segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A CIDADANIA, O CICLO DA VIDA E O SERVIÇO À POLÍTICA (1/23)

(Setembro = mês 1; faltam 23 meses para a Olimpíada de 2016)

“O ciclo da vida
        
         Recorro à minha profissão de tradutora, que exerci intensamente por longo tempo, para apresentar aqui versos da poetisa americana Edna St. Vincent Millay, falecida, sobre a morte: “Não me resigno quando depositam corações amorosos na terra dura. / É assim, assim será para sempre: / entram na escuridão os sábios e os encantadores. Coroados / de lírios e louros, lá se vão: mas eu não me conformo. / Na treva da tumba lá se vão, com seu olhar sincero, o riso, o amor; / vão docemente os belos, os ternos, os bondosos; / vão-se tranquilamente os inteligentes, os engraçados, os bravos. / Eu sei. Mas não aprovo. E não me conformo”.
         Conformados ou não, a morte é algo que precisaríamos aceitar, com mais ou menos dor, mais ou menos resistência, mais ou menos inconformidade. E esse processo, mais ou menos demorado, mais ou menos cruel, depende da estrutura emocional e das crenças de cada um. Podemos escolher a teoria que nos conforta mais: quem morreu se reintegrou na natureza; preserva-se por seus genes em filhos e netos; faz parte de uma energia maior; enveredou por outra dimensão; é uma alma imortal.
         A vida inevitavelmente flui: nós somos isso. Ela é um ciclo: ciclos se abrem e se fecham, isso é viver. O fim de cada ciclo nos ajuda a pensar nas vezes em que fomos egoístas, grosseiros, fúteis, infiéis, ou quando não estivemos nem aí. Mas também lembramos os momentos em que fizemos o melhor que podíamos. Essas águas do fluir da vida não se interrompem quando dormimos ou comemos ou jogamos no iPad ou nos entediamos na fila do banco ou comemos o hambúrger ou choramos sozinhos no escuro de noite. Tudo isso é natural: mas a nós, sobretudo em mortes brutais ou trágicas, a perda não parece nada natural.
         O ciclo da vida e morte é um duro aprendizado. Nós, maus alunos.
         Não escrevo sobre o tema pela morte de um ou outro, em acidentes, por doença dolorosa, ou mesmo dormindo, morte abençoada. Morrem mais pessoas aqui de morte violenta do que em guerras atuais. A banalização da morte, portanto, a desvalorização da vida, é espantosa. Escrevo porque ela, a Senhora Morte, é cotidiana e estranha, ao menos para a maioria de nós. Há alguns anos, menininha ainda, uma de minhas netas me perguntou com a perturbadora simplicidade das crianças: “Por que eu não tenho vovô?”. Respondi, como costumo, da maneira mais natural possível, que o vovô tinha morrido antes de ela nascer, que estava em outro lugar, e, acreditava eu, ainda sabendo da gente, sempre cuidando de nós – também dela. Continuei dizendo que a vida das pessoas é como a das plantas e dos animais. Nascem, crescem, umas morrem muito cedo, outras ficam bem velhinhas, umas morrem por acidente, ou doença, ou simplesmente se acabam como uma vela se apaga.
         Falar é fácil, eu dizia a mim mesma enquanto comentava isso com a criança. O drama da vida não se encerra com o baque da morte, mas começa, nesse instante, outra grande indagação. Se a primeira se referia a “o que é a vida, o que estou fazendo aqui, o que significa tudo isso, os encontros, desencontros, realizações, frustrações, a luta constante”, o que indagamos diante da morte é: “E agora, o que significa isso, a morte, o fim, a perda, o ignorado? E quando chegar a minha vez?”. Então, em geral, temos mais ou menos medo, segundo, ainda uma vez, a nossa crença.
         Recordo a frase atribuída a Sócrates na hora em que bebia cicuta, condenado pelos cidadãos de Atenas a se matar: “Se a morte for um sono sem sonhos, será bom; se for um reencontro com pessoas que amei e se foram, será bom também. Então, não se desesperem tanto”. Precisamos de tempo para integrar a morte na vida. Talvez os mortos vivam enquanto lembrarmos suas ações, seu rosto, a voz, o gesto, a risada, a melancolia, os belos momentos e os difíceis. Enquanto eles se repetirem no milagre genético, em filhos, e netos, ou se perpetuarem em fotografias e filmes. Enquanto alguém os retiver no pensamento, os mortos estarão de certa forma vivos? Porque morrer é natural, deveria ser simples: mas para quase todos nós, é um grande e grave enigma.”

(Lya Luft. Escritora, em artigo publicado na revista VEJA, edição2388 – ano 47 – nº 35, de 27 de agosto de 2014, página 22).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 29 de agosto de 2014, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Serviço à política
        
         Enquanto vai se desenhando o cenário político-partidário no horizonte das eleições 2014, os cristãos devem assumir o seu lugar próprio no enfrentamento desse desafio cidadão. Nesse caminho, devem ser iluminados com os valores do evangelho, que proporcionam uma leitura mais adequada da realidade complexa, contribuem para discernimentos e podem dar rumos novos às escolhas políticas. Há um momento primeiro que não pode ficar fora da pauta do cidadão que se orienta pela indissociável relação entre fé e vida. Trata-se de uma discussão ética, ampla e fundamentada a respeito de candidaturas, programas de governo e representatividade.
         Esse momento primeiro é indispensável durante a preparação para as eleições e a protege da influência de certa espetacularização, por vezes cômica, presente na apresentação de nomes, propostas e compromissos. A incidência da propaganda eleitoral não pode ser – por muitas vezes não ter a qualidade para tal – o meio determinante para juízos sobre nomes e propostas. É indispensável uma movimentação por parte de igrejas, escolas, associações de diferentes identidades, meios de comunicação e outros para formatar uma linguagem capaz de contribuir com um avanço na qualidade do exercício político na cidadania brasileira. Aqui reside um sério desafio ético para não deixar  que o deboche, a exposição caricata de pessoas e outros ruídos roubem a cena desse serviço importante.
         A vivência e o testemunho da fé têm muito a contribuir para a transformação da vida, com incidências próprias no âmbito político e partidário. A complexidade do processo eleitoral exige empenhos educativos, abertura ao diálogo, debates éticos. Pede também o deixar-se impactar pela gravidade da escolha de nomes para composição de quadros que vão influenciar os rumos da história do país. A oportunidade é de uma participação qualificada de todos. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em interconexão com sua rede de regionais, paróquias e comunidades, instituições educacionais e de cuidado social, está em cena para contribuir com a qualidade da vivência deste momento decisivo para o país. Espera-se uma resposta comprometida de todos. O caminho oposto configura omissão e indiferença, contramão do que é exigência intrínseca da fé cristã, a defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana.
         Cada instância da sociedade, portanto, precisa assumir a tarefa de qualificar a política, consciente da importância de sua contribuição e da possibilidade de mudar rumos, nomes e configurações partidárias que não raramente debilitam a cidadania e se apropriam do que pertence ao bem comum. A Arquidiocese de Belo Horizonte intensifica agora o seu trabalho, assessorada por seu Núcleo de Estudos Sociopolíticos, em ação estratégica do seu Vicariato Episcopal para a Ação Social e Política, contando com o empenho de cada paróquia , comunidade, escolas, associações e movimentos. Vale-se de um rico material, que abrange vídeos educativos e tradicional cartilha, em preparação para as eleições; promove debates e intercâmbios, tudo para que no jogo pela vida não se tome goleada.
         Outros jogos, no âmbito do esporte, podem ser vencidos mais tarde. Neles, as derrotas podem se tornar oportunidade de lição e retomadas. Mas o jogo eleitoral, se for perdido, resultará em consequências sérias para a vida de cada brasileiro. Escolhas que configurem derrota nesse campo são prejuízo que incide sobre décadas da história futura e, de modo ainda mais perverso, no presente, sobre a vida dos mais pobres. Cada um é convidado a compreender a política, conforme ensina o papa Francisco, como um das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. As eleições de 2014 nos dão a oportunidade de aperfeiçoar a democracia a partir de reflexões, reuniões, voto consciente contra a corrupção e a favor da honestidade, construindo a cultura da vida e da paz. Essa participação pode garantir à sociedade o seu direito de exercer democraticamente o poder político, melhorando a representação. Agora é a hora privilegiada de grandes contribuições e de qualificado serviço à política.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a  promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –,  até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem (a propósito, trecho do editorial do Jornal do Brasil, edição de 1º de agosto de 1994: “A corrupção dilapida anualmente no Brasil algo próximo a 20% do Produto Interno Bruto, o equivalente a US$ 73 bilhões, que se perdem nas malhas das licitações viciadas, do superfaturamento de obras e bens contratados pelo Estado, das comissões embutidas nos projetos públicos e do tráfico de influência dos atravessadores...” ; III – o desperdício, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2014, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e insuportável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 654 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...