(Setembro
= mês 1; faltam 23 meses para a Olimpíada de 2016)
“O
ciclo da vida
Recorro à minha
profissão de tradutora, que exerci intensamente por longo tempo, para
apresentar aqui versos da poetisa americana Edna St. Vincent Millay, falecida,
sobre a morte: “Não me resigno quando depositam corações amorosos na terra
dura. / É assim, assim será para sempre: / entram na escuridão os sábios e os
encantadores. Coroados / de lírios e louros, lá se vão: mas eu não me conformo.
/ Na treva da tumba lá se vão, com seu olhar sincero, o riso, o amor; / vão
docemente os belos, os ternos, os bondosos; / vão-se tranquilamente os
inteligentes, os engraçados, os bravos. / Eu sei. Mas não aprovo. E não me
conformo”.
Conformados
ou não, a morte é algo que precisaríamos aceitar, com mais ou menos dor, mais
ou menos resistência, mais ou menos inconformidade. E esse processo, mais ou
menos demorado, mais ou menos cruel, depende da estrutura emocional e das
crenças de cada um. Podemos escolher a teoria que nos conforta mais: quem morreu
se reintegrou na natureza; preserva-se por seus genes em filhos e netos; faz
parte de uma energia maior; enveredou por outra dimensão; é uma alma imortal.
A vida
inevitavelmente flui: nós somos isso. Ela é um ciclo: ciclos se abrem e se
fecham, isso é viver. O fim de cada ciclo nos ajuda a pensar nas vezes em que
fomos egoístas, grosseiros, fúteis, infiéis, ou quando não estivemos nem aí.
Mas também lembramos os momentos em que fizemos o melhor que podíamos. Essas
águas do fluir da vida não se interrompem quando dormimos ou comemos ou jogamos
no iPad ou nos entediamos na fila do banco ou comemos o hambúrger ou choramos
sozinhos no escuro de noite. Tudo isso é natural: mas a nós, sobretudo em
mortes brutais ou trágicas, a perda não parece nada natural.
O
ciclo da vida e morte é um duro aprendizado. Nós, maus alunos.
Não
escrevo sobre o tema pela morte de um ou outro, em acidentes, por doença
dolorosa, ou mesmo dormindo, morte abençoada. Morrem mais pessoas aqui de morte
violenta do que em guerras atuais. A banalização da morte, portanto, a
desvalorização da vida, é espantosa. Escrevo porque ela, a Senhora Morte, é
cotidiana e estranha, ao menos para a maioria de nós. Há alguns anos, menininha
ainda, uma de minhas netas me perguntou com a perturbadora simplicidade das
crianças: “Por que eu não tenho vovô?”. Respondi, como costumo, da maneira mais
natural possível, que o vovô tinha morrido antes de ela nascer, que estava em
outro lugar, e, acreditava eu, ainda sabendo da gente, sempre cuidando de nós –
também dela. Continuei dizendo que a vida das pessoas é como a das plantas e
dos animais. Nascem, crescem, umas morrem muito cedo, outras ficam bem
velhinhas, umas morrem por acidente, ou doença, ou simplesmente se acabam como
uma vela se apaga.
Falar
é fácil, eu dizia a mim mesma enquanto comentava isso com a criança. O drama da
vida não se encerra com o baque da morte, mas começa, nesse instante, outra
grande indagação. Se a primeira se referia a “o que é a vida, o que estou
fazendo aqui, o que significa tudo isso, os encontros, desencontros,
realizações, frustrações, a luta constante”, o que indagamos diante da morte é:
“E agora, o que significa isso, a morte, o fim, a perda, o ignorado? E quando
chegar a minha vez?”. Então, em geral, temos mais ou menos medo, segundo, ainda
uma vez, a nossa crença.
Recordo
a frase atribuída a Sócrates na hora em que bebia cicuta, condenado pelos
cidadãos de Atenas a se matar: “Se a morte for um sono sem sonhos, será bom; se
for um reencontro com pessoas que amei e se foram, será bom também. Então, não
se desesperem tanto”. Precisamos de tempo para integrar a morte na vida. Talvez
os mortos vivam enquanto lembrarmos suas ações, seu rosto, a voz, o gesto, a
risada, a melancolia, os belos momentos e os difíceis. Enquanto eles se
repetirem no milagre genético, em filhos, e netos, ou se perpetuarem em
fotografias e filmes. Enquanto alguém os retiver no pensamento, os mortos
estarão de certa forma vivos? Porque morrer é natural, deveria ser simples: mas
para quase todos nós, é um grande e grave enigma.”
