sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A CIDADANIA, OS ROYALTIES E OS NOVOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO

“Educação e os royalties
        
         A publicação da Lei 12.858/2013, que destina parte dos royalties do petróleo para a educação, embora seja um ponto louvável, não dará conta, sozinha, de garantir a oferta de ensino público de qualidade, fundamental para o desenvolvimento sustentável do país. Mais recursos para a educação são necessários, mas não suficientes para alcançar esse objetivo: a qualidade da gestão educacional é também essencial para avançarmos no tema. O desafio está em planejar, implementar e avaliar políticas e programas que de fato cheguem à sala de aula e promovam resultados significativos para todas as crianças e jovens brasileiros.
         O debate público tem se concentrado até aqui unicamente em dois pontos: a fixação de uma porcentagem de recursos do PIB para a educação, por meio da aprovação do Plano Nacional da Educação, que deve ocorrer neste semestre, e a chegada dos royalties, que, de acordo com o governo, devem destinar ao ensino público R$ 112 bilhões em 10 anos, permitindo atingir 10% do PIB para o setor em 15 anos.    
         As duas questões merecem um exame mais detalhado dos gestores e de toda a sociedade envolvida com o projeto de uma educação de qualidade, se não quisermos ver desperdiçados os recursos que ingressarão no sistema. O Brasil, gasta, anualmente, US$ 2.416 por estudante do ensino fundamental ao superior, ao passo que a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de US$ 8.354. No Chile, o gasto é de US$ 3.521 e, na Argentina, US$ 3.204.
         Como estamos em um sistema federativo, a aprovação do PNE não será o fim, mas sim o ponto de partida para desdobramentos decisivos que ocorrerão em cada estado e município. As cidades precisarão elaborar ou rever seus planos de educação para adequar-se às metas, o que exigirá um enorme esforço das equipes técnicas responsáveis e dos governos. De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, realizada com dados de 2011, dos 5.565 municípios do Brasil, 2.181 não têm Plano Municipal de Educação. Nesse sentido, o PNE será um catalisador importante para reversão desse quadro. A construção dos planos municipais abre a oportunidade para se definir prioridades e estratégias em nível local, com aprimoramento da gestão dos recursos.
         Experiências bem-sucedidas realizadas em outros países e já em curso em algumas redes brasileiras apontam medidas prioritárias para promover o salto de qualidade de que o Brasil necessita. Entre elas, atrair, apoiar e reter professores de qualidade e investir nos recursos humanos das escolas e secretarias, o que possibilitaria aprimorar a seleção, formação e apoio de lideranças e quadros técnicos do ensino público
         Outros pontos essenciais são o investimento em políticas que estimulem e apoiem as escolas no fortalecimento de suas relações com as famílias e comunidade e nos sistemas de avaliação e monitoramento, garantindo o uso pedagógico das avaliações e o controle social dos resultados de ensino a aprendizagem. A ampliação da jornada escolar e diversificação dos currículos por meio de educação integral oferece um bom exemplo do desafio de planejamento e gestão que as secretarias de educação precisarão enfrentar após a aprovação do PNE. As redes de ensino deverão adequar-se ao cumprimento da meta 6, que prevê a extensão da oferta de educação integral a 25% dos alunos e 50% das escolas de educação básica.
         Contudo, o poder público terá imensa dificuldade de atender essa demanda apenas com escolas de tempo integral. A possível expansão física e a do quadro de funcionários, bem como a formação necessária desses profissionais, serão insuficientes para oferecer a jornada ampliada no prazo de 10 anos.
         O esforço para colocar o Brasil na rota da educação integral tende, portanto, a considerar diversas modalidades de oferta e envolver outras instâncias e arranjos da sociedade civil. Importante colocar na agenda as parcerias público-privadas a alianças com organizações não governamentais, que já vêm executando esse trabalho com o poder público em todo o país. O trabalho das ONGs deve ser potencializado para que o projeto de ampliar a oferta de educação integral prospere, o que requer equipes gestoras mais preparadas para o desafio de alcançar essa meta.
         O dinheiro dos royalties e o aumento do orçamento destinado à educação são fundamentais para avançarmos. Mas não podemos mirar apenas nos recursos. Precisamos preparar o terreno para ampliar os investimentos de forma ordenada e eficiente. Sem um planejamento rigoroso, corremos o risco de jogar uma oportunidade de ouro pela janela. Os investimentos em educação devem ter destino certo e nos levar a um futuro melhor no campo da educação. Que venham os recursos e que eles sejam gastos de maneira exemplar.”

