“Princípios
de um bom governo
Embora pouco conhecido e lamentavelmente de baixa
aplicação, o Código Iberoamericano de um Bom Governo, assinado em Montevidéu por
representantes de vários países, incluindo o Brasil, em junho de 2006, deveria
ser melhor avaliado. Em seu preâmbulo, traz como premissa para os países
desenvolverem que seus governos “reconheçam, respeitem e promovam todos os
direitos humanos – civis, políticos, sociais, culturais e econômicos –, em sua
natureza interdependente e universal”. Todo o código é articulado em torno de
três tópicos fundamentais, indispensáveis à ação dos governantes, a saber:
natureza democrática do governo, ética governamental e gestão pública. O
primeiro retrata a importância do reconhecimento em sua plenitude da condição
de estado democrático de direito dos países, garantindo a aplicabilidade de
direitos, deveres e obrigações, consagrando o clássico princípio do direito da
igualdade, em que os desiguais devem ser tratados de maneira desigual, sempre
na busca da emancipação dos indivíduos e no seu crescimento pessoal. É sempre
bom ressaltar que as democracias participativas e representativas devem ser
compreendidas como complementares uma da outra e em hipótese alguma como uma
inibidora da outra e em posição sobreposta.
No
caso brasileiro, claro está que já alcançada a democracia formal, simbolizada
pelo direito de votar e ser votado, o grande desafio é concretização da democracia
real, em que há o reconhecimento pleno da condição de cidadania e participação
ativa de todos nos destinos dos países. O segundo item trata da ética
governamental, tema da maior relevância principalmente nos chamados países em
desenvolvimento, em que a impunidade se destaca, aliada a questões culturais
que realçam falta de transparência nas ações dos governantes, seja em postos do
Executivo ou do Legislativo. Muitas das vezes, o interesse público e o bem
comum são desconsiderados em favor de interesses escusos, ilegais, imorais e
antiéticos.
Em
relação ao terceiro ponto norteador do código, não há mais espaço para governos
que não tenham elementos de gestão pública na ordem do dia. Cada vez mais, a
cidadania exige que princípios da eficiência, celeridade e eficácia sejam
observados na prestação de serviços públicos. A compreensão dos governantes
deve ser inevitável de que os governos existem em função dos cidadãos e não o
contrário. A relação poder público – cidadão é dupla, pois este é ao mesmo tempo
patrão, como quem paga os salários, mediante impostos, e ao mesmo tempo
clientes, na condição de destinatários da aplicação de políticas públicas. Por
fim, cabe aos governantes, atuais e futuros, de cargos executivos e
legislativos, seguirem, além dos dispostos no código, os ensinamentos de Santo
Tomás Moro, proclamado pela Igreja Católica em 2000 patrono dos governantes e
políticos. Nascido em Londres, sempre pautou sua vida preocupado com a formação
educacional moral e intelectual dos povos. Como acentuou o então papa João
Paulo II, o exemplo de Tomás Moro está “na necessidade que sente o mundo
político e administrativo de modelos críveis que mostrem o caminho da verdade
em um momento histórico em que se multiplicam árduos desafios e graves
responsabilidades”.”.
(FÁBIO
CALDEIRA. Advogado, mestre em ciência política (Espanha) e doutor em
direito público (UFMG), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 22 de maio de 2008, caderno OPINIÃO, página 11).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
11 de agosto de 2015, mesmo caderno, página 7, de autoria de MÁRCIA ESTEVES AGOSTINHO, doutora em
engenharia de produção, professora e pesquisadora na Universidade Estácio de
Sá, e que merece igualmente integral transcrição:
“Grande
viagem educacional
As mudanças trazidas
por inovações tecnológicas que interconectam pessoas em tempo real vão muito
além da forma como nos comunicamos. Seu poder de transformar estruturas
hierárquicas em redes de decisão distribuída transpassa, potencialmente, todas
as áreas da convivência humana – inclusive a universidade.
Do
ensino a distância (EAD) aos Massive Open On-line Courses (MOOCs), já são
tantos os exemplos de introdução de novas tecnologias de informação e
comunicação (TIC) no ensino que nem faz mais sentido considera-los inovadores.
Além disso, o simples fato de disponibilizar conteúdos – por melhores que sejam
– para acesso em todo o globo não garante educação, muito menos de qualidade.
