“As
insuficiências de uma reforma política para dar um jeito no Brasil
Na visão econômica
convencional, a alocação de recursos para a produção dos bens privados é
determinada pelo livre jogo das forças de mercado. Os desequilíbrios entre
oferta e procura são corrigidos espontaneamente por meio de ajustes de preços e/ou de
quantidades. Mas isso não se aplica ao caso dos bens públicos. Pela natureza
indivisível da oferta, que torna impraticável a cobrança de preços individuais,
os chamados bens públicos puros, como segurança pública, defesa nacional,
administração de justiça e preservação ambiental, não podem ser provisionados
pelo mecanismo de mercado. Nesse caso, as condições de oferta dependem de decisões
políticas através do Estado.
Há uma
categoria intermediária entre os bens privados e os bens públicos puros: são os
chamados bens semipúblicos ou mistos. Estes têm propriedades de bens de bens
privados porque, a princípio, podem estar sujeitos a cobranças de preços, como
os bens de mercado, e, ao mesmo tempo têm características de bens públicos
porque sua fruição individual gera externalidades, ou seja, outros benefícios
que extravasam para a sociedade como um todo, e não são passíveis de cobranças
individuais especificas. Enquadram-se nessa categoria os serviços de educação,
saúde, fornecimento de energia e transporte coletivo.
Segue-se
dessa classificação uma lógica econômica segundo a qual a alocação de recursos
na produção de bens privados “fica em boas mãos” sob o comando das forças de
mercado, sujeita aos mecanismos de ajustes via preços e/ou quantidades,
enquanto a responsabilidade pela provisão de bens públicos deve estar sob a
responsabilidade do Estado, diretamente, no caso dos bens públicos puros, ou
indiretamente, mediante parcerias com a iniciativa privada, no caso dos
semipúblicos.
Na
esfera do mercado, tudo o que causa perda de eficiência alocativa, seja por
queda da produtividade ou elevação dos custos, tende a se transmitir como alta
da inflação. Mesmo que não tenha nada diretamente a ver com a origem do
problema, o aumento da inflação é um anátema para o governo. Não se
responsabiliza o mercado pelo mal. É o Estado que é responsabilizado.
No
caso dos bens públicos, as coisas se passam de maneira diferente. Quando a
oferta é deficiente, como historicamente tem sido o caso brasileiro, o
mal-estar social resultante não é acompanhado de nenhum sintoma inflacionário.
Ele pode ser indicado por outros índices, como a taxa de criminalidade, o número
de mortes violentas por 100 mil habitantes, o IDH, a colocação do Brasil nos
rankings mundiais de qualidade da educação e outros índices que não causam
tanta sensação na mídia quanto o IPCA e o PIB. Trata-se de uma miopia típica da
sociedade de consumo, da qual os governantes brasileiros têm procurado tirar
vantagens eleitorais.
O que
os recentes distúrbios provocados pelas manifestações populares estão mostrando
é que há limites de tolerância para o mal-estar social decorrente da situação
miserável no fornecimento de bens públicos. Para esse problema, entretanto, não
há soluções definitivas que possam provir de pacotes econômicos ad hoc ou
estratégias de estabilização, como a do Plano Real. Trata-se de um problema
estrutural de ineficiências econômicas incrustradas na máquina estatal,
relacionadas não só à corrupção e às vicissitudes políticas, mas também a uma
administração pública incompetente e hipertrófica.
Portanto,
não basta uma reforma política, como a que está sendo cogitada. É preciso,
sobretudo, uma reforma do Estado.”
(JOSÉ MARIA
ALVES DA SILVA. Doutor em economia; professor (UFV), em artigo publicado no
jornal O TEMPO Belo Horizonte,
edição de 3 de agosto de 2013, caderno O.PINIÃO,
página 22).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 21
de junho de 2013, caderno O.PINIÃO, página
26, de autoria de LEONARDO BOFF, que
é filósofo e teólogo, e que merece igualmente integral transcrição:
“Construção
do ser humano se realiza na sociedade, mas não só
Em 1845, Karl Marx
escreveu suas famosas 11 teses sobre Feuerbach, publicadas somente em 1888, por
Engels. Na sexta tese, Marx afirma algo verdadeiro, mas reducionista: “A
essência humana é o conjunto das relações sociais”. Efetivamente, não se pode
pensar a essência humana fora das relações sociais, mas ela é muito mais que
isso, pois resulta do conjunto de suas relações totais.
Descritivamente,
sem querer definir a essência humana, ela emerge como um nó de relações
voltadas para todas as direções. O ser humano se constrói à medida que ativa
esse complexo de relações. Sente em si uma pulsão infinita, embora encontre
somente objetivos finitos. Daí a sua permanente implenitude e insatisfação.
Não se
trata de um problema psicológico que um psicanalista ou um psiquiatra possa
curar. É sua marca distintiva, ontológica, e não um defeito. Mas, aceitando a
indicação de Marx, boa parte da construção do humano se realiza, efetivamente,
na sociedade. Daí a importância de considerarmos qual seja a formação social
que melhor cria as condições para o ser
humano poder desabrochar mais plenamente nas mais variadas relações. Sem
oferecer as devidas mediações, diria que a melhor formação social é a
democracia: comunitária, social, representativa, participativa, de baixo para
cima e que inclua todos.
Na
formulação de Boaventura de Souza Santos, a democracia deve ser um ser sem fim.
Como numa mesa, vejo quatro pernas que sustentam uma democracia mínima e
verdadeira.
A
primeira perna reside na participação: o ser humano, inteligente e livre, não
quer ser apenas beneficiário de um processo, mas ator e participante. Só assim
se faz sujeito e cidadão. Essa participação deve vir de baixo para cima para
não excluir ninguém.
A
segunda perna consiste na igualdade. É a igualdade no reconhecimento da
dignidade de cada pessoa e no respeito a
seus direitos que sustenta a justiça social.
A
terceira perna é a diferença. Ela é dada pela natureza. Cada ser, especialmente
o ser humano, é diferente. São as diferenças que nos revelam que podemos ser
humanos de muitas formas, todas elas humanas e, por isso, merecedoras de
respeito e de acolhida.
A
quarta perna se dá na comunhão. Aqui aparece a espiritualidade como aquela
dimensão da consciência que nos faz sentir parte de um Todo e como aquele
conjunto de valores intangíveis que dão sentido às nossas vidas pessoal e
social e também a todo o universo.
Essas
quatro pernas vêm sempre juntas e equilibram a mesa – sustentam uma democracia
real. Esta nos educa para sermos coautores da construção do bem comum. Em nome
dela, aprendemos a limitar nossos desejos por amor à satisfação dos desejos
coletivos.
Essa
mesa de quatro pernas não existiria se não estivesse apoiada no chão e na
terra. Assim, a democracia não seria completa se não incluísse a natureza, que
tudo possibilita. Ela fornece a base físico-química-ecológica que sustenta a
vida e a cada um de nós.
Pelo
fato de terem valor em si mesmo, independentemente do uso que fizermos dele,
todos os seres são portadores de direitos. Merecem continuar a existir, e a nós
cabe respeitá-los e entendê-los como concidadãos. Serão incluídos numa
democracia sem fim sociocósmica.
Esparramado
em todas essas dimensões, realiza-se o ser humano na história, num processo
ilimitado e sem fim.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo
a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres,
civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
indubitavelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; esporte, cultura e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, livre,
soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que permita a partilha de
suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com
todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no
horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como
a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do
pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da
internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...
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