“A
beleza é que salvará o mundo do desespero, disse Dostoiévski
Dos gregos aprendemos,
e isso atravessou todos os séculos, que todo ser, por diferente que seja,
possui três características transcendentais (estão sempre presentes, pouco
importa a situação, o lugar e o tempo): ele é “unum, verum et bonum”), o que
quer dizer que ele goza de uma unidade interna que o mantém na existência; ele
é verdadeiro, porque se mostra assim como de fato é; e é bom porque desempenha
bem o seu lugar junto aos demais, ajudando-os a existirem e coexistirem.
Foram
os mestres franciscanos medievais, como Alexandre de Hales, e especialmente são
Boaventura, que, prolongando uma tradição vinda de Dionísio Aeropagita e santo
Agostinho, acrescentaram ao ser mais uma característica transcendental: o
“pulchrum”, vale dizer, o belo. Baseados, seguramente, na experiência pessoal
de são Francisco, que era um poeta e um esteta de excepcional qualidade e que,
“no belo das criaturas, via o Belíssimo”, enriqueceram nossa compreensão do ser
com a dimensão da beleza. Todos os seres, mesmo aqueles que nos parecem
hediondos, se os olharmos com afeição, nos detalhes e no todo, apresentam, cada
um a seu modo, uma beleza singular, senão na forma, mas na maneira como neles
tudo vem articulado com um equilíbrio e harmonia surpreendentes.
Um dos
grandes apreciadores da beleza foi Fiódor Dostoiévski. Para ele a contemplação
da Madonna de Rafael era a sua terapia pessoal, pois sem ela desesperaria dos
homens de si mesmo, diante de tantos problemas que via. Em seus escritos,
descreveu pessoas más e destrutivas, e outras que mergulhavam nos abismos do
desespero. Mas seu olhar, que rimava amor com dor compartida, conseguia ver
beleza na alma dos mais perversos personagens. Para ele, o contrário do belo
não era o feio, mas o utilitarismo, o espírito de usar os outros e, assim,
roubar-lhes a dignidade.
“Seguramente,
não podemos viver sem pão, mas também é impossível existir sem beleza”,
repetia. Beleza é mais que estética; possui uma dimensão ética e religiosa. Ele
via em Jesus um semeador de beleza”. “Ele foi um exemplo de beleza e a
implantou na alma das pessoas para que, por meio da beleza, todos se fizessem
irmãos entre si”. Ele não se referia ao amor ao próximo; ao contrário: é a
beleza que suscita o amor e nos faz ver no outro um próximo a amar.
A
nossa cultura, dominada pelo marketing, vê a beleza como uma construção do
corpo, e não da totalidade da pessoa. Então, surgem métodos e mais métodos de
plásticas e botoxes para tornarem as pessoas mais “belas”. Por ser uma beleza
construída, ela é sem alma. E, se repararmos bem, nessas belezas fabricadas,
emergem pessoas com uma beleza fria e como uma aura de artificialidade, incapaz
de irradiar. Daí irrompe a vaidade, não o amor, pois beleza tem a ver com amor
e comunicação.
O papa
Francisco conferiu especial importância na transmissão da fé cristã à via
“pulchritudinis” (a via da beleza). Não basta que a mensagem seja boa ou justa.
Ela tem que a mensagem seja boa e justa. Ela tem que ser bela, pois só assim
chega ao coração das pessoas e suscita o amor que atrai (“Exortação ‘A alegria
do Evangelho’, nº 167). A Igreja não visa o proselitismo, mas a atração que vem
da beleza e do amor, cuja característica é o esplendor.
A
beleza é um valor em si mesmo. Não é utilitarista. É como a flor que floresce
por florescer, pouco importa se a olham ou não, como diz o místico Angelus
Silesius. Mas quem não se deixa fascinar por uma flor que sorri gratuitamente
ao universo? Assim devemos viver a beleza no meio de um mundo de interesses,
trocas e mercadorias. Então, ela realiza sua origem sânscrita Bet-El-Za, que
quer dizer: “o lugar onde Deus brilha”. Brilha por tudo e nos faz também
brilhar pelo belo.”
(LEONARDO
BOFF. Teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 2 de maio de 2014, caderno O.PINIÃO, página 14).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 7 de maio de
2014, caderno OPINIÃO, página 7, de
autoria de FREI BETTO, escritor,
autor de Fome de Deus (Paralela),
entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:
“O
bispo dos excluídos
Em fevereiro de 1973,
na Penitenciária de Presidente Venceslau (SP), misturados a presos comuns,
cinco presos políticos – frei Fernando de Brito, Maurice Politi, Ivo Lesbaupin,
Wanderley Caixe e eu – fomos castigados com 15 dias de isolamento em celas
individuais, por demonstrar solidariedade ao sexto preso político, Manoel
Porfírio, que sofrera punição injusta.
