“Babel
nos consensos
A exigência inegociável
de construir um mundo melhor a partir da força própria dos consensos constitui
a natureza da sociedade contemporânea. Compreende-se essa desafio quando se
considera, entre os vários aspectos complexos que caracterizam a pós-modernidade,
a natural rejeição às tentativas de domínio que trazem como consequência uma
redução ao direito de participação cidadã. Forte também é o que caracteriza os
ideais democráticos e o respeito às diferenças, particularmente às minorias.
Contudo, na contramão dessa busca por entendimentos, o que se verifica, com
muita frequência, é uma verdadeira Babel, que nos remete à narrativa do livro
do Gênesis.
Não há como fugir da
busca pelo consenso, sob pena de produzir totalitarismos, fundamentalismos ou
mesmo afastamentos, que geram deserções prejudiciais para instituições e seus
funcionamentos. Imprescindível é seguir no exigente caminho do diálogo,
exercitando a paciência e nunca desistindo de avançar na construção da
convergência em torno de temas, prioridades e assuntos importantes para a vida
social, política, cultural e também religiosa. Esse percurso que dá espaço para
diferentes opiniões não pode negociar a centralidade da verdade. Só por ela se
pode discernir adequadamente e alcançar a meta fundamental do bem e da justiça.
É um enorme desafio
buscar a verdade que define rumos, corrige descompassos, dá prioridade ao que,
naquele momento histórico e naquele lugar, é melhor e adequado. A verdade não
está nunca sob o domínio de um ou de outro. Afinal, como bem ensina a sabedoria
popular, “cada cabeça é uma sentença”. A complexidade se apresenta, justamente,
em razão do inevitável confronto entre a verdade buscada, a realidade em si e
as opiniões. Estas carecem de ser analisadas em suas fundamentações. Aí se encontra
um infindável número de tensões e confrontos, que refletem interesses, muitas
vezes não pertinentes, estreiteza de mentalidade, além da falta de uma formação
cultural e humanística para subsidiar uma participação edificante na
configuração do consenso.
É importante considerar
que sem a construção de entendimentos, nas diferentes instâncias, modalidades e
intensidades, a cultura não avança. Atrasos de todo tipo são perpetuados e os
cidadãos não usufruem dos bens e dons da natureza, da história, do seu próprio
povo e das dádivas de Deus. Dessa Babel contemporânea surgem os
fundamentalismos, de tipos variados, sintomas da perda do equilíbrio, que
configuram a mediocridade e incapacidade para garantir o bem, a verdade e a
justiça. Não menos grave é a falta de lucidez necessárias aos operadores da
união, por tarefa política, cultural ou religiosa. Uma carência fundamentada na
falta do imprescindível embasamento humanístico. Trata-se de um problema que
compromete o exercício da liderança, com decisões, posturas e escolhas que
conduzem a coletividade no caminho oposto ao bem comum.
Diante de todos está
esse sério desafio à conjuntura social, com suas importantes questões em pauta,
como a reforma política, das instituições todas, incluindo as religiosas. Os
consensos indispensáveis na construção da sociedade não podem ser reduzidos a
meros processos de negociação partidária ou de interesses cartoriais. Só o
compromisso com a verdade, meta a ser sempre buscada, possibilitará um
qualificado processo na formação dos entendimentos construídos a partir de
escolhas acertadas, rumos bem definidos e a participação indispensável de
todos.
Na complexidade dessa
questão de formar consensos, como força educativa e definidora de novos rumos,
não poderá faltar o exercício de um caminho indicado por Jesus, em sua
maestria, a partir de ditos e parábolas: a humildade. O exercício dessa virtude
tem efeitos admiráveis sobre nós todos. Aos inteligentes, dá mais luminosidade.
Aos governantes, a capacidade para ouvir o povo e, a partir dessa escuta,
discernir as prioridades e urgências. Em cada cidadão, eleva o gosto pelo
diálogo e um despertar apurado quanto ao compromisso de construir a sociedade
justa e solidária. No caminho da humildade indicado pelo mestre Jesus, a Babel
de consensos se tornará a sociedade de entendimentos.”
