“A
volta da cidadania
A radicalização nada
acrescenta à formação da cidadania tão desejada pela sociedade. Os atos de
violência e vandalismo, da mesma forma, não coaduna com as aspirações da
coletividade. O diálogo e as discussões no campo das ideias, indubitavelmente,
representam um passo largo ao encontro das soluções civilizadas. No entanto,
diante da insistente profusão de interesses mesquinhos que causam engulhos aos
cidadãos de bem, não resta aos brasileiros outra saída, senão voltar às ruas e
continuar demonstrando, com suas faixas e seus cartazes, a mais absoluta
indignação com o descaso e o desrespeito das autoridades públicas. A população
pediu de forma educada, mas enérgica, que os governantes priorizassem a saúde,
a educação, o transporte, a segurança e o meio ambiente. Passados mais de 60
dias, as providências nem sequer foram iniciadas e as autoridades continuam
inertes nos seus confortáveis observatórios do poder.
A
sociedade brasileira, da mais liberal à mais conservadora, corroborou em
pensamentos e em atos as manifestações cívicas e ordeiras, bem como endossou as
justas pautas de reivindicações do povo. Contudo, de nada adiantou, porque os
políticos assentados nas esferas federal, estadual e municipal permanecem
alheios e ausentes, absortos com o efêmero.
O remédio
constitucional impetrado por peroração pública em favor da cidadania, traduzido
por via de habeas corpus, embora esse, no sentido figurativo, não tinha somente
alguns na sua régia titularidade, mas a nação como impetrante. Esse habeas
corpus nacional não trata da hipótese de constrangimento à liberdade de
locomoção, mas constitui um instrumento de defesa da vida, imprescindível aos
direitos e garantias dos indivíduos, que exigem mais que simples sobrevivência
e que não admitem a atrofia, a mutilação ou a escravização da pessoa. A volta
da cidadania às ruas é uma prerrogativa do povo, requerente não apenas do
direito de ir e vir, como também da liberdade de expressão. O povo é requerente
do aperfeiçoamento das práticas democráticas, da sua participação ampla na vida
do país e da realização dos sonhos das famílias, que têm como aspiração a
efetiva e percuciente busca pela qualidade de vida.
A
população brasileira merece mais que promessas feitas de quatro em quatro anos.
Fazem-se necessárias as reformas engavetadas pelo sistema bicameral. Basta de
exclusão social com segregação econômica e cultural. Chega de conivência
governamental na defesa dos interesses
de poucos, em detrimento dos direitos de muitos. E, se não existia oposição,
ela já está surgindo: a oposição cidadã. Valho-me, por fim, da lição do
pensador político, advogado e constitucionalista Rui Barbosa, que assim
lecionava: “O sino da liberdade não terá de dobrar sobre o sepulcro dos juízes,
mas sobre o ignominioso trespasse da
República, contra o qual, nas mãos da nação revoltada pela falta de justiça, se
levantarão as pedras das ruas”.”
(WILSON
CAMPOS. Advogado, presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos
Interesses Coletivos da Sociedade da OAB-MG, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 10 de
setembro de 2013, caderno OPINIÃO, página
9).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 7
de setembro de 2013, caderno PENSAR, página
2, de autoria de JOÃO PAULO, que é
editor de Cultura, e que merece igualmente integral transcrição:
“Um
documento humano
As novas gerações
talvez não conheçam Alceu Amoroso Lima (1892-1983). O escritor, crítico
literário e pensador católico foi um dos homens de pensamento mais importantes
do Brasil no século 20 e se tornou uma referência intelectual e moral para o
país em seus momentos mais difíceis. Alceu escreveu quase 100 livros em
diversos campos do conhecimento – direito, filosofia, sociologia, política,
teologia e jornalismo –, além de ter sido, com o pseudônimo de Tristão de
Ataíde, o mais influente crítico literário de seu tempo.
