“A
questão ecológica: comunidade de vida, e não só meio ambiente
Estamos acostumados ao
discurso ambientalista generalizado pela mídia e pela consciência coletiva. Mas
importa reconhecer que restringir a ecologia ao ambientalismo é incidir em
grave reducionismo. Não basta ter uma produção de baixo carbono e manter a mesma
atitude de exploração irresponsável dos bens e serviços da natureza. Seria como
limpar os dentes de um lobo com a ilusão de tirar a ferocidade dele. Algo
semelhante ocorre com o nosso sistema consumista. É de sua natureza tratar a
Terra como um balcão de mercadorias. Estamos cansados de meio ambiente.
Queremos o ambiente inteiro.
Com
razão, a Carta da Terra tende a substituir “meio ambiente” por “comunidade de
vida”, pois as modernas biologia e cosmologia nos ensinam que todos os seres
vivos são portadores do mesmo código genético de base. O resultado dessa
constatação é que um laço de parentesco une todos os viventes, formando, de
fato, uma comunidade de vida a ser “cuidada com compreensão, compaixão e amor”.
O que Francisco de Assis intuía em sua mística cósmica, chamando todos os seres
com o doce nome de “irmãos”, sabemos por um experimento científico.
Entre
esses seres vivos ressalta o planeta Terra. A partir dos anos 70, se firmou, em
grande parte da comunidade científica, a hipótese de que a Terra não somente
possui vida como ela mesma é viva, chamada de Gaia, um dos nomes da mitologia
grega para a Terra viva. Ela combina o químico, o físico, o ecológico e o
antropológico de forma tão sutil que sempre se torna capaz de produzir e
reproduzir vida. Em razão dessa constatação, a ONU, em 2009, aprovou por
unanimidade chamar a Terra de “Mãe Terra”, “Magna Mater” e “Pachamama”. Vale
dizer, ela é um superente vivo, complexo, por vezes, aos nossos olhos,
contraditório, mas sempre geradora de todos os seres, nas suas mais distintas
ordens.
Acresce-se
ainda a esse dado que, segundo o bioquímico e divulgador de assuntos
científicos Isaac Asimov, é o grande legado das viagens espaciais: a unicidade
da Terra e da humanidade. Lá de fora, das naves espaciais e da Lua, não há
diferença entre ser humano e Terra. Ambos formam uma única entidade. Por isso,
diz-se que “homem” deriva de “humusa”: terra boa e fértil; ou “adamah” em
hebraico bíblico: o filho da terra arável e fecunda.
Todo o
processo da gestação da vida seria impossível se não existisse o substrato
físico-químico que se formou no coração das grandes estrelas vermelhas, há
bilhões de anos, e que, explodindo, lançaram elementos em todas as direções,
criando galáxias, estrelas, planetas, a Terra e nós mesmos. Portanto, essa
parte que parece inerte também pertence à vida, porque sem ela, ontem como
hoje, a vida seria impossível.
A
sustentabilidade é tudo o que se ordena para manter a existência de todos os
seres, especialmente os seres vivos e nossa cultura, sobre o planeta.
O que
concluímos desse rápido percurso? Devemos mudar nosso olhar sobre a Terra, a
natureza e sobre nós mesmos. Ela é nossa grande mãe, merece respeito e
veneração. Quer dizer, conhecer e respeitar seus ritmos e ciclos, sua
capacidade de reprodução, e não devastá-la, como temos feito desde o advento da
tecnociência e do espírito antropocentrista, que pensa que ela só tem valor na
medida em que nos é útil. Mas ela não precisa de nós. Nós é que precisamos
dela.
Essa
paradigma está chegando ao seu limite, porque a Mãe Terra está dando sinais
inequívocos de estar extenuada e doente. Ou inventamos outra forma de atender
nossas necessidades, ou a Terra, que é viva, poderá não nos querer mais sobre
seu solo.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 12 de
dezembro de 2014, caderno O.PINIÃO, página
20).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, mesma edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:
“Aplainai
os caminhos
O tempo do Advento,
sábio e indispensável período de preparação, enriquece a celebração do Natal,
livrando-a das superficialidades. Importante oportunidade para o aprimoramento
humano e espiritual, faz ressoar esse convite irrecusável: aplainai os
caminhos! A competência educativa e o conhecimento refinado de política fazem
do profeta Isaías porta-voz de uma indicação preciosa para orientar os passos
na superação dos mais difíceis desafios. Uma preciosidade que reluz quando se
consideram os cenários da sociedade contemporânea. O convite para aplainar os
caminhos é o remédio e a indispensável reação às inúmeras crateras que se abrem
na vida do povo, como consequência do absurdo comprometimento do bem comum e
das lamentáveis negociações da justiça.