(DOM WALMOR
OLIVEIRA DE AZEVEDO. Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, em artigo
publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição
de 12 de abril de 2013, caderno OPINIÃO,
página 9).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
13 de abril de 2013, caderno PENSAR, coluna
OLHAR, página 2, de autoria de JOÃO
PAULO, que é editor de Cultura, e que merece igualmente integral
transcrição:
“Educação
na cultura de cassino
As
pessoas não gostam de pensar. Dá trabalho. Sobretudo quando a exigência de
reflexão parece jogar contra tudo que se convencionou considerar como valor: o
sucesso, o dinheiro e o poder. Por isso os pensadores estão em baixa, o estudo
deixou de ser um bem, a ideia de preparação apenas um atraso à chegada ao mundo
das mercadorias e do prazer imediato e com preço na etiqueta.
O
sociólogo polonês Zygmunt Bauman vem, nas últimas décadas, alertando para esse
tipo de cenário, a modernidade líquida (que substituiu a modernidade sólida), e
para o tipo de homem funcional nesse contexto. Sua extensa obra é um alerta
que, embora fundamentado na melhor ciência social, parte sempre do cotidiano e
de experiências presentes na vida de todos: o medo que paralisa e nos entope de
ansiedade, a fragilidade dos laços amorosos, transformação do homem em
mercadoria pela sanha do consumo, o desprestígio da política, a aceitação da
injustiça social como um mero dano colateral da globalização.
Com 30
livros já lançados no Brasil, Bauman vive na Inglaterra desde 1971 e, a cada
estudo, parece operar um poderoso do-in em nossas fragilidades. Com a
capacidade de ir ao ponto certo, sua massagem intelectual faz circular energias
necessárias para quem ainda se dispõe não apenas a compreender nossos descaminhos, como a
atuar para modificar seu rumo. O que Bauman mostra não é um panorama de
depressão e tristeza. Ele sabe que a modernidade líquida, ainda que ansiogênica
em sua natureza, se alimenta da cota de prazer que promete em termos de consumo
e felicidade imediata. A modernidade líquida não é um descaminho, mas um
projeto.
Por
isso, o mais recente livro do sociólogo, Sobre
educação e juventude (Editora Zahar), é tão interessante. Dado o
diagnóstico, Bauman se preocupa em mostrar o projeto de formação educacional
que está por trás de um mundo sem futuro. Mesmo a mais liberal das ideologias
sempre via na educação um momento necessário para renovação das elites culturais
e políticas. Estava na educação o bastão que se transmitia de uma geração a
outra, em termos de valores e conhecimentos fundamentais. Na sociedade líquida,
na cultura de cassino, na expressão de George Steiner, esquecer é melhor que
lembrar. O consumo é ponto de partida e de chegada.
Não é
um acaso que os jovens, hoje, se sintam desnorteados e raivosos quando percebem
que a promessa de um emprego se frustra numa sociedade que não valoriza o
conhecimento (há algumas décadas se falava orgulhosamente em sociedade do
conhecimento, hoje se defende que devemos ser formados para esquecer o que
aprendemos ontem sob o risco da desobediência). Há vários sinais desse
desprestígio: a corrida para os concursos (a estabilidade acima do desafio de
criar e mudar o mundo), o excesso de relações virtuais, o abuso nas drogas, o
comportamento violento, o consumismo. Não é um acaso que os mitos de sucesso de
hoje apelem tanto para pessoas que deixaram a escola de lado, como Steve Jobs,
Jack Dorsey e David Karp, todos da área de informática: no mundo do sucesso
imediato, a educação é um atraso de vida.
Em Sobre educação e juventude, o sociólogo,
em diálogo com o italiano Ricardo Mazzeo, enfrenta os desafios da educação na
sociedade contemporânea. Não se trata apenas de uma defesa genérica que costuma
ser traduzida em termos de busca de mais recursos, ampliação da jornada,
valorização dos professores e primazia do conhecimento, como se todos os males
se devessem a um déficit no setor. Na verdade, o projeto de educação para o
consumo é funcional e vitorioso, não sinal de uma derrota. Mudar a educação é
um passo importante para a transformação da sociedade. Não se pode querer menos
que isso.
Bauman
começa lembrando a contribuição do antropólogo Gregory Bateson e sua distinção
entre níveis de educação. No primeiro patamar, o mais baixo, há apenas a
transferência de informação a ser memorizada. No segundo, se busca a formação
de uma estrutura cognitiva que permita, no futuro, que outras informações
possam ser absorvidas e incorporadas, criando um patrimônio de saber e habilidades.
