“Bilhete
de saída
O papel da corrupção,
da submissão ao poder econômico e do deslumbramento dos líderes no
desencorajamento da capacidade administrativa e na desmoralização da política
foram as mais eficientes formas de
diminuir a pressão por melhorias na gestão e organização da vida pública. Por
isso, mesmo que os países emergentes consigam mudar sua posição na hierarquia
do poder mundial, mantido o fracasso de sua maneira de administrar o Estado,
tudo não passará de falso desenvolvimento. Jagdish Bhagwati, que ensina
economia e direito na Universidade de Columbia, em Nova York, vê sua rica
universidade – que é beneficiária de imensas doações – usar seus recursos para
ajudar o Bairro do Harlem, vizinho à universidade, a se organizar. E lembra que
foi a filantropia que tornou o capitalismo atrativo nas sociedades nas quais
ele teve sucesso. Hoje em dia, apesar de toda a propaganda em cima de ações de
responsabilidade social que as grandes corporações fazem, o fato é que a
percepção dos benefícios públicos reais gerados por elas tem diminuído
relativamente às décadas passadas. Some-se a isso a vida de gastos excessivos e
pouca obra social dos acionistas e tem-se basicamente um cenário em que a
responsabilidade social ficou relegada ao Estado.
O
Estado, por sua vez, estimula na sociedade essa compreensão de que é o único
agente capaz de criar e manter uma rede de proteção social precisando, para
isso, aumentar o controle e a taxação sobre todos. O que parece verdade é que
um longo período de cortes nos impostos, associado a uma percepção de menor
compromisso social privado, deu a tônica para a exacerbação da desigualdade nos
países ricos. Para Bhagwati, a mudança por que o mundo passou nas últimas
décadas, de megaempresas familiares para as corporações modernas, forças as
últimas a se ajustarem a isso e aumentarem suas ações que promovam o bem
social. Essa não é a única resposta possível, mas os partidários do capitalismo
e da livre iniciativa devem estar atentos ao fato de que todo modelo econômica
precisa ser legítimo aos olhos da população. Apoio que vem da percepção de que
o modelo é sustentado por valores intrinsecamente bons, e superiores a outros,
é que pode diminuir a pressão para que Estado estatize a bondade, como quer a
propaganda oficial.
A
verdadeira natureza da política e o papel do político precisam a cada dia ser
relembrados em todos os países. Depois que as leis do desenvolvimento econômico
passaram a governar mais do que os próprios governos – a autonomia da política
para gerir a sociedade é uma ficção crescente – desapareceu aquele rastilho
luminoso, o sentido fulgurante que parecia justificar a vida nos palácios e o
charme no exercício do poder. Isso explica um pouco o deboche das ruas em todo
o mundo.
Por
isso, é uma espetacular novidade a entrevista que o presidente do Uruguai, José
Mujica, concedeu à rede estatal chinesa Xinhua. Disse que não concorda com o
título que lhe foi atribuído pela imprensa internacional de “presidente mais
pobre do mundo”, em razão de seu estilo de vida simples. Ele considera o título
incorreto porque, segundo ele, sua vida austera tem como objetivo “manter-se
livre”. “Eu não sou pobre. Pobre são aqueles que precisam de muito para viver,
esses são os verdadeiros pobres; eu tenho o suficiente”, afirmou. “Sou austero,
sóbrio, carrego poucas coisas comigo, porque para viver não preciso muito mais
do que tenho. Luto pela liberdade e liberdade é ter tempo para fazer o que
gosta”, disse o presidente que acha “deve-se trabalhar muito, mas não me venham
com essa história de que a vida é só isso”.
Mujica
recebeu a equipe de reportagem chinesa em sua modesta propriedade rural em
Rincón del Cierro, nos arredores de Montevidéu, ao lado de cães e galinhas que
cria e alimenta todos os dias. Aos 77 anos, o presidente doa 90% de sua
salário, de 260 mil pesos paraguaios (quase
R$ 28 mil), a instituições de caridade. Não tem cartão de crédito nem
conta bancária. Sua lista de bens inclui um terreno de sua propriedade e dois
nos quais conta com 50% de participação, todos na mesma área rural. Diz ter
alma de camponês, e se orgulha de sua plantação de acelga, e já pensa em voltar
a cultivar flores. Possui dois velhos automóveis 1980 e três tratores. Quando
perguntado se após deixar o governo ele tentará acumular fortuna, ele disse:
“Depois terei de gastar tempo para cuidar do dinheiro e muito mais tempo da
minha vida para ser se estou perdendo ou ganhando. Não, isso não é vida”,
enfatizou.
Não
deixa de ser interessante ver alguém no poder comprar o bilhete de saída para
essa falsa vida de autoridade que tomou conta do planeta. Ideias velhas, é do
que a política anda precisando.”