Para tal, mais do que informação, é preciso que o estudante tenha experiências
significativas.
No
sentido de propiciar esse tipo de experiência, começam a surgir modelos de
universidades que trocam a sala de aula tradicional pelo aprendizado ativo, em
cursos de imersão interdisciplinares, por meio de trajetos curriculares
customizados. Contudo, a rigor, também não podemos considera-los inovadores.
Embora
adaptada às restrições e possibilidades atuais, a estrutura desse modelo
educacional nos remete ao fenômeno inglês do século 18 conhecido como “grand tour” – a grande viagem
educacional, que os jovens aristocratas realizavam pelo continente europeu.
Além de um rito de passagem para a vida adulta, a viagem representava a
oportunidade de entrar em contato direto com a herança cultural da Renascença.
Ainda
que a viagem (que podia durar anos!) exigisse considerável soma de recursos,
não bastava ser rico. Era preciso encontrar o tutor certo para guiar o rapaz
por caminhos que pudessem, de fato, contribuir para sua formação. O tutor
precisava ser alguém de reconhecido saber, capaz de adequar o “itinerário”
tradicional aos interesses específicos do jovem sob sua orientação.
Mais do
que informações e o domínio de uma nova língua, a viagem garantia experiências
significativas que levavam a um aprendizado para a vida. No início, esse tipo
de formação era um privilégio da aristocracia. Porém, com a introdução das
estradas de ferro – uma inovação tecnológica paradigmática –, o fenômeno se
estendeu à classe média.
Ampliar
a educação de qualidade esse é o desafio que precisamos encarar. De que forma,
exemplos como esses podem se tornar escaláveis? Como podemos oferecer a milhões
de alunos espalhados por todo o Brasil uma formação geral sólida, que lhes
permita adquirir conhecimentos específicos úteis e atualizados ao longo da
vida?
A
resposta está na rede. Não a rede no sentido da internet ou das redes sociais,
embora reconheça que elas façam parte da solução. Refiro-me à rede como uma
estrutura de organização sistêmica. Nesse modelo, cada professor funcionaria
como um tutor que o guia o grand tour de
seus alunos por meio das expertises disponíveis entre os docentes e centros de
conhecimento de uma universidade, promovendo experiências significativas.
Se
unir tecnologia à criatividade organizacional, a universidade terá a
oportunidade de, de fato, inovar e, assim, influenciar o destino a favor dos
estudantes. Da mesma forma que as estradas de ferro levaram o grand tour da aristocracia do século 18
para a classe média do século seguinte, as tecnologias de informação e
comunicação podem ajudar a trazê-lo para o século 21.”.
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja
verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira
incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria;
a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da
participação, da sustentabilidade...);
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco Central, a taxa
de juros do cartão de crédito atingiu em
junho a marca de 372,0% ao ano... e mais, em julho, o IPCA acumulado nos
últimos doze meses chegou a 9,56%...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade –
“dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se
espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos
e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a lúcida observação do
procurador chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol: “A
Lava Jato ela trata hoje de um tumor, de um caso específico de corrupção, mas o
problema é que o sistema é cancerígeno...” – e que vem mostrando também o seu
caráter transnacional; eis, portanto,
que todos os valores que vão sendo apresentados aos borbotões, são apenas simbólicos,
pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina,
fraudes, desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso
patrimônio... Então, a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas
modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente
irreparáveis (por exemplo, segundo Lucas Massari, no artigo ‘O Desperdício na
Logística Brasileira’, a “... Desconfiança das
empresas e das famílias é grande. Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, é
desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de
problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos,
quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas
de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à
corrupção e à falta de planejamento...”;
c) a
dívida pública brasileira - (interna e
externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para
2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$
1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$
868 bilhões), a exigir alguns fundamentos da sabedoria grega:
-
pagar,
sim, até o último centavo;
-
rigorosamente, não pagar com o pão do povo;
-
realizar uma IMEDIATA, abrangente,
qualificada, independente e eficaz auditoria...
(ver também www.auditoriacidada.org.br)
(e
ainda a propósito, no artigo Melancolia,
Vinicius Torres Freire, diz: “... Não será possível conter a presente
degradação econômica sem pelo menos, mínimo do mínimo, controle da ruína das
contas do governo: o aumento sem limite da dívida pública...”);
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência,
eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com
menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os
projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização,
da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!
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