sexta-feira, 11 de outubro de 2013

A CIDADANIA, A CARTA MAGNA E A LIÇÃO DE ROBIN HOOD

“A jovem bela senhora
        
         Acompanhei atento e de perto o seu parto. Crescia no útero da nação esperançosa. Todos os olhares cidadãos prestavam atenção àquele momento em que se procurava enterrar as mazelas do passado doído e castrador e encomendar um mundo novo. Parecia a visita dos três reis magos à manjedoura em que a criança respirava os primeiros ares da vida, ao lado de animais e dos pais. Todos iam à capela política para descrever seus anseios, chamar a atenção para seus direitos, os particulares e os sociais.
         Quando enfim nasceu, vi que estavam escritos em seu ventre os anseios da maioria dos brasileiros. Meu coração de compositor se sentiu satisfeito com as referências explícitas aos direitos exclusivos dos autores sobre suas criações. Decorei aqueles mandamentos, junto com outros que nos defendiam de todo autoritarismo.
         Na parte mais exuberante de seu corpo, aquela que servia de proteção e afago aos homens, mulheres e crianças de todo o Brasil, havia a beleza que garantia o que sonhávamos, mas não tínhamos. Seu nascimento foi um abrir de portas para um futuro revelado em canções entoadas pelo povo. Se nem tudo andou nesses anos de acordo com o que prescrevia não foi culpa dela. Foi a insensatez de maus brasileiros que não a leram nem entenderam. Logo, não a praticaram.
         Ma sua força se impôs e a maioria que a seguiu pôde implantar, em nosso país, a palavra essencial para o convívio social humano: democracia. Palavra mágica que se desdobra em outras três: liberdade, igualdade e fraternidade. A luz que vem da jovem bela senhora, a criança de 25 anos passados, é caminho, referência, harmonia. Valeu a pena vê-la nascer e acompanhar todos os seus passos até chegar ao presente, quando a maioria reconhece sua importância.
         Desprezá-la jamais, disse o seu parteiro, o comandante da epopéia, Ulysses. Filha de todos, esses todos, aos poucos, vão tomando ciência de que, não sendo infalível, ela é um mapa de conduta coletiva e individual indispensável para a vida em sociedade, para a vida cotidiana de cada um.
         Tábua de leis, preponderante e fundamental, pronta para ser lida por quem a procure, ela escalou o seu representante para solucionar os conflitos do dia a dia. Seu intérprete, seu porta-voz, seu papa. O Supremo, que só não é supremo em relação a ela. Ao contrário, cuida para que ela seja respeitada e não pode decidir nada que a renegue.
         Essa jovem bela senhora, que está completando 25 anos de idade, é a Constituição brasileira, de quem somos pais e filhos. Finda a tragédia da ditadura, ela iluminou a terra, o céu e o povo do Brasil. Vida longa para ela.”

(FERNANDO BRANT, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 9 de outubro de 2013, caderno CULTURA, página 8).

Mais uma importa e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo e edição, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor de A obra do artista – uma visão holística do universo (José Olympio), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Robin Hood tinha razão
        
         ‘A desigualdade mata’, afirmou o epidemiologista britânico Richard Wilkinson ao constatar que nas regiões menos igualitárias os índices de mortalidade  são mais altos. Os pesquisadores Frans de Waal e Sarah Borsnan, ao testar macacos-prego, verificaram que eles se zangavam ao ver um companheiro receber uma recompensa melhor. Sarah entregava um seixo a um dos animais e, em seguida, estendia a mão para que o macaco o devolvesse em troca de um pedaço de pepino. Os dois macacos aceitaram a troca 25 vezes consecutivas.
         Sarah passou a entregar a um dos animais um cacho de uvas, um dos alimentos preferidos dos macacos-prego. O outro continuou a receber pepino. O clima azedou. O macaco merecedor de pepino demonstrou nítida aversão à desigualdade. Ao ver seu companheiro receber uva, ficou agitado e atirou longe seixo e pepino. Um alimento de que ele tanto gosta tornou-se repulsivo.
         Os macacos não se irritavam quando as uvas eram exibidas a todos eles e pepinos continuavam a ser trocados por seixos. A irritação aparecia quando um deles recebia uvas. A desigualdade era motivo da revolta. (O teste está descrito por De Waal em A era da empatia, Companhia das Letras, 2010).
         Ao tornar público o resultado da pesquisa, Sarah e Frans receberam duras críticas de economistas, filósofos e antropólogos, chocados com a comparação entre macacos e humanos. Para azar dos críticos, a divulgação da pesquisa coincidiu com a denúncia de que Richard Grasso, diretor da Bolsa de Valores de Nova York, viu-se forçado a pedir demissão diante dos protestos gerados pelos quase US$ 200 milhões que ele recebeu de bônus (New Iorker, 3/10/2003). Em 2008, a opinião pública dos EUA mostrou-se indignada quando, em plena crise econômica, o governo destinou US$ 700 milhões como “socorro” aos executivos que haviam provocado tantas perdas no setor imobiliário. Uvas aos figurões; pepinos à plebe.
         No Brasil, a opinião pública também se mostrou indignada ao saber que senadores utilizavam jatinhos da FAB para eventos particulares, como viagens de familiares e festas de casamento. As mordomias, em especial as que são pagas com dinheiro público, suscitam revolta entre os eleitores. Os animais têm muito a nos ensinar. Sarah Brosnan colocou dois macacos juntos, separados apenas por uma grade. O primeiro tinha à sua frente duas latinhas, semelhantes a essas de refrigerante, em cores diferentes. Elas podiam ser trocadas por comida. Se ele entregasse a ela a lata A, receberia comida suficiente para seu próprio consumo. Se entregasse a lata B, ganharia o bastante para dividir com o segundo macaco. Os macacos-prego testados davam, em geral, preferência à lata que favorecia a partilha da refeição.
         A democracia ocidental continuará a ser uma falácia enquanto não criar condições para que todos tenham acesso aos bens essenciais a uma vida digna e feliz. Os três ideais da Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – na verdade têm sido limitados e deturpados.
         A liberdade passou a ser entendida como direito de um se sobrepor ao outro, ainda que o outro seja relegado à miséria. A igualdade existe, quando muito, na letra da lei. Ricos e pobres merecem tratamentos diferenciados perante a Justiça, e mesmo os recursos públicos são destinados, preferencialmente, aos mais abastados, como faz o nosso BNDES. A fraternidade ainda permanece uma utopia. Supõe que todos se reconheçam como irmãos e irmãs. Basta recorrer ao exemplo familiar para saber o que isso significa. Em uma família, embora as pessoas sejam diferentes, com talentos e aptidões próprios, todos devem ter os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Ninguém pode ser excluído da escolaridade ou do uso comum dos bens, como alimentação ou equipamentos. Fraternidade significa inclusão, reconhecimento, e até mesmo abrir mão de um direito para que o outro, mais necessitado, possa se livrar de uma dificuldade.
         Robin Hood tinha razão. O que a humanidade mais anseia é a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano. Essa a verdadeira comunhão. No entanto, a riqueza e o poder, quase sempre associados, cegam seus detentores, incapazes de se colocar no lugar do outro, daquele que sofre ou padece de exclusão social. E para que a cegueira não seja acusada de indiferença criminosa e desumana, inventam-se teorias econômicas e ideologias que justifiquem e legitimem a aberração como natural.”

Eis, pois, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança da nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de variada ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;

     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização  de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; esporte, cultura e lazer; turismo; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...


           

Nenhum comentário: