“O
direito de revolta
O povo está na rua. Em
muitas cidades brasileiras e em diferentes países, pelos mais variados motivos,
a movimentação popular tem crescido, dando novo colorido à política. Depois do
engodo do fim história, na celebração do liberalismo como estágio final da
civilização, foi crescendo a onda de protesto que hoje se espalha e
dinamiza as relações sociais.
Por
trás dessa situação está a mudança de percepção acerca do que é democracia.
Durante muito tempo, convencionou-se conceber a democracia como o regime da
ordem, no qual, de tempos em tempos, se procedia a alternância do poder sem que
os princípios básicos da organização social e da economia fossem contestados.
A
democracia, o povo vem ensinando, é ordem mais
conflito. Sem contradição não há democracia de verdade. O regime
democrático não é aquele em que a noção de ordem precisa ser sempre
questionada, em nome da expansão de direitos e da criação de novos contextos de
liberdade. Se para o liberalismo a história acaba, para a democracia ela é
perpétua criação.
Foram
os protestos, de toda natureza, que acabaram com a escravidão, deram direito ao
voto às mulheres, instituíram as leis trabalhistas e promoveram a reforma
agrária na maior parte dos países (o Brasil, é claro, de fora). A deixar o
barco correr na obediência irrestrita às leis, mais que paralisar a sociedade,
eternizam-se injustiças. Ou alguém acha que proprietários de terra vão ceder
suas fazendas em nome da distribuição de renda?
O
direito de revolta é um dos esteios da democracia. Por isso é preocupante a
condenação moralista das manifestações que hoje cobram demarcação de terras
indígenas, voltam-se contra o aumento de tarifas públicas, paralisam a produção
em busca de melhores salários, exigem educação pública de qualidade, questionam
a legitimidade de um parlamentar homofóbico. São todas ações que ampliam o
patamar de direitos, portanto, democráticas.
O que
é de se estranhar não são os movimento em si, mas o fato de serem poucos para
tanta injustiça. Essa dúvida não é nova. Já no século 16, em 1548, um escritor
francês de 18 anos, Etinenne de la Boétie, publicou um pequeno livro que ainda
hoje se mostra atual: Tratado da servidão
voluntária. O jovem cientista político (a profissão ainda não existia e
talvez por isso ele tenha acertado tanto) queria saber por que as pessoas
obedeciam aos tiranos, ainda que isso significasse prejuízo claro para o servo
obediente.
A
resposta de La Boétie, em vez de apontar para a violência da tirania da
monarquia de seu tempo, procura as razões nas próprias pessoas: elas abrem mão
da liberdade para afirmar o jugo do tirano. Obedecemos porque nos ensinaram que
isso é certo. Há um esquecimento da liberdade, e isso dá ainda mais poder ao
tirano. A servidão não é resultado do medo ou da opressão externa, mas se
alimenta voluntariamente na transferência do poder ao outro. Dito de outro
modo: somos nós que alimentamos os tiranos de poder. O outro só manda porque
permitimos.
Há uma
rotina da opressão que faz com que o cidadão se orgulhem em obedecer. É a mesma
operação que se percebe quando, em outro contexto, as pessoas defendem que se
paguem dívidas impagáveis (como a manutenção do superávit primário, mesmo com
tanta necessidade interna); que se obedeçam a regras irracionais e injustas;
que se aceite com naturalidade a proliferação de áreas vip em equipamentos
públicos. A lista continua: a defesa da propriedade privada, mesmo que tenha
origem em crimes históricos (com a escravidão, por exemplo) e signifique
afronta à justiça social; a revisão do passado recente em nome de uma anistia
que atropela crimes contra a humanidade do qual fomos testemunhas; a defesa da
internação compulsória de dependentes químicos em nome da assepsia social.
La
Boétie está cada vez mais atual. Era de se esperar que, numa sociedade mais
livre, a servidão voluntária se inviabilizasse, pois os cidadãos teriam
condições de perceber a tirania. No entanto, a mesma sociedade que entronizou a
liberdade alimentou a ideologia que permite esconder sua inspiração por trás de consensos
fabricados. É exatamente por isso que o dispositivo La Boétie é importante: ele
aponta novo rumo para a esquerda e para as políticas emancipatórias. Mais que denunciar
a violência das estruturas, é preciso despertar a revolta do indivíduo.”