Há
rombos nas instituições, nas empresas, nas igrejas, nas famílias, nas
organizações, na política e, também, no fundo do coração das pessoas. Esse mapa
complexo revela muitas marcas nesses corações, que impedem o traçado de um
equilibrado percurso. A construção cotidiana da vida fica sempre aquém das
metas mínimas necessárias para a construção da paz, do grande bem que só se
alcança quando a cidadania e a vivência da fé são assumidas como compromissos
prioritários. E na contramão do grande sonho de se concretizar um projeto humanitário
de paz, as estatísticas revelam aumento da violência, situando a sociedade
brasileira entre as que vivem em pé de guerra, com incidências de morte até
mais elevadas.
O
convite feito por Isaías, “Aplainai os caminhos!”, chega mais próximo de todos
na voz clamante do deserto, pela figura inigualável de João Batista, na inauguração
do tempo do Novo Testamento, quando o profeta anuncia a chegada de Jesus
Cristo, o Príncipe da Paz, Senhor e Salvador.
Assim,
este tempo precisa ser entendido como campanha para capacitar todos na missão
de construtores dessa paz, desfiada não só pelos quadros de violência fatais e
absurdas, como pela busca desarvorada e mesquinha pelo dinheiro. Conduta que
envenena as relações pessoais e cidadãs com a corrupção. Que envergonha a nação
como, lamentavelmente, desenha-se e emoldura-se o horizonte da sociedade
brasileira.
Contudo
não é suficiente reconhecer a urgência de aplainar os caminhos. É preciso
disposição ao assumir propósitos que norteiem e reeduquem para o sentido de justiça
e paz. Proposta de vida que se constrói a partir de princípios amplamente
conhecidos, mas cada vez menos vividos e que, de modo pedagógico, como fez
nosso Deus, não nos custa recordar.
Não é
demais pautar um decálogo, não como ordem, mas um convite ao trabalho na
urgente tarefa de restabelecer a paz entre nós: 1) Respeitar, pelo princípio da
igualdade, incondicionalmente, cada pessoa. 2) Preservar o ambiente para
superação de danos à convivência humana. 3) Lutar pelo respeito dos direitos
humanos. 4) Investir para que cada família seja comunidade de paz. 5) Trabalhar
e solidariamente repartir, para que a ninguém falte o necessário. 6)
Desmantelar os esquemas geradores de conflitos, desde os desarmamentos até os
litígios pessoais que comprometem o coração da paz que cada pessoa deve ter. 7)
Perdoar sempre porque não há justiça sem perdão, nem paz sem amor. 8) Professar
e testemunhar a fé como compromisso de fomentar a solidariedade fraterna. 9)
Gostar da verdade e por ela reger diálogos e relacionamentos para ser obreiro
da paz. 10) Preservar a criação pelo tratamento civilizado dos seus bens,
direito de todos.
E faço
aqui outro convite, desta vez, à reflexão: você escreveria um decálogo
diferente? E qual é a sua proposta? Indispensável é assumir propósitos que
possam nos levar ao amor e à paz, a uma experiência verdadeira de Natal,
atendendo ao pertinente convite deste tempo: aplainai os caminhos!”.
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas;
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados
(a propósito, a inflação é um atentado contra a dignidade de cada ser humano de
nosso país, afrontando diretamente a sua cidadania, eis que rouba a substância dos salários e das
aposentadorias...); II – a corrupção, há
séculos, na mais perversa promiscuidade – “dinheiro público versus interesses
privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida
nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem;
III – o desperdício, em todas as
suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
indubitavelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir imediata,
abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e
melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre
outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as
obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!
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