intensificar a participação social.
Incentivar, entre as crianças, a convivência positiva, não predatória. Se
respeitamos o espaço público, se jogamos o lixo na lixeira e não na rua, se
evitamos fila dupla, reafirmamos a opção pela ética, pela não corrupção, uma
vez que estamos subvertendo os impulsos perversos. Corrupção e perversão, dois
conceitos que se entrelaçam. Qual a política social que defendemos? Exclusão ou
inclusão? Há uma diretriz ético-política que nos obriga a repensar os rumos que
traçamos para os filhos. Enriquecer a qualquer custo? Educá-los para a
submissão ao mercado, ou encorajá-los nas escolhas que priorizam a realização
pessoal?
O
conceito de ética coloca o outro no centro da questão. Uma escolha ética exige
consciência social, propostas que implicam o outro e ultrapassam o mero prazer.
O princípio é o bem comum, convivência que garante qualidade de vida à maioria.
Não há desenvolvimento econômico sem preservação do espaço público. Sem os
mananciais não teremos água, bem sagrado que não pode ser privatizado. A
Amazônia é uma dádiva dos deuses, e, no entanto, o homem está destruindo-a.
Como ensinar a reverenciar a natureza mais que shoppings, livros mais que
sapatos?
O
declínio da função paterna deflagra o declínio da ética quando sentimentos como
constrangimento e vergonha são substituídos por arrogância e cinismo. A cultura
da ostentação é uma forma velada de favorecer a corrupção, uma vez que ela
prega o culto à aparência e ao espetáculo.
Chamar
os políticos de ladrões, corruptos, sem-vergonha, é simplificar a questão. Tudo
isso faz parte da sexualidade humana, são atos perversos. A perversão significa
“versão em direção ao pai”: ela provoca e escarnece a lei para melhor a
aproveitar. A velha política exige liderança, aquele que pode tudo, lugar do
pai primevo, o que tinha todas as mulheres da horda, o único que gozava. É
muito difícil ocupar poder de forma ética, democrática, pois o poder traz em
sua essência a père-version – a
versão do pai –, o que detém o poder!
Contudo, os que não foram educados para respeitar as regras que regem o espaço
público são seduzidos pelo poder. Lá eles fazem e acontecem à revelia dos
poucos neuróticos que tentam manter a moral, a ética e a lei.
CIDADANIA
Famílias
interessadas em contribuir com a seriedade das instituições, como na defesa e
no fortalecimento da democracia, devem se ocupar com a educação sexual e
psíquica dos filhos. Quanto mais exemplos dos pais no campo da cidadania e da
ética, menor as chances de condutas perversas e corruptas se alastrarem.
Ninguém nasce corrupto, perverso e criminoso. O cidadão se torna assim em
função da educação que recebe. Não se nasce corrupto, torna-se corrupto. O
Brasil sempre cultuou condutas perversas e de desrespeito à coisa pública. Atos
antirepublicanos.
Jacques
Rancière, em Ódio à democracia, coloca em xeque políticas liberais que,
embora defendam essa forma de governo, deturpam o ideal democrático seguindo as
determinações de uma classe dominante que não aceita perder espaço entre as
forças capitalistas. No Brasil pós-eleições, assistimos a uma parcela da
população que foi à rua explicitar a obsessão pelo individualismo democrático.
Para Rancière, esse conceito é parte do chamado ódio à democracia. Uma classe
de abastados que não concorda em contribuir com políticas que visam diminuir as
desigualdades sociais, tampouco perder o lugar e as condições de privilegiados.
Muitos chegam a surtos e delírios e, sem nenhum pudor, lançam palavras de ordem
a favor da intervenção militar. Convocam a ditadura em defesa dos abusos
patrimoniais – modelo apropriado pelas oligarquias.
O ódio
à expansão de oportunidades aos excluídos deve ser combatido nas salas de aulas
e nas famílias. Vida feliz inclui ensino à cidadania. A democratização do
Estado é antídoto à delinquência. A desfaçatez dos políticos e o enriquecimento
ilícito são um convite à corrupção. Além de injusto, gera violência e revolta.
Ao defender direitos, promovemos autonomia e ética.
Neste
Natal, recomendamos de presente aos filhos, ética. Interditar a criança em seus
atos descabidos e perversos. Reprimir e frustrar é não submissão aos impulsos
narcísicos. É prevenção contra a perversão, à violência e ao crime.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no
concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e
sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas;
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados; II – a corrupção, há
séculos, na mais perversa promiscuidade – “dinheiro público versus interesses
privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida
nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a
propósito, e mais uma vez, lemos na mídia que “Os mesmos escândalos e seus
protagonistas... vêm destruindo o país e abalam seu povo sofrido há mais de 60
anos...); III – o desperdício, em
todas as suas modalidade, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
indubitavelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir imediata,
abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e
melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre
outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!...
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