(PAULO
DELGADO, que é sociólogo, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 23 de junho
de 2013, caderno OPINIÃO, página
19).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
26 de junho de 2013, caderno OPINIÃO, página
9, de autoria de FREI BETTO, que é
escritor, autor de Aldeia do silêncio (Rocco),
entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:
“Plebe
e nobreza
Era uma vez um reino governado
por um rei despótico. Sua majestade oprimia os súditos e mandava prender,
torturar, assassinar quem lhe fizesse oposição. O reino de terror prolongou-se
por 21 anos. Os plebeus, inconformados, reagiram ao déspota. Provaram que ele
estava nu, denunciaram sua atrocidades, ocuparam os caminhos e as praças do
reino, até que o rei perdesse a coroa. Vários ministros do rei deposto ocuparam
sucessivamente o trono, sem que as condições econômicas dos súditos conhecessem
melhoras. Decidiu-se mudar a moeda e batizar a nova com um título
nobiliárquico: real. Tal medida, se não trouxe benefícios expressivos à plebe,
ao menos reduziu as turbulências que, com frequência, afetavam as finanças da
corte.
Ainda
insatisfeita, a plebe logrou conduzir ao trono um dos seus. Uma vez coroado, o
rei plebeu tratou de combater a fome do reino, facilitar créditos aos súditos,
desonerar produtos de primeira necessidade, ao mesmo tempo em que favorecia os
negócios de duques, condes e barões, sem atender os apelos dos servos que
labutavam nas terras de extensos feudos e clamavam pelo direito de possuir a
própria gleba.
O
reino obteve, de fato, sucessivas melhoras com o rei plebeu. Ele, porém, aos
poucos deixou de dar ouvidos à vassalagem comum e cercou-se de nobres e senhores
feudais, de quem escutava conselhos a quem beneficiava com recursos do tesouro
real. Obras suntuosas foram erguidas, devastando matas, poluindo rios e, o mais
grave, ameaçando a vida dos primitivos habitantes do reino.
Para
assegurar-se no poder, a casa real fez um pacto com todas as estirpes de sangue
azul, ainda que muitos tivessem os dedos multiplicados sobre o tesouro real. Do
lado de fora do castelo, os plebeus sentiam-se contemplados por melhorias de
vida, viam a miséria se reduzir, tinham até acesso a créditos para adquirirem
carruagens próprias. Porém, uma insatisfação pairava no reino. Os vassalos eram
conduzidos ao trabalho em carroças apertadas e pagavam caros reais pelo
transporte precário. As escolas quase nada ensinavam além do bê-a-bá, e os
cuidados com a saúde eram tão inacessíveis quanto as joias da coroa. Em caso de
doença, os súditos padeciam, além das dores do mal que os afetava, o descaso da
casa real e a inoperância de um SUStema que, com frequência, matava na fila o
paciente em busca de cura.
Os
plebeus se queixavam. Mas a casa real não dava ouvidos, exceto aos aplausos
refletidos nas pesquisas realizadas pelos arautos do reino. O castelo isolou-se
do clamar dos súditos, sobretudo depois que o rei abdicou em favor da rainha.
Infestado de crocodilos o fosso em torno, as pontes levadiças foram recolhidas
e as audiências com os representantes da plebe canceladas ou, quando muito,
concedidas por um afável ministro que quase nenhum poder tinha para mudar o
rumo das coisas.
Em
meados do ano, a corte promoveu, com grande alarde, os jogos reais. Vieram
atletas de todos os recantos do mundo. Arenas magníficas foram construídas em
tempo recorde e o tesouro real fez a alegria e a fortuna de muitos que orçavam
um e embolsavam cem.
Foi
então que o caldo entornou. A plebe, inconformada com o alto preço dos
ingressos e o aumento nos bilhetes de transporte em carroças, ocupou os
caminhos e praças. Pesou ainda a indignação frente à impunidade dos corruptos e
à tentativa de calar os defensores dos direitos dos súditos contra os abusos
dos nobres. A vassalagem queria mais: educação da qualidade da que se oferecia
aos filhos da nobreza; saúde assegurada a todos; controle do dragão
inflacionário cuja bocarra voltara a vomitar chamas ameaçadoras, capazes de
calcinar, em poucos minutos, os parcos reais de que dispunha a plebe.
Então
a casa real acordou! Archotes foram acesos no castelo. A rainha, perplexa,
buscou conselhos junto ao rei que abdicara. Os preços dos bilhetes de carroças
foram logo reduzidos. Agora, o reino, em meio à turbulência, lembra que o povo
existe e detém um poder invencível. O castelo promete abrir o diálogo com
representantes da plebe. Príncipes hostis à rainha ameaçam tomar-lhe o trono.
Paira no horizonte o perigo de algum déspota se valer do descontentamento
popular para, de novo, impor ao reino o regime de terror. A esperança é que se
abram os canais entre a plebe e o trono, o clamor popular encontre ouvidos no
castelo, as demandas sejam prontamente atendidas. Sobretudo, dê a casa real
ouvidos à voz dos jovens reinóis que ainda não sabem como transformar sua
indignação e revolta em propostas e projetos de uma verdadeira democracia, para
que não haja o risco de retornarem ao castelo déspotas corruptos e demagogos,
lacaios dos senhores feudais e de casas reais estrangeiras.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, severo e sem trégua, aos
três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente
irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a confiança em nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; saneamento ambiental (água
tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana,
logística reversa); habitação;
mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade urbana); minas e energia; emprego, trabalho e renda;
agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social;
segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia
federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; sistema financeiro nacional; comunicações; esporte,
cultura e lazer; turismo; qualidade (planejamento – estratégico, tático e
operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a Copa das Confederações; a 27ª Jornada Mundial
da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada
de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do
século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da
informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da
sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da
paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...