“Só
uma ecologia integral dá conta
dos atuais problemas do mundo
Uma das afirmações
básicas do novo paradigma científico e civilizatório é o reconhecimento da
inter-retrorrelação de todos com todos, constituindo a grande rede terrenal e
cósmica da realidade. Coerentemente, a Carta da Terra, um dos documentos
fundamentais dessa visão das coisas, afirma: “Nossos desafios ambientais,
econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e, juntos,
podemos forjar soluções includentes”. O papa Francisco, com sua encíclica sobre
o cuidado da Casa Comum, se associa a essa leitura e sustenta que se imponha
uma reflexão sobre a ecologia integral, pois só ela dá conta dos problemas da
atual situação do mundo.
O
tempo urge e corre contra nós. Por isso, todos os saberes devem ser
ecologizados, postos em relação entre si e orientados para o bem da comunidade
de vida. Igualmente, todas as tradições espirituais e religiosas são convocadas
a despertar a consciência da humanidade para a sua missão de ser a cuidadora
dessa herança sagrada, recebida do universo e do Criador que é a Terra viva, a
única Casa que temos para morar.
O papa
cita o comovente final da Carta da Terra, que resume bem a esperança que
deposita em Deus e no empenho dos seres humanos: “Que nosso tempo seja lembrado
pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de
alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta pela justiça e pela paz
e pela alegre celebração da vida”.
Outra
notável contribuição nos vem do conhecido psicanalista Carl Gustav Jung
(1875-1961), que, em sua psicologia analítica, deu grande importância à
sensibilidade e submeteu a duras críticas o cientificismo moderno. Para ele, a
psicologia não possuía fronteiras entre cosmos e vida, entre corpo e mente etc.
A psicologia tinha a ver com a vida em sua totalidade, em suas dimensões
racional e irracional.
Sabia
articular todos saberes disponíveis, descobrindo conexões ocultas que revelavam
dimensões surpreendentes da realidade. Conhecido foi o diálogo que Jung manteve
com um indígena da tribo Pueblo, nos Estados Unidos. Esse indígena achava que
os brancos eram loucos. Jung lhe perguntou por que, ao que o indígena
respondeu: “Eles dizem que pensam com a cabeça, nós pensamos aqui”, e apontou o
coração. Esse fato transformou o pensamento de Jung, que entendeu que o homem
moderno havia conquistado o mundo com a cabeça, mas havia perdido a capacidade
de pensar e sentir com o coração e de viver por meio de sua alma.
Logicamente,
não se trata de abdicar da razão – o que seria uma perda para todos –, mas de
recusar o estreitamento da capacidade de compreender. É preciso considerar o
sensível e o cordial elementos centrais no ato de conhecimento. Eles permitem
captar valores e sentidos presentes na profundidade do senso comum.
Em
suas memórias, Jung diz: “Há tantas coisas que me repletam: as plantas, os
animais, as nuvens, o dia, a noite e o eterno presente nos homens. Quanto mais
me sinto incerto sobre mim mesmo, mais cresce em mim o sentimento de meu
parentesco com o todo”.
O
drama do homem atual é ter perdido a capacidade de viver um sentimento de
pertença, coisa que as religiões sempre garantiam. O que se opõe à religião não
é o ateísmo ou a negação da divindade, mas a incapacidade de ligar-se e
religar-se com todas as coisas. Se não resgatarmos a razão sensível, uma
dimensão essencial da alma, dificilmente nos moveremos para respeitar o valor
intrínseco de cada ser, amar a Mãe Terra com todos os seus ecossistemas e viver
a compaixão com os sofredores da natureza e da humanidade.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 13 de
novembro de 2015, caderno O.PINIÃO, página
18).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 11 de
dezembro de 2015, caderno OPINIÃO,
página 7, de autoria de DOM WALMOR
OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que
merece igualmente integral transcrição:
“Cultivar
a misericórdia
Ao abrir a Porta Santa
na Basílica de São Pedro, na terça-feira, o papa Francisco convoca todos a
cultivar e a vivenciar a misericórdia. O gesto marca o início do Jubileu
Extraordinário da Misericórdia, que, em 13 de dezembro, será solenemente aberto
nas dioceses do mundo inteiro, nas catedrais, santuários e lugares de
significação especial. Acolher a convocação do papa exige disposição para
matricular-se na escola de Cristo Jesus, aquele que vem ao encontro da
humanidade e revela o rosto misericordioso de Deus Pai.
Em
Cristo, só n’Ele e por Ele, se aprende a lição da misericórdia. Esse
aprendizado cria impulsos revolucionários e transformadores. Contemplando o
mistério do amor de Deus revelado na paixão, morte e ressurreição de Cristo é
que se compreende o significado da misericórdia. Jesus revela o rosto
misericordioso de Deus Pai, que envia seu filho amado como oferta para a
redenção da humanidade. A misericórdia se torna visível, viva e atinge seu
ápice com Ele, o salvador do mundo. Com o Mestre, vem o forte convite: “Sede
misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36).
Cultivar
a misericórdia é assumir a convicção de que a humanidade precisa, urgentemente,
de grande renovação espiritual. Isso é difícil e quase inconciliável com as
lógicas hegemônicas da atualidade, que submetem as sociedades ao consumismo, às
dinâmicas do lucro sem limites, às leis de um “bem-estar” egoísta e efêmero,
raízes dos muitos problemas que ameaçam a vida. Na base dos colapsos contemporâneos
está uma grave crise espiritual que causa o envenenamento e a morte de tudo o
que é indispensável para o equilíbrio das relações humanitárias, sociais e
políticas.
Por
isso, é urgente derrubar as muralhas que adoecem as instituições, inclusive as
religiosas e confessionais. Cristalizações que matam a credibilidade e
enfraquecem as contribuições necessárias para a construção de uma sociedade
orientada por indispensáveis valores, particularmente os valores do evangelho.
Compreende-se, assim, que a misericórdia, aprendida e vivida, é remédio que
rejuvenesce uma humanidade cansada. Permite estabelecer novos ordenamentos
sociais que priorizem, respeitem e promovam a dignidade humana.
O papa
Francisco convoca a Igreja Católica, todos os homens e mulheres de boa vontade,
cada cidadão, a presidir a própria conduta a partir da lei fundamental que mora
no coração de cada pessoa: a misericórdia,
muitas vezes soterrada em escombros de orgulhos, mesquinhez e ganâncias.
Isso é possível quando se procura enxergar, com olhos sinceros, cada irmão. Uma
lição capaz de promover transformações de grande alcance. Cabe o exercício
simples e exigente de agir com misericórdia para tornar, cada um, sinal eficaz
da presença misericordiosa de Deus Pai, revelada em Jesus Cristo, com seus
gestos, palavras e a sua oferta.
Cultivar
a misericórdia é caminho para encontrar o tempo novo. Permite à humanidade
superar a gravíssima crise espiritual e, assim, compreender que a solução de
problemas não vem simplesmente das estatísticas, números, aumento sem limites
da produção e do consumo. Também está longe da doentia luta pelo acúmulo
egoísta de riquezas. É hora de aprender a lição do amor, para evitar que
continuem a se multiplicar os desastres políticos, humanos e ecológicos.
Cultivar a misericórdia requer coragem humilde de fazer mea-culpa, assumir as
responsabilidades na constituição do cenário de violências, corrupção e
indiferenças. A Igreja, pelo caminho deste ano santo, se compromete com a
celebração de um jubileu que resulte em renovações. Isso significa corajosas
novas posturas de abertura, ainda mais proximidade ao povo, audácia maior nas
partilhas e nos comprometimentos com a justiça.
Os
diferentes grupos e segmentos da sociedade também são convidados a cultivar a
misericórdia, a partir da celebração do ano santo que, para além da importância
fecundante da ritualidade, pode desencadear efetivas transformações em muitos
ambientes, desde presídios, incluindo instâncias educativas, culturais, a vida
comum de homens e mulheres, formadores de opinião e construtores da sociedade
pluralista, até os políticos, responsáveis por tantos descompassos. Eis agora a
oportunidade para viver, com entusiasmo, a convocação feita pelo papa
Francisco: cultivar a misericórdia.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e
oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança
de nossa história – que é de ética, de
moral, de princípios, de valores –, para
a imperiosa e urgente necessidade de profundas
mudanças em nossas estruturas educacionais,
governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas,
financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no
concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e
sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras
cruciais como:
a) a educação
– universal e de qualidade –, desde a educação
infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas)
– e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos
de idade na primeira série do ensino
fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização,
mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República
proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução
educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do
país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da
justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da
sustentabilidade...);
b)
o combate
implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e
mais devastadores inimigos que são: I – a inflação,
a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se
em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco
Central, a taxa de juros do cartão de crédito atingiu em novembro a também
estratosférica marca de 378,76% para um período de doze meses; e mais, ainda em
novembro, o IPCA acumulado nos últimos doze meses chegou a 10,48%...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa
promiscuidade – “dinheiro público versus interesses privados”
–, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando
incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a
lúcida observação do procurador chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato,
Deltan Dallagnol: “A Lava Jato ela trata hoje de um tumor, de um caso
específico de corrupção, mas o problema é que o sistema é cancerígeno...” – e
que vem mostrando também o seu caráter transnacional; eis, portanto, que todos os valores que vão
sendo apresentados aos borbotões, são apenas simbólicos, pois em nossos 515
anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes, desvios,
malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então, a
corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar
inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo,
segundo Lucas Massari, no artigo ‘O Desperdício na Logística Brasileira’, a
“... Desconfiança das empresas e das famílias é
grande. Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, é desperdiçado no Brasil. Quase
nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses
recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 somem em meio à
ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas de logística e de
infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à corrupção e à falta de
planejamento...”;
c)
a dívida
pública brasileira - (interna e externa; federal, estadual, distrital e
municipal) –, com projeção para 2015, apenas segundo a proposta do
Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros,
encargos, amortização e refinanciamentos (ao menos com esta rubrica, previsão
de R$ 868 bilhões), a exigir alguns
fundamentos da sabedoria grega:
-
pagar,
sim, até o último centavo;
-
rigorosamente, não pagar com o pão do povo;
-
realizar uma IMEDIATA, abrangente,
qualificada, independente e eficaz auditoria...
(ver também www.auditoriacidada.org.br)
(e
ainda a propósito, no artigo Melancolia,
Vinicius Torres Freire, diz: “... Não será possível conter a presente
degradação econômica sem pelo menos, mínimo do mínimo, controle da ruína das
contas do governo: o aumento sem limite da dívida pública...”);
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência,
eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com
menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira
alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem
o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários
previstos e que contemplam eventos como a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas
tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a
nossa esperança... e perseverança!
“VI,
OUVI E VIVI: O BRASIL TEM JEITO!”