(Lya Luft. Escritora,
em artigo publicado na revista VEJA, edição2388
– ano 47 – nº 35, de 27 de agosto de 2014, página 22).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 29 de agosto
de 2014, caderno OPINIÃO, página 9,
de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Serviço
à política
Enquanto vai se
desenhando o cenário político-partidário no horizonte das eleições 2014, os
cristãos devem assumir o seu lugar próprio no enfrentamento desse desafio
cidadão. Nesse caminho, devem ser iluminados com os valores do evangelho, que
proporcionam uma leitura mais adequada da realidade complexa, contribuem para
discernimentos e podem dar rumos novos às escolhas políticas. Há um momento
primeiro que não pode ficar fora da pauta do cidadão que se orienta pela
indissociável relação entre fé e vida. Trata-se de uma discussão ética, ampla e
fundamentada a respeito de candidaturas, programas de governo e
representatividade.
Esse
momento primeiro é indispensável durante a preparação para as eleições e a
protege da influência de certa espetacularização, por vezes cômica, presente na
apresentação de nomes, propostas e compromissos. A incidência da propaganda
eleitoral não pode ser – por muitas vezes não ter a qualidade para tal – o meio
determinante para juízos sobre nomes e propostas. É indispensável uma
movimentação por parte de igrejas, escolas, associações de diferentes
identidades, meios de comunicação e outros para formatar uma linguagem capaz de
contribuir com um avanço na qualidade do exercício político na cidadania
brasileira. Aqui reside um sério desafio ético para não deixar que o deboche, a exposição caricata de
pessoas e outros ruídos roubem a cena desse serviço importante.
A
vivência e o testemunho da fé têm muito a contribuir para a transformação da
vida, com incidências próprias no âmbito político e partidário. A complexidade
do processo eleitoral exige empenhos educativos, abertura ao diálogo, debates
éticos. Pede também o deixar-se impactar pela gravidade da escolha de nomes
para composição de quadros que vão influenciar os rumos da história do país. A
oportunidade é de uma participação qualificada de todos. A Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), em interconexão com sua rede de regionais,
paróquias e comunidades, instituições educacionais e de cuidado social, está em
cena para contribuir com a qualidade da vivência deste momento decisivo para o
país. Espera-se uma resposta comprometida de todos. O caminho oposto configura
omissão e indiferença, contramão do que é exigência intrínseca da fé cristã, a
defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana.
Cada
instância da sociedade, portanto, precisa assumir a tarefa de qualificar a
política, consciente da importância de sua contribuição e da possibilidade de
mudar rumos, nomes e configurações partidárias que não raramente debilitam a
cidadania e se apropriam do que pertence ao bem comum. A Arquidiocese de Belo Horizonte
intensifica agora o seu trabalho, assessorada por seu Núcleo de Estudos
Sociopolíticos, em ação estratégica do seu Vicariato Episcopal para a Ação
Social e Política, contando com o empenho de cada paróquia , comunidade,
escolas, associações e movimentos. Vale-se de um rico material, que abrange
vídeos educativos e tradicional cartilha, em preparação para as eleições;
promove debates e intercâmbios, tudo para que no jogo pela vida não se tome
goleada.
Outros
jogos, no âmbito do esporte, podem ser vencidos mais tarde. Neles, as derrotas
podem se tornar oportunidade de lição e retomadas. Mas o jogo eleitoral, se for
perdido, resultará em consequências sérias para a vida de cada brasileiro.
Escolhas que configurem derrota nesse campo são prejuízo que incide sobre
décadas da história futura e, de modo ainda mais perverso, no presente, sobre a
vida dos mais pobres. Cada um é convidado a compreender a política, conforme
ensina o papa Francisco, como um das formas mais altas da caridade, porque
busca o bem comum. As eleições de 2014 nos dão a oportunidade de aperfeiçoar a
democracia a partir de reflexões, reuniões, voto consciente contra a corrupção
e a favor da honestidade, construindo a cultura da vida e da paz. Essa
participação pode garantir à sociedade o seu direito de exercer
democraticamente o poder político, melhorando a representação. Agora é a hora
privilegiada de grandes contribuições e de qualificado serviço à política.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no
concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e
sustentavelmente desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização,
mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas
políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada
ordem (a propósito, trecho do editorial do Jornal do Brasil, edição de 1º de
agosto de 1994: “A corrupção dilapida anualmente no Brasil algo próximo a 20%
do Produto Interno Bruto, o equivalente a US$ 73 bilhões, que se perdem nas
malhas das licitações viciadas, do superfaturamento de obras e bens contratados
pelo Estado, das comissões embutidas nos projetos públicos e do tráfico de
influência dos atravessadores...” ; III – o desperdício, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$
654 bilhões), a exigir
igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada,
civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e
solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas,
oportunidades e potencialidades com todas
as brasileiras e com todos os
brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários
previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e
os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da
globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...