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segunda-feira, 19 de maio de 2014

A CIDADANIA, O DIREITO DE PENSAR O DIREITO E O JOGAR PELA VIDA

Além do positivismo jurídico
        
         Fukuyama alertou que a história acabou. Seriam tolos os que insistem em ver novas (ou velhas) ideologias que pudessem fazer frente ao capitalismo. Mesmo crises como as atuais que envolvem e colocam em xeque economias de todo o mundo seriam incapazes de demovê-lo dessa opinião. Para ele o capitalismo sempre passou por crises, sempre as superou e sempre irá superá-las.
         Não são poucos os que se levantam contra essa opinião. Como seria possível pensar que a história da humanidade teria chegado ao fim e que não teríamos mais opções. De plano e agora poderíamos  lembrar o socialismo e a fraternidade cristã como alternativas. E seguramente estaríamos nos esquecendo de outras opções, mas o relevante é perceber que de um modo geral as pessoas se incomodam com esse tipo de pensamento, considerada por uns de imobilismo, por outros de autoritarismo, e por outros de soberba.
         Essa rejeição tem assinatura. De um modo geral, a percepção de Fukuyama seguramente incomoda mais aqueles de formação não liberal, pois os liberais veem seu discurso como a confirmação de sua tese. Contudo, o que nos interessa aqui é perquirir algum tipo de contra-assinatura nesse debate, buscando algo que desborda a presente análise, algo que buscaria o deslocamento de Derrida.
         Nessa contra-assinatura está a questão temporal, pois se a história acabou, teria ela chegado ao fim? E o fim é finalmente uma conclusão? E, se há conclusão, teria ela um início? Qual é o início da história? E quando começou esse início?
         Nossa, que confusão! Mas, mais confuso ainda é o leitor que critica a pretensão de Fukuyama no sentido de a suspensão do tempo e da história acreditar que tal paralisia não ocorre no capitalismo, mas ocorre no direito.Basta recordar que não são poucos os que acreditam que o trabalho operado pelos pandentistas no século 19 é o fim da história. Nesse sentido, continuam a assumir a interpretação como um ato mecânico de subsunção de um fato gerador a uma hipótese legal de incidência, admitindo no máximo os condimentos feitos por Savigny em torno das noções de interpretação lógica, sistemática e literal, sem questionar as bases e os pressupostos das mesmas. Ou, quando muito, suspiram por uma jurisprudência dos interesses, apoiando sem qualquer tipo de reflexão as noções de voluntas legislatoris ou de voluntas legis. Tampouco questionariam a velha distinção entre presunções juris tantum e jure et jure de modo a perceber as presunções absolutas como alguma coisa que desborde a interpretação e as coloquem no mundo do intocável.
         E, quando o fazem, acreditam que o jusnaturalismo tenha acabado com Gustav Radbruch e que o positivismo jurídico tenha se esgotado em Kelsen e em Bobbio. O direito acabou e a subsunção garante um processo decisório neutro, próprio da imparcialidade judicial. Quando muito, alguns poucos professam sua fé em outro raciocínio metódico, a ponderação de valores, grande novidade chegada no país há menos de duas décadas.
         A grande questão é essa: a história do direito acabou? Muitos respondem positivamente, mas sempre por uma contra-assinatura: isso é coisa de filosofia, pois na teoria a prática é outra. E assim, conseguem seguir repetindo as fórmulas pandentistas sem perceber a crescente dissintonia entre a realidade e suas práticas típicas do século 19.
         É necessário questionar esse fim da história e perceber que esse fim traz consigo um novo começo. Um começo que põe fim à suposição de que nada mais há de novo para se tratar no direito, um convite que abre sem jamais fechar as possibilidades de lidar com as demandas que nossa sociedade coloca na atualidade. Percebendo sempre que na condição de seres lançados em uma tradição e em um tempo precisamos nos arriscar pensando para além da dogmática simples, buscando auxílio em formas de racionalidade, questionando o conceito de direito, questionando o conceito de ciência. Esse é um convite, um convite que nos faça pensar sobre começos e fins, sobre introduções e conclusões, um convite que pretende assombrar seu sossego, tirando suas crenças da sombra do aconchego da repetição, da castração de manuais que ao resumir, ao esquematizar, castram sua liberdade e negam justamente a base de qualquer ciência, de qualquer direito, de qualquer processo: a responsabilidade que temos de reconhecer a alteridade do outro, a condição que permite o ser humano de ser, de poder ser, de vir a ser. E essa condição nos permite indagar: a história do direito acabou na contraposição entre o jusnaturalismo e o positivismo? Perguntar a quem? A quem se dá o direito de pensar...”.