No
domingo, 11 de fevereiro, ao encerrar o período do nosso isolamento, recebemos
inesperadamente a visita dos bispos Tomás Balduino, José Maria Pires, Waldyr
Calheiros e José Gonçalves. Tinham aproveitado o recesso da assembléia dos
bispos do Brasil, em Itaici (SP), para voar até Presidente Venceslau no
teço-teco pilotado por Dom Tomás Balduino.
Relatamos
as torturas a que eram submetidos os presos comuns e as sanções injustas
impostas a nós, presos políticos. Na tarde do mesmo dia, na reunião de Itaici,
os bispos repetiram nossas denúncias em coletiva de imprensa. O diretor da penitenciária
ficou irritado e intrigado. Isolados como estávamos, com que recursos havíamos
convocado a comitiva episcopal? Teríamos um radiotransmissor dentro da cela?
Talvez nunca tenha se convencido de se tratar de mera coincidência.
Nosso
confrade na Ordem Dominicana, dom Tomás Balduino, falecido no último dia 2 de
maio, em Goiânia, em decorrência de embolia pulmonar, visitava periodicamente
os frades encarcerados e não temia denunciar a ditadura e defender os direitos
humanos.
Nascido
em Posse (GO), no último dia de 1922, seu nome de batismo era Paulo Balduíno de
Souza Décio. Ao ingressar na vida religiosa, adotou, como era costume na época,
o prenome de Santo Tomás de Aquino. Foi o último filho homem de uma família de
onze filhos, três homens e oito mulheres. Seu pai, promotor público, encerrou a
carreira como juiz.
Formado
em filosofia, dom Tomás fez o mestrado em teologia em Saint Maximin, na França.
Em 1957, nomeado superior da missão dominicana na prelazia de Conceição do
Araguaia (PA), viveu de perto a realidade indígena e sertaneja. Na época, a
pastoral da prelazia acompanhava sete grupos indígenas. Para aprimorar seu
trabalho junto aos índios, fez mestrado em antropologia e linguística na
Universidade de Brasília (UnB), concluído em 1965. Aprendeu a língua dos índios
xicrin, do grupo bacajá-kayapó.
Para
melhor atender a região da prelazia, que abrangia todo o Vale mato-grossense,
frei Tomás aprendeu a pilotar avião. Amigos da Itália o presentearam com um teco-teco,
com o qual prestou inestimável serviço,
sobretudo na articulação de povos indígenas. Também ajudou a salvar pessoas
perseguidas pela ditadura militar.
Em
1965, foi nomeado pelo papa prelado de Conceição do Araguaia. Lá enfrentou os
primeiros conflitos com as grandes empresas agropecuárias que se estabeleciam
na região com incentivos fiscais da extinta Superintendência de Desenvolvimento
da Amazônia (Sudam). Elas invadiam áreas indígenas, expulsavam famílias
sertanejas (posseiros) e traziam trabalhadores braçais de outros estados, sobretudo
do Nordeste brasileiro, submetidos, muitas vezes, a regime análogo ao trabalho
escravo.
Nomeado
bispo diocesano da cidade de Goiás, em 1967, foi ordenado bispo e ali
permaneceu 31 anos, até 1999. Ao completar 75 anos, apresentou sua renúncia e
mudou-se, como simples frade, para o convento dominicano de Goiânia. Seu
ministério episcopal coincidiu, por longo tempo, com a ditadura militar
(1964-1985).
Movimentos
sociais, como o do Custo de Vida e a Campanha Nacional pela Reforma Agrária,
contaram com todo o apoio de dom Tomás, que participou ativamente da criação do
Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), em 1975. Presidiu o CIMI, de 1980 a 1984, e a CPT, de 1999 a 2005.
A Assembleia Geral da CPT, em 2005, o
nomeou conselheiro permanente.
Agora,
seu corpo está enterrado na catedral de Goiás. E seu exemplo de vida perdura na
memória de todos que conheceram um homem fiel à proposta do Evangelho de
Jesus.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente
e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja,
próximos de zero; II – a corrupção, como
um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando
incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas
modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente
irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte,
acessibilidade); minas e energia; emprego,
trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro
nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e
nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil;
logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura,
esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento –
estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia,
efetividade, economicidade, inovação, criatividade, produtividade,
competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e
solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas,
oportunidades e potencialidades com todas
as brasileiras e com todos os
brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários
previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016;
as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade – , e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...