Mostrando postagens com marcador José Maria Alves da Silva. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador José Maria Alves da Silva. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A CIDADANIA, A REFORMA DO ESTADO E A CONSTRUÇÃO DO SER HUMANO

“As insuficiências de uma reforma política para dar um jeito no Brasil
        
         Na visão econômica convencional, a alocação de recursos para a produção dos bens privados é determinada pelo livre jogo das forças de mercado. Os desequilíbrios entre oferta e procura são corrigidos espontaneamente por meio de ajustes de preços e/ou de quantidades. Mas isso não se aplica ao caso dos bens públicos. Pela natureza indivisível da oferta, que torna impraticável a cobrança de preços individuais, os chamados bens públicos puros, como segurança pública, defesa nacional, administração de justiça e preservação ambiental, não podem ser provisionados pelo mecanismo de mercado. Nesse caso, as condições de oferta dependem de decisões políticas através do Estado.
         Há uma categoria intermediária entre os bens privados e os bens públicos puros: são os chamados bens semipúblicos ou mistos. Estes têm propriedades de bens de bens privados porque, a princípio, podem estar sujeitos a cobranças de preços, como os bens de mercado, e, ao mesmo tempo têm características de bens públicos porque sua fruição individual gera externalidades, ou seja, outros benefícios que extravasam para a sociedade como um todo, e não são passíveis de cobranças individuais especificas. Enquadram-se nessa categoria os serviços de educação, saúde, fornecimento de energia e transporte coletivo.
         Segue-se dessa classificação uma lógica econômica segundo a qual a alocação de recursos na produção de bens privados “fica em boas mãos” sob o comando das forças de mercado, sujeita aos mecanismos de ajustes via preços e/ou quantidades, enquanto a responsabilidade pela provisão de bens públicos deve estar sob a responsabilidade do Estado, diretamente, no caso dos bens públicos puros, ou indiretamente, mediante parcerias com a iniciativa privada, no caso dos semipúblicos.
         Na esfera do mercado, tudo o que causa perda de eficiência alocativa, seja por queda da produtividade ou elevação dos custos, tende a se transmitir como alta da inflação. Mesmo que não tenha nada diretamente a ver com a origem do problema, o aumento da inflação é um anátema para o governo. Não se responsabiliza o mercado pelo mal. É o Estado que é responsabilizado.
         No caso dos bens públicos, as coisas se passam de maneira diferente. Quando a oferta é deficiente, como historicamente tem sido o caso brasileiro, o mal-estar social resultante não é acompanhado de nenhum sintoma inflacionário. Ele pode ser indicado por outros índices, como a taxa de criminalidade, o número de mortes violentas por 100 mil habitantes, o IDH, a colocação do Brasil nos rankings mundiais de qualidade da educação e outros índices que não causam tanta sensação na mídia quanto o IPCA e o PIB. Trata-se de uma miopia típica da sociedade de consumo, da qual os governantes brasileiros têm procurado tirar vantagens eleitorais.
         O que os recentes distúrbios provocados pelas manifestações populares estão mostrando é que há limites de tolerância para o mal-estar social decorrente da situação miserável no fornecimento de bens públicos. Para esse problema, entretanto, não há soluções definitivas que possam provir de pacotes econômicos ad hoc ou estratégias de estabilização, como a do Plano Real. Trata-se de um problema estrutural de ineficiências econômicas incrustradas na máquina estatal, relacionadas não só à corrupção e às vicissitudes políticas, mas também a uma administração pública incompetente e hipertrófica.
         Portanto, não basta uma reforma política, como a que está sendo cogitada. É preciso, sobretudo, uma reforma do Estado.”

(JOSÉ MARIA ALVES DA SILVA. Doutor em economia; professor (UFV), em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 3 de agosto de 2013, caderno O.PINIÃO, página 22).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 21 de junho de 2013, caderno O.PINIÃO, página 26, de autoria de LEONARDO BOFF, que é filósofo e teólogo, e que merece igualmente integral transcrição:

“Construção do ser humano se realiza na sociedade, mas não só
        
         Em 1845, Karl Marx escreveu suas famosas 11 teses sobre Feuerbach, publicadas somente em 1888, por Engels. Na sexta tese, Marx afirma algo verdadeiro, mas reducionista: “A essência humana é o conjunto das relações sociais”. Efetivamente, não se pode pensar a essência humana fora das relações sociais, mas ela é muito mais que isso, pois resulta do conjunto de suas relações totais.
         Descritivamente, sem querer definir a essência humana, ela emerge como um nó de relações voltadas para todas as direções. O ser humano se constrói à medida que ativa esse complexo de relações. Sente em si uma pulsão infinita, embora encontre somente objetivos finitos. Daí a sua permanente implenitude e insatisfação.
         Não se trata de um problema psicológico que um psicanalista ou um psiquiatra possa curar. É sua marca distintiva, ontológica, e não um defeito. Mas, aceitando a indicação de Marx, boa parte da construção do humano se realiza, efetivamente, na sociedade. Daí a importância de considerarmos qual seja a formação social que melhor cria as condições  para o ser humano poder desabrochar mais plenamente nas mais variadas relações. Sem oferecer as devidas mediações, diria que a melhor formação social é a democracia: comunitária, social, representativa, participativa, de baixo para cima e que inclua todos.
         Na formulação de Boaventura de Souza Santos, a democracia deve ser um ser sem fim. Como numa mesa, vejo quatro pernas que sustentam uma democracia mínima e verdadeira.
         A primeira perna reside na participação: o ser humano, inteligente e livre, não quer ser apenas beneficiário de um processo, mas ator e participante. Só assim se faz sujeito e cidadão. Essa participação deve vir de baixo para cima para não excluir ninguém.
         A segunda perna consiste na igualdade. É a igualdade no reconhecimento da dignidade de cada pessoa e  no respeito a seus direitos que sustenta a justiça social.
         A terceira perna é a diferença. Ela é dada pela natureza. Cada ser, especialmente o ser humano, é diferente. São as diferenças que nos revelam que podemos ser humanos de muitas formas, todas elas humanas e, por isso, merecedoras de respeito e de acolhida.
         A quarta perna se dá na comunhão. Aqui aparece a espiritualidade como aquela dimensão da consciência que nos faz sentir parte de um Todo e como aquele conjunto de valores intangíveis que dão sentido às nossas vidas pessoal e social e também a todo o universo.
         Essas quatro pernas vêm sempre juntas e equilibram a mesa – sustentam uma democracia real. Esta nos educa para sermos coautores da construção do bem comum. Em nome dela, aprendemos a limitar nossos desejos por amor à satisfação dos desejos coletivos.
         Essa mesa de quatro pernas não existiria se não estivesse apoiada no chão e na terra. Assim, a democracia não seria completa se não incluísse a natureza, que tudo possibilita. Ela fornece a base físico-química-ecológica que sustenta a vida e a cada um de nós.
         Pelo fato de terem valor em si mesmo, independentemente do uso que fizermos dele, todos os seres são portadores de direitos. Merecem continuar a existir, e a nós cabe respeitá-los e entendê-los como concidadãos. Serão incluídos numa democracia sem fim sociocósmica.
         Esparramado em todas essas dimensões, realiza-se o ser humano na história, num processo ilimitado e sem fim.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; esporte, cultura e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...