“Além do positivismo jurídico
Fukuyama
alertou que a história acabou. Seriam tolos os que insistem em ver novas (ou
velhas) ideologias que pudessem fazer frente ao capitalismo. Mesmo crises como
as atuais que envolvem e colocam em xeque economias de todo o mundo seriam
incapazes de demovê-lo dessa opinião. Para ele o capitalismo sempre passou por
crises, sempre as superou e sempre irá superá-las.
Não
são poucos os que se levantam contra essa opinião. Como seria possível pensar
que a história da humanidade teria chegado ao fim e que não teríamos mais
opções. De plano e agora poderíamos
lembrar o socialismo e a fraternidade cristã como alternativas. E
seguramente estaríamos nos esquecendo de outras opções, mas o relevante é
perceber que de um modo geral as pessoas se incomodam com esse tipo de pensamento,
considerada por uns de imobilismo, por outros de autoritarismo, e por outros de
soberba.
Essa
rejeição tem assinatura. De um modo geral, a percepção de Fukuyama seguramente
incomoda mais aqueles de formação não liberal, pois os liberais veem seu
discurso como a confirmação de sua tese. Contudo, o que nos interessa aqui é
perquirir algum tipo de contra-assinatura nesse debate, buscando algo que
desborda a presente análise, algo que buscaria o deslocamento de Derrida.
Nessa
contra-assinatura está a questão temporal, pois se a história acabou, teria ela
chegado ao fim? E o fim é finalmente uma conclusão? E, se há conclusão, teria
ela um início? Qual é o início da história? E quando começou esse início?
Nossa,
que confusão! Mas, mais confuso ainda é o leitor que critica a pretensão de
Fukuyama no sentido de a suspensão do tempo e da história acreditar que tal
paralisia não ocorre no capitalismo, mas ocorre no direito.Basta recordar que
não são poucos os que acreditam que o trabalho operado pelos pandentistas no
século 19 é o fim da história. Nesse sentido, continuam a assumir a
interpretação como um ato mecânico de subsunção de um fato gerador a uma
hipótese legal de incidência, admitindo no máximo os condimentos feitos por
Savigny em torno das noções de interpretação lógica, sistemática e literal, sem
questionar as bases e os pressupostos das mesmas. Ou, quando muito, suspiram
por uma jurisprudência dos interesses, apoiando sem qualquer tipo de reflexão
as noções de voluntas legislatoris ou
de voluntas legis. Tampouco
questionariam a velha distinção entre presunções juris tantum e jure et jure
de modo a perceber as presunções absolutas como alguma coisa que desborde a
interpretação e as coloquem no mundo do intocável.
E,
quando o fazem, acreditam que o jusnaturalismo tenha acabado com Gustav
Radbruch e que o positivismo jurídico tenha se esgotado em Kelsen e em Bobbio.
O direito acabou e a subsunção garante um processo decisório neutro, próprio da
imparcialidade judicial. Quando muito, alguns poucos professam sua fé em outro
raciocínio metódico, a ponderação de valores, grande novidade chegada no país
há menos de duas décadas.
A
grande questão é essa: a história do direito acabou? Muitos respondem
positivamente, mas sempre por uma contra-assinatura: isso é coisa de filosofia,
pois na teoria a prática é outra. E assim, conseguem seguir repetindo as
fórmulas pandentistas sem perceber a crescente dissintonia entre a realidade e
suas práticas típicas do século 19.
É
necessário questionar esse fim da história e perceber que esse fim traz consigo
um novo começo. Um começo que põe fim à suposição de que nada mais há de novo
para se tratar no direito, um convite que abre sem jamais fechar as
possibilidades de lidar com as demandas que nossa sociedade coloca na
atualidade. Percebendo sempre que na condição de seres lançados em uma tradição
e em um tempo precisamos nos arriscar pensando para além da dogmática simples,
buscando auxílio em formas de racionalidade, questionando o conceito de
direito, questionando o conceito de ciência. Esse é um convite, um convite que
nos faça pensar sobre começos e fins, sobre introduções e conclusões, um
convite que pretende assombrar seu sossego, tirando suas crenças da sombra do
aconchego da repetição, da castração de manuais que ao resumir, ao
esquematizar, castram sua liberdade e negam justamente a base de qualquer
ciência, de qualquer direito, de qualquer processo: a responsabilidade que
temos de reconhecer a alteridade do outro, a condição que permite o ser humano
de ser, de poder ser, de vir a ser. E essa condição nos permite indagar: a
história do direito acabou na contraposição entre o jusnaturalismo e o
positivismo? Perguntar a quem? A quem se dá o direito de pensar...”.
(ÁLVARO RICARDO
DE SOUZA CRUZ. Procurador da República em Minas Gerais, mestre em direito
econômico e doutor em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC-Minas), vice-presidente do Instituto Mineiro de Direito Constitucional
(IMDC), autor do livro Além do
positivismo jurídico (Arraes Editores), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 14 de março
de 2014, caderno DIREITO & JUSTIÇA, página
principal).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
16 de maio de 2014, caderno OPINIÃO, página
9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Jogar
pela vida
A Copa do Mundo deste
ano pode se tornar um dos mais significativos momentos da história
sociopolítica do Brasil. O discurso que se ouviu nas ruas, em junho do ano
passado, foi um sinal, obviamente com a recusa radical dos lamentáveis
episódios de vandalismo, violência e atentados contra o patrimônio público.
Historicamente, a sociedade brasileira sempre viveu o tempo da Copa do Mundo
simplesmente como momento de euforia e divertimento. Essa paixão esportiva
nacional, com sua força educativa e o gosto gostoso que o futebol dá à vida dos
torcedores, indica que é preciso conciliar euforia e divertimento com o viés
político e social.
Os
fantasmas e ameaças de vandalismo não podem atropelar a oportunidade cidadã de
jogarmos pela vida. O coração apaixonado do torcedor, seu sentimento de
pertença à pátria, tem agora a oportunidade de agregar entendimentos,
discussões, análises e posturas que nos levem não só a vencer no esporte, mas,
sobretudo, contribuam para o crescimento da consciência cidadã. O cenário
político, com a singularidade deste ano eleitoral, precisa ser iluminado pela
atenção especial que uma Copa do Mundo mobiliza. Não permitir qualquer tipo de
violência é de suma importância para que manifestações, debates, discussões e
outras condutas cidadãs promovam mudanças nos abomináveis cenários de
corrupção, exclusão social e desrespeitos à dignidade da pessoa.
Pessimismo,
vandalismo e até mesmo torcida para que a Copa não dê certo enfraquecerão essa
oportunidade de crescimento qualificado da consciência política dos cidadãos
brasileiros. É importante tratar
adequadamente esse evento para que as eleições não representem apenas um voto
dado, mas uma postura com força de transformações em vista de novos cenários. É
hora de qualificar a participação política, que não pode se restringir aos atos
formais de votar ou de se reunir em associações comunitárias, sindicatos e
partidos políticos, mas também inclui a participação e presença nos espaços
definidos pela democracia representativa. Esta é a oportunidade para o
fortalecimento da competência na defesa dos valores éticos, da inviolabilidade
da vida humana, da promoção e resgate da unidade e estabilidade da família, do
direito dos pais a educar seus filhos, da justiça e da paz, da democracia e do
bem comum.
A
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se posiciona neste momento
político por meio de importante manifesto intitulado “Pensando o Brasil:
desafios diante das eleições de 2014”. Nessa mensagem, aprovada durante sua 52ª
Assembleia Geral, afirma que é indispensável combater a corrupção sistêmica e
endêmica, invisível e refinada, presente em práticas políticas e no mundo
daqueles que exercem o poder econômico, causando desigualdades, aumentando
custos e sobrecarregando os destinos da nação. A cada dia se torna mais urgente
a reforma política, lamentavelmente não desejada pelos que podem levá-la
adiante. Este ano eleitoral, portanto, é oportunidade de checar quem tem
condições e vontade política de promover essa indispensável reforma,
viabilizando uma série de outras mudanças em vista da edificação de uma
sociedade mais justa.
Na
mensagem, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil sublinha que “pesquisas
têm indicado uma baixa confiança da população nos poderes instituídos da
República. Duvida-se da honestidade de todos os políticos. Desconfia-se da
existência dos programas partidários. Mesmo havendo tais programas, não se
acredita que os políticos sejam fiéis a eles. Com frequência, esse clima tem
levado o cidadão à sensação de que votar não adianta nada e de que a
participação política é inútil. Tal atitude, porém, gera um círculo vicioso: o
cidadão não participa porque as estruturas do país não correspondem aos
interesses do povo; no entanto, tais estruturas não vão mudar sem sua
participação. É necessário evitar, a todo custo, o desalento e encontrar
oportunidades de agir em favor das mudanças consideradas necessárias. Assim, é
importante usufruir bem dessa oportunidade da Copa do Mundo para que sejam
promovidas transformações, alcançadas respostas adequadas e se possa engrossar
as fileiras dos que, em todos os campos, efetivamente jogam pela vida.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$
1trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação;cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e
solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas,
oportunidades e potencialidades com todas
as brasileiras e com todos os
brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários
previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016;
as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da
era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...