O terceiro nível se refere à capacidade de desfazer a estrutura anterior, sem
deixar no lugar um elemento substituto. O que pode, em momentos muito
especiais, ser a abertura para novos
paradigmas (é importante lembrar que quebrar paradigmas é algo mais profundo
que mudar de ideia), na maioria das vezes, tem efeito paralisador sobre o
conhecimento.
Na
educação contemporânea, o primeiro nível deixou de ser importante, já que a
mera informação foi transferida para a
memória das ,máquinas, e o que era potencialmente um câncer se tornou um valor.
Hoje, em alguns contextos, esquecer é mais importante que manter viva a
memória. A tradução dessa operação, por exemplo, no mundo do trabalho, se dá na
desvalorização de carreiras longas, de aprendizagens cumulativas, de
patrimônios de experiência plasmados no tempo. Em muitas áreas de prestígio,
vale mais ter tido muitos empregos dispersos e até conflitantes do que uma
trajetória coerente de construção de um saber e de um saber fazer. A liquidez
moderna exige desprendimento, volatilidade, mudança. Como os personagens de
Lewis Carol em Alice no País das
Maravilhas, é preciso ir rápido para ficar no mesmo lugar e correr duas
vezes mais rápido para sair de onde está.
ALIMENTAR
ÓDIO A juventude atual vive um cenário de decréscimo de
expectativas como não se via há muito tempo. Ter um diploma não é mais garantia
de nada. Na geração de seus pais, não havia esforço mais amoroso que investir
na educação na educação do filho. Hoje, sobretudo na Europa, a ausência de
perspectivas dos jovens, que se veem forçados a aceitar ocupações abaixo de sua
formação, domina as consciências infelizes. O resultado, ao lado de uma
saudável revolta, contudo, muitas vezes se transforma em ódio geracional (como
se a previdência fosse a culpada de tudo) ou mixobia, traduzida em
comportamentos racistas e xenófobos, como se os estrangeiros fossem
responsáveis pelo desequilíbrio de um capitalismo que não vê fronteiras na hora
de expandir e quer criar barreiras no momento da distribuição.
Os
alertas e propostas de Zygmunt Bauman não se voltam para a nostalgia de um
passado de ouro. Há novos desafios no mundo. O que suas reflexões sobre a
educação parecem trazer são alguns pressupostos que não podem ser deixados de lado
quando se pensa, hoje, em soluções amplas para temas sociais e políticos.
O
diagnóstico parece conter em si a terapia: somos herdeiros de uma era de
diferenças, as questões globais só são pensáveis no terrenos dos temas locais,
a assimilação à cultura dominante não é mais um destino, o capitalismo gera
mais problemas do que é capaz de resolver com seus próprios instrumentos, a
tecnologia não vai dar conta de nosso impasse ecológico, a conquista dos ideais
modernos foi interrompida, o mercado de consumo não vai obturar nossas faltas
enquanto indivíduos e cidadãos.
Sobre educação e juventude é um livro
para todos, já que, mesmo não sendo mais jovens, precisamos voltar à humilde
disposição para aprender. Somos responsáveis pela mixórdia em que nos metemos.
Mas é sempre mais cômodo colocar a culpa nos outros e apostar numa genérica
saída “pela educação”. Qual educação? Como afirmou Paulo Freire, “o educador
precisa ser educado”. O que era um acicate contra o conservadorismo talvez
mereça hoje ser tomado como um tarefa saneadora de nossas arrogâncias e
certezas combalidas.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
lúcidas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de
liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5
anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de
matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e
diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar
por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e
comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício,
em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e
danos, indubitavelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta
sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa
capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades
de ampliação e modernização de
setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); educação;
saúde; saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos
tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte,
acessibilidade); emprego, trabalho e
renda; assistência social; previdência social; agregação de valor às
commodities; minas e energia; segurança alimentar e nutricional; segurança
pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; pesquisa e
desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; logística; turismo; esporte,
cultura e lazer; sistema financeiro nacional; comunicações; qualidade (planejamento
– estratégico, tático e operacional –, eficiência, eficácia, efetividade,
economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a Copa das Confederações em junho; a 27ª Jornada
Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2014; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias,
da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da
paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...