“Educação
e os royalties
A publicação da Lei
12.858/2013, que destina parte dos royalties do petróleo para a educação,
embora seja um ponto louvável, não dará conta, sozinha, de garantir a oferta de
ensino público de qualidade, fundamental para o desenvolvimento sustentável do
país. Mais recursos para a educação são necessários, mas não suficientes para
alcançar esse objetivo: a qualidade da gestão educacional é também essencial
para avançarmos no tema. O desafio está em planejar, implementar e avaliar
políticas e programas que de fato cheguem à sala de aula e promovam resultados
significativos para todas as crianças e jovens brasileiros.
O
debate público tem se concentrado até aqui unicamente em dois pontos: a fixação
de uma porcentagem de recursos do PIB para a educação, por meio da aprovação do
Plano Nacional da Educação, que deve ocorrer neste semestre, e a chegada dos
royalties, que, de acordo com o governo, devem destinar ao ensino público R$ 112
bilhões em 10 anos, permitindo atingir 10% do PIB para o setor em 15 anos.
As
duas questões merecem um exame mais detalhado dos gestores e de toda a
sociedade envolvida com o projeto de uma educação de qualidade, se não
quisermos ver desperdiçados os recursos que ingressarão no sistema. O Brasil,
gasta, anualmente, US$ 2.416 por estudante do ensino fundamental ao superior,
ao passo que a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) é de US$ 8.354. No Chile, o gasto é de US$ 3.521 e, na
Argentina, US$ 3.204.
Como
estamos em um sistema federativo, a aprovação do PNE não será o fim, mas sim o
ponto de partida para desdobramentos decisivos que ocorrerão em cada estado e
município. As cidades precisarão elaborar ou rever seus planos de educação para
adequar-se às metas, o que exigirá um enorme esforço das equipes técnicas
responsáveis e dos governos. De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas
Municipais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, realizada com
dados de 2011, dos 5.565 municípios do Brasil, 2.181 não têm Plano Municipal de
Educação. Nesse sentido, o PNE será um catalisador importante para reversão
desse quadro. A construção dos planos municipais abre a oportunidade para se
definir prioridades e estratégias em nível local, com aprimoramento da gestão
dos recursos.
Experiências
bem-sucedidas realizadas em outros países e já em curso em algumas redes
brasileiras apontam medidas prioritárias para promover o salto de qualidade de
que o Brasil necessita. Entre elas, atrair, apoiar e reter professores de
qualidade e investir nos recursos humanos das escolas e secretarias, o que
possibilitaria aprimorar a seleção, formação e apoio de lideranças e quadros
técnicos do ensino público
Outros
pontos essenciais são o investimento em políticas que estimulem e apoiem as
escolas no fortalecimento de suas relações com as famílias e comunidade e nos
sistemas de avaliação e monitoramento, garantindo o uso pedagógico das
avaliações e o controle social dos resultados de ensino a aprendizagem. A
ampliação da jornada escolar e diversificação dos currículos por meio de
educação integral oferece um bom exemplo do desafio de planejamento e gestão
que as secretarias de educação precisarão enfrentar após a aprovação do PNE. As
redes de ensino deverão adequar-se ao cumprimento da meta 6, que prevê a
extensão da oferta de educação integral a 25% dos alunos e 50% das escolas de
educação básica.
Contudo,
o poder público terá imensa dificuldade de atender essa demanda apenas com
escolas de tempo integral. A possível expansão física e a do quadro de
funcionários, bem como a formação necessária desses profissionais, serão
insuficientes para oferecer a jornada ampliada no prazo de 10 anos.
O
esforço para colocar o Brasil na rota da educação integral tende, portanto, a
considerar diversas modalidades de oferta e envolver outras instâncias e
arranjos da sociedade civil. Importante colocar na agenda as parcerias
público-privadas a alianças com organizações não governamentais, que já vêm
executando esse trabalho com o poder público em todo o país. O trabalho das
ONGs deve ser potencializado para que o projeto de ampliar a oferta de educação
integral prospere, o que requer equipes gestoras mais preparadas para o desafio
de alcançar essa meta.
O
dinheiro dos royalties e o aumento do orçamento destinado à educação são
fundamentais para avançarmos. Mas não podemos mirar apenas nos recursos.
Precisamos preparar o terreno para ampliar os investimentos de forma ordenada e
eficiente. Sem um planejamento rigoroso, corremos o risco de jogar uma
oportunidade de ouro pela janela. Os investimentos em educação devem ter
destino certo e nos levar a um futuro melhor no campo da educação. Que venham
os recursos e que eles sejam gastos de maneira exemplar.”