Mas
Alceu não foi apenas um grande intelectual, foi um mestre da ação. Sua
trajetória, curiosamente, foi na contramão da maioria dos homens de seu tempo:
foi conservador na juventude para se revelar de esquerda e libertário na
maturidade. Desde que assumiu seu catolicismo, em 1928, com uma carta que se
tornou célebre, “Adeus à disponibilidade”, endereçada a Sérgio Buarque de
Holanda, Alceu fez da Igreja Católica e de seus desafios no século 20 uma de
suas grandes preocupações.
A
importância de Alceu Amoroso Lima se torna ainda mais relevante quando se
acompanha sua ação política destacada em todos os campos. Dentro da Igreja, foi
da doutrina social à teologia da libertação, acompanhando de perto o Concílio
Vaticano II e o aggiornamento da
Igreja romana, se ligando ao processo de renovação da instituição milenar em
crise com as demandas de seu momento histórico. E é bom lembrar que Alceu fez
parte dos grupos mais conservadores da Igreja e que, por isso, foi deixando no
caminho, em nome de sua coerência, muitos amigos e companheiros de jornada.
Sua
relação com a Igreja – talvez também seja difícil para os mais novos entender a
força do pensamento católico no Brasil e o mundo por volta dos meados do século
20 – fez dele interlocutor de grandes filósofos, como Jacques Maritain, e até
mesmo de papas, como Paulo VI. Mas a religião também deu a Alceu liberdade para
se aproximar do pensamento místico (como do trapista americano Thomas Merton)
e, sobretudo, das grandes questões políticas, como a crítica à injustiça social
e o combate às ditaduras.
Em
meio a tanto trabalho intelectual e militância – some-se ainda a isso seu labor
como professor e os vários artigos que publicava diariamente na imprensa –,
Alceu Amoroso Lima viveu no âmbito familiar uma história sublime. Em 1952, aos
23 anos, sua filha Lia Amoroso Lima decide entrar para o convento das
beneditinas, onde permaneceu até sua morte, em 2011, aos 82 anos. O pai – que
levou a filha até a abadessa do convento para que ela se tornasse uma simples
monja – passou então a escrever diariamente para Lia, que assumiu o nome de
Maria Teresa, numa correspondência que foi
até os últimos dias de Alceu. E é bom lembrar que se tratava de cartas
físicas, escritas à mão e postadas no correio todos os dias.
Um dos
maiores documentos humanos do nosso país, a correspondência trata de temas
profundos, como religião e filosofia, entra no debate das questões políticas do
momento, encontra espaço para a conversa amigável e afetuosa entre pai e filha.
Há passagens em que Alceu fala dos amigos e de trabalhos em andamento, queixa
das dificuldades, se anima com as pequenas conquistas, relembra momentos idos e
vividos. Há um pouco de tudo na vasta correspondência: filosofia, literatura,
política, crônica, memória e comentário político. E sobretudo a confiança
absoluta de dois seres que se amavam.
Como
eram cartas diárias e Alceu se encontrava sempre assoberbado de mil
atribuições, era de se esperar que as cartas fossem curtas, pequenos registros
do dia a dia, uma simples tentativa de estar perto da filha querida. Nada
disso, muitas delas se alongam por várias páginas, fazem comentários profundos,
ensaiam reflexões que depois ganhariam artigos para imprensa, ensaios e mesmo
livros. Alceu era um analista incisivo e dotado ao mesmo tempo de senso
crítico, base filosófica e humor, o que dá aos seus comentários um sabor muito
especial, sobretudo no momento em que não precisava se preocupar com as
censuras de toda natureza, das políticas às psicológicas. Um dos homens mais
íntegros e completos que o país já teve, em suas cartas revela ainda a cálida
presença de sua personalidade, sempre intensa e entusiasmada (palavra na medida
para Alceu, já que sua etimologia registra: estar cheia de Deus).
RELIGIÃO
E POLÍTICA Parte da correspondência de Alceu
Amoroso Lima à filha já havia sido publicada em 2003, no volume Cartas do pai, pelo Instituto Moreira
Salles. Um livro com mais de 600 páginas que reúne as correspondências enviadas
entre julho de 1958 e dezembro de 1968. Além de revelar pela primeira vez o
teor das cartas – havia uma grande curiosidade sobre elas entre os admiradores
de Alceu, que sabiam de sua existência –, o livro se mostrou o registro de um
momento marcado principalmente pela religião. Mas a sombra da política
brasileira parece se adivinhar, até mesmo pela data de encerramento do volume,
às portas da decretação ao Ato Institucional nº 5, que marcaria a fogo a
história recente do país e a situação de Alceu Amoroso Lima como um de seus
principais combatentes pela liberdade.