(ÁLVARO RICARDO DE SOUZA CRUZ. Procurador da República em Minas Gerais, mestre em direito econômico e doutor em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), vice-presidente do Instituto Mineiro de Direito Constitucional (IMDC), autor do livro Além do positivismo jurídico (Arraes Editores), em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 14 de março de 2014, caderno DIREITO & JUSTIÇA, página principal).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 16 de maio de 2014, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Jogar pela vida
        
         A Copa do Mundo deste ano pode se tornar um dos mais significativos momentos da história sociopolítica do Brasil. O discurso que se ouviu nas ruas, em junho do ano passado, foi um sinal, obviamente com a recusa radical dos lamentáveis episódios de vandalismo, violência e atentados contra o patrimônio público. Historicamente, a sociedade brasileira sempre viveu o tempo da Copa do Mundo simplesmente como momento de euforia e divertimento. Essa paixão esportiva nacional, com sua força educativa e o gosto gostoso que o futebol dá à vida dos torcedores, indica que é preciso conciliar euforia e divertimento com o viés político e social.
         Os fantasmas e ameaças de vandalismo não podem atropelar a oportunidade cidadã de jogarmos pela vida. O coração apaixonado do torcedor, seu sentimento de pertença à pátria, tem agora a oportunidade de agregar entendimentos, discussões, análises e posturas que nos levem não só a vencer no esporte, mas, sobretudo, contribuam para o crescimento da consciência cidadã. O cenário político, com a singularidade deste ano eleitoral, precisa ser iluminado pela atenção especial que uma Copa do Mundo mobiliza. Não permitir qualquer tipo de violência é de suma importância para que manifestações, debates, discussões e outras condutas cidadãs promovam mudanças nos abomináveis cenários de corrupção, exclusão social e desrespeitos à dignidade da pessoa.
         Pessimismo, vandalismo e até mesmo torcida para que a Copa não dê certo enfraquecerão essa oportunidade de crescimento qualificado da consciência política dos cidadãos brasileiros. É importante  tratar adequadamente esse evento para que as eleições não representem apenas um voto dado, mas uma postura com força de transformações em vista de novos cenários. É hora de qualificar a participação política, que não pode se restringir aos atos formais de votar ou de se reunir em associações comunitárias, sindicatos e partidos políticos, mas também inclui a participação e presença nos espaços definidos pela democracia representativa. Esta é a oportunidade para o fortalecimento da competência na defesa dos valores éticos, da inviolabilidade da vida humana, da promoção e resgate da unidade e estabilidade da família, do direito dos pais a educar seus filhos, da justiça e da paz, da democracia e do bem comum.
         A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se posiciona neste momento político por meio de importante manifesto intitulado “Pensando o Brasil: desafios diante das eleições de 2014”. Nessa mensagem, aprovada durante sua 52ª Assembleia Geral, afirma que é indispensável combater a corrupção sistêmica e endêmica, invisível e refinada, presente em práticas políticas e no mundo daqueles que exercem o poder econômico, causando desigualdades, aumentando custos e sobrecarregando os destinos da nação. A cada dia se torna mais urgente a reforma política, lamentavelmente não desejada pelos que podem levá-la adiante. Este ano eleitoral, portanto, é oportunidade de checar quem tem condições e vontade política de promover essa indispensável reforma, viabilizando uma série de outras mudanças em vista da edificação de uma sociedade mais justa.
         Na mensagem, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil sublinha que “pesquisas têm indicado uma baixa confiança da população nos poderes instituídos da República. Duvida-se da honestidade de todos os políticos. Desconfia-se da existência dos programas partidários. Mesmo havendo tais programas, não se acredita que os políticos sejam fiéis a eles. Com frequência, esse clima tem levado o cidadão à sensação de que votar não adianta nada e de que a participação política é inútil. Tal atitude, porém, gera um círculo vicioso: o cidadão não participa porque as estruturas do país não correspondem aos interesses do povo; no entanto, tais estruturas não vão mudar sem sua participação. É necessário evitar, a todo custo, o desalento e encontrar oportunidades de agir em favor das mudanças consideradas necessárias. Assim, é importante usufruir bem dessa oportunidade da Copa do Mundo para que sejam promovidas transformações, alcançadas respostas adequadas e se possa engrossar as fileiras dos que, em todos os campos, efetivamente jogam pela vida.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais avassaladores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação;cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...