(ANTONIO
JACINTO MATIAS. Vice-presidente da Fundação Itaú Social, membro do conselho
de governança do Movimento Todos pela Educação, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 1º de
outubro de 2013, caderno OPINIÃO, página
9).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 2
de outubro de 2013, caderno OPINIÃO, página
9, de autoria de FREI BETTO, que é
escritor, autor de Alfabetto – autobiografia
escolar (Ática), entre outros livros, e que merece igualmente integral
transcrição:
“Crianças
robotizadas
Todos nós já vimos uma
menina dar de beber à boneca, embora ela saiba perfeitamente que bonecas não
bebam, assim como meninos conversam com cães como se eles fossem capazes de
responder na mesma linguagem.
É
imprescindível à nossa saúde psíquica desfrutar o máximo, na infância, do nosso
universo onírico. Embora bonecas não bebam o suco que lhes é oferecido, nem
cães possam estabelecer diálogo com uma criança, ela atribui à boneca e ao
animal estados emocionais que são próprios de seres humanos.
Toda
criança é uma atriz, capaz de desempenhar múltiplos papéis. A menina é mãe,
babá, irmã, professora e médica da boneca. Há uma interação entre as duas. A
boneca, graças à projeção onírica da criança, responde, chora, come, bebe e faz
manha.
A
fantasia é o recurso mimético que permite à criança transportar, à sua maneira,
o universo dos adultos ao seu mundo e, ao mesmo tempo, é o complemento da sabedoria
infantil, provedora de sentido e animação ao que, aos olhos adultos, carece de
sentido e permanece inanimado.
O
menino, montado no cabo de vassoura, sente-se confortável em seu cavalo. Dê a
ele um cavalo de brinquedo, com arreios e crina, e é bem provável que, dias
depois, ele abandone o presente para voltar à vassoura – que dialoga com a sua
imaginação.
Exaurir
a infância de tudo que ela tem de próprio, como atividades lúdicas, brincar de
roda, de esconde-esconde, e enturmar-se com os amiguinhos, é essencial para o
futuro saudável do adulto.
Hoje
em dia essa exigência se torna mais difícil. A rua é, agora, lugar perigoso,
ameaçado pela violência e pelo trânsito. As crianças ficam retidas em casa,
confinadas em apartamentos, entregues à jogos eletrônicos, TV e internet.
A
diferença com as gerações passadas é que, agora, o protagonista da fantasia não
é a criança. É a animação do desenho virtual, como se a tecnologia “soubesse”
por ela. A criança é relegada à condição de mera espectadora. A fantasia não
brota dela, resulta do aplicativo ou do desenho animado ou filme projetado na
TV e na internet.
Na
missa de domingo vi duas crianças compartilhando um smartphone, enquanto seus
pais participavam da liturgia. Passaram todo o tempo atentas ao Homem-Aranha
arrasando seus adversários.
O que
esperar de um adulto que, quando criança, divertia-se com a violência virtual e
passava horas praticando assassinatos via bonequinhos eletrônicos? E de uma
menina que, aos 4 ou 5 anos, se maquia como adulta, fala como adulta, manifesta
desejos de adulta, padecendo a esquizofrenia de ser biologicamente infantil e
psicologicamente “adulta”?
A
puberdade, momento crítico para todos nós, é mais angustiante para essa geração
que não exauriu seu potencial de fantasias. O medo do real é mais acentuado,
assim como a dependência familiar, que mantém jovens de 25 e 30 anos ao abrigo
do lar paterno.
Essa
insegurança frente ao real é a porta de entrada para a vulnerabilidade às
drogas. O traficante, graças a uma perversa intuição profissional, oferece de
graça sua mercadoria aos adolescentes, como se advertisse: “Você já não pode
sonhar com a própria cabeça. Mas não tema. Há outro jeito de fugir da realidade
e “viajar” legal. Só que agora depende da química. Experimente isso”.
Preocupam-me
também as crianças robotizadas que cumprem, além da escola, agendas
apertadíssimas, com aulas de idiomas, natação etc., sem tempo para brincar com
outras crianças e, assim, se educar nos códigos da sociabilidade, como saber
admitir seus próprios limites e reconhecer o direito dos outros.
Talvez
essa robotização explique um fenômeno tão comum nas grandes cidades:
adolescentes e jovens que, em ônibus e metrô, se fazem de cegos ao ver, de pé,
idosos, portadores de deficiência e mulheres grávidas, e permanecem
tranquilamente sentados, se lixando para a mais elementar educação.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas transformações em nossas
estruturas educacionais, governamentais,
jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais,
de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da
vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária
ordem; III – o desperdício, em todas
as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
inexoravelmente irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de exorbitante e
intolerável desembolso de cerca de R$ 1
trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma
imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais contundente ainda, afeta
a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social;
logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; esporte,
cultura e lazer; turismo; comunicações; segurança alimentar e nutricional;
segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; qualidade (planejamento
– estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia,
efetividade, economicidade, criatividade, produtividade, competitividade);
entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, civilizada,
qualificada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias e abundantes riquezas, oportunidades e
potencialidades com todas as
brasileiras e com todos os
brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos
e que contemplam investimentos bilionários como a Copa do Mundo de 2014; a
Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, à luz das
exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das
organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias,
da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da
paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário