sexta-feira, 9 de maio de 2014

A CIDADANIA, A FORÇA DA BELEZA E O BISPO DOS EXCLUÍDOS

“A beleza é que salvará o mundo do desespero, disse Dostoiévski
        
         Dos gregos aprendemos, e isso atravessou todos os séculos, que todo ser, por diferente que seja, possui três características transcendentais (estão sempre presentes, pouco importa a situação, o lugar e o tempo): ele é “unum, verum et bonum”), o que quer dizer que ele goza de uma unidade interna que o mantém na existência; ele é verdadeiro, porque se mostra assim como de fato é; e é bom porque desempenha bem o seu lugar junto aos demais, ajudando-os a existirem e coexistirem.
         Foram os mestres franciscanos medievais, como Alexandre de Hales, e especialmente são Boaventura, que, prolongando uma tradição vinda de Dionísio Aeropagita e santo Agostinho, acrescentaram ao ser mais uma característica transcendental: o “pulchrum”, vale dizer, o belo. Baseados, seguramente, na experiência pessoal de são Francisco, que era um poeta e um esteta de excepcional qualidade e que, “no belo das criaturas, via o Belíssimo”, enriqueceram nossa compreensão do ser com a dimensão da beleza. Todos os seres, mesmo aqueles que nos parecem hediondos, se os olharmos com afeição, nos detalhes e no todo, apresentam, cada um a seu modo, uma beleza singular, senão na forma, mas na maneira como neles tudo vem articulado com um equilíbrio e harmonia surpreendentes.
         Um dos grandes apreciadores da beleza foi Fiódor Dostoiévski. Para ele a contemplação da Madonna de Rafael era a sua terapia pessoal, pois sem ela desesperaria dos homens de si mesmo, diante de tantos problemas que via. Em seus escritos, descreveu pessoas más e destrutivas, e outras que mergulhavam nos abismos do desespero. Mas seu olhar, que rimava amor com dor compartida, conseguia ver beleza na alma dos mais perversos personagens. Para ele, o contrário do belo não era o feio, mas o utilitarismo, o espírito de usar os outros e, assim, roubar-lhes a dignidade.
         “Seguramente, não podemos viver sem pão, mas também é impossível existir sem beleza”, repetia. Beleza é mais que estética; possui uma dimensão ética e religiosa. Ele via em Jesus um semeador de beleza”. “Ele foi um exemplo de beleza e a implantou na alma das pessoas para que, por meio da beleza, todos se fizessem irmãos entre si”. Ele não se referia ao amor ao próximo; ao contrário: é a beleza que suscita o amor e nos faz ver no outro um próximo a amar.
         A nossa cultura, dominada pelo marketing, vê a beleza como uma construção do corpo, e não da totalidade da pessoa. Então, surgem métodos e mais métodos de plásticas e botoxes para tornarem as pessoas mais “belas”. Por ser uma beleza construída, ela é sem alma. E, se repararmos bem, nessas belezas fabricadas, emergem pessoas com uma beleza fria e como uma aura de artificialidade, incapaz de irradiar. Daí irrompe a vaidade, não o amor, pois beleza tem a ver com amor e comunicação.
         O papa Francisco conferiu especial importância na transmissão da fé cristã à via “pulchritudinis” (a via da beleza). Não basta que a mensagem seja boa ou justa. Ela tem que a mensagem seja boa e justa. Ela tem que ser bela, pois só assim chega ao coração das pessoas e suscita o amor que atrai (“Exortação ‘A alegria do Evangelho’, nº 167). A Igreja não visa o proselitismo, mas a atração que vem da beleza e do amor, cuja característica é o esplendor.
         A beleza é um valor em si mesmo. Não é utilitarista. É como a flor que floresce por florescer, pouco importa se a olham ou não, como diz o místico Angelus Silesius. Mas quem não se deixa fascinar por uma flor que sorri gratuitamente ao universo? Assim devemos viver a beleza no meio de um mundo de interesses, trocas e mercadorias. Então, ela realiza sua origem sânscrita Bet-El-Za, que quer dizer: “o lugar onde Deus brilha”. Brilha por tudo e nos faz também brilhar pelo belo.”