Por
isso se torna precioso o lançamento de mais um livro dedicado às cartas de
Alceu à filha, Diário de um ano de trevas,
que abrange o período que vai de janeiro de 1969 a fevereiro de 1970. Lançado
também pelo Instituto Moreira Salles, o volume é organizado por Frei Betto e
por Alceu Amoroso Lima Filho, que trabalhou ao lado da irmã na decifração da
caligrafia do pai até a morte da madre Maria Teresa. O trabalho dos
organizadores é soberbo. A seleção é primorosa – não há uma carta publicada que
não emocione ou ensine sobre o tempo abarcado e os personagens –, as notas
sempre informativas e concisas, a concentração nos temas de interesse amplo é
mantida com equilíbrio (houve supressões de trechos por razões de ordem
pessoal, segundo os organizadores, o que em momento algum prejudica a leitura),
a recuperação do contexto histórico é sempre competente e a favor da
legibilidade dos documentos.
O que
em Cartas do pai era revelação humana
e religião, em Diário de um ano de trevas
é política e indignação. Alceu Amoroso Lima vive, com a decretação do AI-5 um
sofrimento pessoal palpável. Ele parece antever, e chega a registrar, que a
ditadura demoraria 20 anos para deixar a sociedade brasileira e que, por isso,
talvez não vivesse mais a democracia em seu país. Ao morrer em 1983, não sem
deixar de lutar todos os dias, Alceu ajudou a conquistar a redemocratização,
mas não chegou a experimentá-la. Suas cartas à filha documentam esse período,
um longo ano de batalhas pela liberdade no mais duro dos períodos da ditadura
militar.
O
sempre afável e esperançoso Alceu tem momento de revolta e impaciência, padece
pelo afastamento de amigos, vê os jornais lhe fecharem as portas em razão do
medo da censura. Não havia general com estofo suficiente para censurar o
pensador, mas nas redações o medo ia além do razoável. Alceu não negociou com o
inimigo, não mudou de tom – antes o tornou mais ácido e até feroz – não deixou
de pensar nem mesmo pela sedução de incendiar as consciências. Sua crítica aos
militares se unia à crítica à Igreja que retrocede em seu caminho de abertura
para apoiar o golpe. Como escreve à Maria Teresa: “Somos um país inchado, e não
grande, não por culpa do nosso povo pobre, mas dos dirigentes que o exploram de
qualquer modo, e agora, particularmente dessa oligarquia militar
puritanística”.
Ao
tratar da situação por que passava o país, Alceu o faz a partir de análise de
fatos do momento, não necessariamente apenas da conjuntura, mas de aspectos
ligados à educação, à ciência, aos partidos políticos, à imprensa. Tudo ao lado
de análises feitas em cima da hora dos descaminhos da ditadura e da vergonhosa
atuação de seus personagens. A correspondência, mesmo atravessada pela
política, encontra também espaço para o afeto, para as memórias, para os
bastidores da Academia Brasileira de Letras e da vida literária, para as
lembranças do Rio antigo, dos amigos que se foram, das leituras de juventude e
dos consolos da fé.
Diário de um ano de trevas é testemunho
que revela não apenas a grande figura de Alceu Amoroso Lima, mas a dimensão
necessária da resistência humana contra toda forma de injustiça. Em cada ato e
omissão escrevemos uma carta ao mundo. Felizes daqueles que podem reuni-las um
dia para entregar, como um bastão de corrida de revezamento, nas mãos dos que
vêm depois.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas.
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 de anos de idade na
primeira série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (por exemplo, a notícia de mais uma operação da Polícia Federal de desmonte de quadrilha que causou desvio de recursos do Ministério do Trabalho e Emprego, em torno de R$ 400 milhões); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;
c) a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; turismo; esporte, cultura e lazer; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O BRASIL TEM JEITO!...