(ANTONIO JACINTO MATIAS. Vice-presidente da Fundação Itaú Social, membro do conselho de governança do Movimento Todos pela Educação, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de outubro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 2 de outubro de 2013, caderno OPINIÃO, página 9, de autoria de FREI BETTO, que é escritor, autor de Alfabetto – autobiografia escolar (Ática), entre outros livros, e que merece igualmente integral transcrição:

“Crianças robotizadas
        
         Todos nós já vimos uma menina dar de beber à boneca, embora ela saiba perfeitamente que bonecas não bebam, assim como meninos conversam com cães como se eles fossem capazes de responder na mesma linguagem.
         É imprescindível à nossa saúde psíquica desfrutar o máximo, na infância, do nosso universo onírico. Embora bonecas não bebam o suco que lhes é oferecido, nem cães possam estabelecer diálogo com uma criança, ela atribui à boneca e ao animal estados emocionais que são próprios de seres humanos.
         Toda criança é uma atriz, capaz de desempenhar múltiplos papéis. A menina é mãe, babá, irmã, professora e médica da boneca. Há uma interação entre as duas. A boneca, graças à projeção onírica da criança, responde, chora, come, bebe e faz manha.
         A fantasia é o recurso mimético que permite à criança transportar, à sua maneira, o universo dos adultos ao seu mundo e, ao mesmo tempo, é o complemento da sabedoria infantil, provedora de sentido e animação ao que, aos olhos adultos, carece de sentido e permanece inanimado.
         O menino, montado no cabo de vassoura, sente-se confortável em seu cavalo. Dê a ele um cavalo de brinquedo, com arreios e crina, e é bem provável que, dias depois, ele abandone o presente para voltar à vassoura – que dialoga com a sua imaginação.
         Exaurir a infância de tudo que ela tem de próprio, como atividades lúdicas, brincar de roda, de esconde-esconde, e enturmar-se com os amiguinhos, é essencial para o futuro saudável do adulto.
         Hoje em dia essa exigência se torna mais difícil. A rua é, agora, lugar perigoso, ameaçado pela violência e pelo trânsito. As crianças ficam retidas em casa, confinadas em apartamentos, entregues à jogos eletrônicos, TV e internet.
         A diferença com as gerações passadas é que, agora, o protagonista da fantasia não é a criança. É a animação do desenho virtual, como se a tecnologia “soubesse” por ela. A criança é relegada à condição de mera espectadora. A fantasia não brota dela, resulta do aplicativo ou do desenho animado ou filme projetado na TV e na internet.
         Na missa de domingo vi duas crianças compartilhando um smartphone, enquanto seus pais participavam da liturgia. Passaram todo o tempo atentas ao Homem-Aranha arrasando seus adversários.
         O que esperar de um adulto que, quando criança, divertia-se com a violência virtual e passava horas praticando assassinatos via bonequinhos eletrônicos? E de uma menina que, aos 4 ou 5 anos, se maquia como adulta, fala como adulta, manifesta desejos de adulta, padecendo a esquizofrenia de ser biologicamente infantil e psicologicamente “adulta”?
         A puberdade, momento crítico para todos nós, é mais angustiante para essa geração que não exauriu seu potencial de fantasias. O medo do real é mais acentuado, assim como a dependência familiar, que mantém jovens de 25 e 30 anos ao abrigo do lar paterno.
         Essa insegurança frente ao real é a porta de entrada para a vulnerabilidade às drogas. O traficante, graças a uma perversa intuição profissional, oferece de graça sua mercadoria aos adolescentes, como se advertisse: “Você já não pode sonhar com a própria cabeça. Mas não tema. Há outro jeito de fugir da realidade e “viajar” legal. Só que agora depende da química. Experimente isso”.
         Preocupam-me também as crianças robotizadas que cumprem, além da escola, agendas apertadíssimas, com aulas de idiomas, natação etc., sem tempo para brincar com outras crianças e, assim, se educar nos códigos da sociabilidade, como saber admitir seus próprios limites e reconhecer o direito dos outros.
         Talvez essa robotização explique um fenômeno tão comum nas grandes cidades: adolescentes e jovens que, em ônibus e metrô, se fazem de cegos ao ver, de pé, idosos, portadores de deficiência e mulheres grávidas, e permanecem tranquilamente sentados, se lixando para a mais elementar educação.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;

     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, inexoravelmente irreparáveis;
    
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; esporte, cultura e lazer; turismo; comunicações; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam investimentos bilionários como a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...


O BRASIL TEM JEITO!...

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