(JOÃO PAULO, que
é editor de Cultura, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 15 de junho de 2013, caderno PENSAR, página 2).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição e
caderno, página 3, de autoria de MAURÍCIO
ANDRÉS RIBEIRO, que é autor do livros Ecologizar,
Tesouros da Índia e Ecologizando a cidade e o planeta, e que merece
igualmente integral transcrição:
“Líquida
e INCERTA
Uma mãe instrui a
criança: “Meu filho, não jogue lixo no quintal, porque aí não é o rio”. Em
pleno século 21, os rios ainda são usados para afastar o lixo e o esgoto e as
cidades voltam as costas para eles. Enquanto existirem mães que educam seus
filhos com esses valores – e certamente existem milhares delas –, estará sendo
reproduzida uma atitude de agressão para com a água. Nas pequenas ou grandes
cidades, o rio ainda é o lugar onde se despeja o esgoto sem tratamento. É lá
que se joga o lixo que a água leva embora e que polui as captações de água de
cidades que se estendem ao longo de rio; ou que, nas enchentes, entope os
bueiros e bocas de lobo e provoca grandes prejuízos econômicos.
Os
cidadãos urbanos vivenciam fragmentos limitados do ciclo da água. Desconhecem o
caminho que ela percorre até chegar à torneira e ignoram para onde ela vai
quando desaparece no ralo. Pistas de rolamento para o tráfego de veículos
cobrem vários rios, córregos, ribeirões urbanos. Avenidas sanitárias escondem e
tornam invisíveis os rios das cidades. Nas enchentes, eventos críticos cada vez
mais frequentes, os cidadãos urbanos têm um contato dramático com as águas, que
causam prejuízos econômicos e mortes nos fundos de vales, quando os rios
extravasam os caixotes em que foram confinados.
Os
cidadãos urbanos desconhecem o ciclo da água, que se condensa nas nuvens,
precipita, escorre superficialmente ou se infiltra no solo. Diferentemente de
povos indígenas ou agricultores ou pescadores, que têm uma noção mais integral
desse ciclo, por dependerem dele para sua sobrevivência, o cidadão urbano
tornou-se hidroalienado. A hidroalienação é a falta de consciência sobre como
funciona o ciclo da água e a falta de conhecimento sobre como ele é alterado
pela ação humana.
Desconhecem
também que a água circula dentro dos corpos dos animais e seres humanos, bem
como dos vegetais, que a devolvem à atmosfera na evapotranspiração.
Os
cidadãos urbanos não têm consciência das relações entre o ciclo do carbono e o
ciclo da água e o fato de que, ao interferir no ciclo do carbono e aumentar a
emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera, o ser humano provoca uma
resposta no ciclo da água, sensível a variações de temperatura. Tampouco têm
consciência da presença da água no cosmos, da presença da água no clima, de sua
sensibilidade às variações de temperatura. E muito menos ainda de seus aspectos
sutis, como condutora de informação – qualidade usada na terapêutica e na
homeopatia, por exemplo. De sua influência nos pensamentos e nos sentimentos, e
de linhas de pesquisa e de experimentação de ponta.
A
relação com a água precisa tornar-se amigável. As cidades precisam voltar-se de
frente para os rios e para a água.
Para
desenvolver uma relação harmônica do cidadão com a água, um primeiro passo é
hidroalfabetizá-lo, dar-lhe o bê-a-bá da água. Hidroalfabetizar é promover a
aprendizagem sobre a água, sua importância para a vida e como relacionar-se com
ela de forma amigável; é proporcionar as noções básicas sobre o ciclo da água e
sobre como a atividade humana o altera, no âmbito local ou global.
Fritjof
Capra criou na Califórnia um Centro para a Alfabetização Ecológica, ou seja,
para entender como os ecossistemas sustentam a rede da vida, entender os princípios
da ecologia, integrar conceitos por meio do pensamento ecológico, aprender no
mundo real, criar comunidades de aprendizado, integrar a cultura da escola e o
currículo. A partir daí podem-se conceber e implantar comunidades humanas
sustentáveis.
Progressivamente
pode-se promover a consciência hídrica, as noções sobre o ciclo da água, a
presença da água no ambiente, nos corpos vivos, as manifestações culturais que
a envolvem, a história do seu uso.
O
grande desafio para implementar a política das águas é comportamental e
cultural: transformar uma relação agressiva em uma postura amigável para com a
água. Dessa questão derivam os demais desafios gerenciais, administrativos e
políticos.
A
hidroalfabetização para a gestão da água inclui conhecer processos
participativos e instrumentos de ação, bem como o que é feito para conservá-la
e dar-lhe uso sustentável. Na educação a partir do bolso, pode-se incentivar,
inclusive com estímulos econômicos, que ele se interesse pela produção da água.
Por meio da cobrança pela uso da água pode-se induzir a redução dos
desperdícios. É relevante conhecer os instrumentos de ação disponíveis na
política ambiental e na política das águas – o licenciamento ambiental, os
planos de recursos hídricos , o enquadramento de corpos d’água, a outorga, os
sistemas de informação e saber como utilizá-los com perícia, de forma
articulada e integrada.
Um
grande desafio é, portanto, promover a hidroconsciência dos cidadãos e da
sociedade. Existem várias formas de fazê-lo, por meio da hidroalfabetização, de
sinais econômicos emitidos pelo sistema de preços e da implementação da gestão
participativa e descentralizada das águas.
SABEDORIA
CULTURAL Em situações de carência e escassez torna-se
imperiosa a conservação da água. Boas práticas muitas vezes derivam de
benéficos conceitos e ideias, da aplicação de conhecimentos científicos e
tecnológicos, bem como da sabedoria culturalmente acumulada. Empresas,
organizações sociais, indivíduos, governos locais têm-se empenhado em realizar
boas práticas.
A
comunicação é fundamental para a mudança cultural e para reduzir a
hidroalienação. Nesse sentido, bons serviços são prestados por programas de
televisão produzidos por jornalistas ecologicamente conscientes, que divulgam
soluções urbanas e rurais e contribuem para disseminá-las. Na internet muitos
sites divulgam boas práticas de gestão da água. Em alguns condomínios em Brasília sujeitos à escassez hídrica, os
condôminos financiam pesquisas tecnológicas
voltadas para o reuso e a conservação da água, o reaproveitamento de
água de chuva, a recarga de aqüíferos, conservação do solo e da cobertura
vegetal. Estímulos e reconhecimento a essas boas práticas têm sido dados pelos
prêmios oferecidos àqueles que as desenvolvem.
A
hidroalfabetização é um passo para tornar o cidadão hidroconsciente e para que
suas atitudes para com a água sejam de respeito e de cuidado. Também as
empresas, organizações e os vários setores do governo precisam ser hidratados e
tornar-se hidroconscientes.
A hidroconsciência
é a compreensão de como a água está presente no universo e no planeta, como
funciona o ciclo da água, a importância das bacias hidrográficas, os impactos
negativos ou positivos que as atividades humanas provocam sobre ela. É um
requisito para desenvolver atitudes amigáveis no relacionamento com a água.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que e de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua aos
três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e
diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja,
próximos de zero; II – a corrupção, como
um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando
incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas
modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente
irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta
sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa
capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a
confiança em nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes necessidades
de ampliação e modernização de
setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; saneamento ambiental (água
tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana,
logística reversa); meio ambiente;
habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda;
agregação de valor às commodities; assistência social; previdência social;
segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia
federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; sistema financeiro nacional; esporte, cultura e lazer;
comunicações; turismo; qualidade (planejamento – estratégico, tático e
operacional –, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
permita a partilha de suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades
e potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam eventos como a Copa das Confederações; a 27ª Jornada Mundial
da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa do Mundo de 2013; a Olimpíada
de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do
século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da
informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias e da
sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da
paz, da igualdade - e com equidade –, e
da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...