(LEONARDO BOFF. Teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 2 de maio de 2014, caderno O.PINIÃO, página 14).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 7 de maio de 2014, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de FREI BETTO, escritor, autor de Fome de Deus (Paralela), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“O bispo dos excluídos
        
         Em fevereiro de 1973, na Penitenciária de Presidente Venceslau (SP), misturados a presos comuns, cinco presos políticos – frei Fernando de Brito, Maurice Politi, Ivo Lesbaupin, Wanderley Caixe e eu – fomos castigados com 15 dias de isolamento em celas individuais, por demonstrar solidariedade ao sexto preso político, Manoel Porfírio, que sofrera punição injusta.
         No domingo, 11 de fevereiro, ao encerrar o período do nosso isolamento, recebemos inesperadamente a visita dos bispos Tomás Balduino, José Maria Pires, Waldyr Calheiros e José Gonçalves. Tinham aproveitado o recesso da assembléia dos bispos do Brasil, em Itaici (SP), para voar até Presidente Venceslau no teço-teco pilotado por Dom Tomás Balduino.
         Relatamos as torturas a que eram submetidos os presos comuns e as sanções injustas impostas a nós, presos políticos. Na tarde do mesmo dia, na reunião de Itaici, os bispos repetiram nossas denúncias em coletiva de imprensa. O diretor da penitenciária ficou irritado e intrigado. Isolados como estávamos, com que recursos havíamos convocado a comitiva episcopal? Teríamos um radiotransmissor dentro da cela? Talvez nunca tenha se convencido de se tratar de mera coincidência.
         Nosso confrade na Ordem Dominicana, dom Tomás Balduino, falecido no último dia 2 de maio, em Goiânia, em decorrência de embolia pulmonar, visitava periodicamente os frades encarcerados e não temia denunciar a ditadura e defender os direitos humanos.
         Nascido em Posse (GO), no último dia de 1922, seu nome de batismo era Paulo Balduíno de Souza Décio. Ao ingressar na vida religiosa, adotou, como era costume na época, o prenome de Santo Tomás de Aquino. Foi o último filho homem de uma família de onze filhos, três homens e oito mulheres. Seu pai, promotor público, encerrou a carreira como juiz.
         Formado em filosofia, dom Tomás fez o mestrado em teologia em Saint Maximin, na França. Em 1957, nomeado superior da missão dominicana na prelazia de Conceição do Araguaia (PA), viveu de perto a realidade indígena e sertaneja. Na época, a pastoral da prelazia acompanhava sete grupos indígenas. Para aprimorar seu trabalho junto aos índios, fez mestrado em antropologia e linguística na Universidade de Brasília (UnB), concluído em 1965. Aprendeu a língua dos índios xicrin, do grupo bacajá-kayapó.
         Para melhor atender a região da prelazia, que abrangia todo o Vale mato-grossense, frei Tomás aprendeu a pilotar avião. Amigos da Itália o presentearam com um teco-teco, com o qual  prestou inestimável serviço, sobretudo na articulação de povos indígenas. Também ajudou a salvar pessoas perseguidas pela ditadura militar.
         Em 1965, foi nomeado pelo papa prelado de Conceição do Araguaia. Lá enfrentou os primeiros conflitos com as grandes empresas agropecuárias que se estabeleciam na região com incentivos fiscais da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Elas invadiam áreas indígenas, expulsavam famílias sertanejas (posseiros) e traziam trabalhadores braçais de outros estados, sobretudo do Nordeste brasileiro, submetidos, muitas vezes, a regime análogo ao trabalho escravo.
         Nomeado bispo diocesano da cidade de Goiás, em 1967, foi ordenado bispo e ali permaneceu 31 anos, até 1999. Ao completar 75 anos, apresentou sua renúncia e mudou-se, como simples frade, para o convento dominicano de Goiânia. Seu ministério episcopal coincidiu, por longo tempo, com a ditadura militar (1964-1985).
         Movimentos sociais, como o do Custo de Vida e a Campanha Nacional pela Reforma Agrária, contaram com todo o apoio de dom Tomás, que participou ativamente da criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. Presidiu o CIMI, de 1980 a 1984, e a CPT, de 1999 a 2005. A Assembleia  Geral da CPT, em 2005, o nomeou conselheiro permanente.
         Agora, seu corpo está enterrado na catedral de Goiás. E seu exemplo de vida perdura na memória de todos que conheceram um homem fiel à proposta do Evangelho de Jesus.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, inovação, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade – , e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...  

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