“É
um fim de caminho, não só do atual projeto Brasil, mas do mundo
“É pau, é pedra, é o
fim de um caminho: um projeto Brasil”. Esse é o título de um artigo do editor
César Benjamin na revista “Piauí” de abril de 2015. Talvez seja uma das mais
instigantes interpretações da megacrise brasileira, fora do arco teórico do
repetitivo e enganoso discurso a partir do PIB. Afirmam-se aí, no meu entender,
dois pontos básicos: o esgotamento da forma de fazer política do PT (lulismo) e
a urgência de se pensar um projeto de Brasil, a partir de novos fins e de novos
valores.
Face à
crise atual ganham forças as palavras severas de Celso Furtado num livro que
vale ser revisitado: “Brasil: A Construção Interrompida” (1993): “Falta-nos a
experiência de provas cruciais, como as que conheceram outros povos cuja
sobrevivência chegou a estar ameaçada. E nos falta também um verdadeiro
conhecimentos de nossas possibilidades e, principalmente, de nossas debilidades.
Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera e que a contagem desse tempo
se faz contra nós. Trata-se de saber se teremos um futuro como nação que conta
na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham
em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação”. E
conclui pesaroso: “Tudo aponta para a inviabilização do país como projeto
nacional”.
Estimo
que a grande e decisiva “prova crucial” chegou. Tenho colocado com frequência
esta alternativa: ou nos propomos refundar o Brasil sobre uma nova visão de
mundo e de futuro, ou seremos condenados a ser um apêndice do projeto-mundo que
entrou em crise nos países centrais, alastrando-se por todo o sistema e que não
consegue encontrar uma saída viável.
O meu
modesto sentimento do mundo me diz que importa realizar as seguintes
transformações se quisermos sair bem da crise e ter um projeto autônomo de
nação: 1) Assumir o paradigma contemporâneo, que já possui um século de
formulação: o eixo estruturador não serão mais a economia sustentável e o PIB,
mas a vida. A vida da Terra viva, a diversidade da vida e a vida humana. O
capital material esgotado dará lugar ao capital humano cultural inesgotável,
permitindo-nos ser mais com menos e integrar todos na mesma casa comum. Tudo o
mais deve colocar-se a serviço dessa biocivilização, chamada também de “terra
da boa esperança”. A continuar, o paradigma atual nos levará fatalmente ao pior
dos mundos. 2) Fazer uma verdadeira reforma política, pois a que foi feita não
merece esse nome e é fruto de reles fisiologismo. 3) Fazer uma reforma
tributária para diminuir as desigualdades do país, um dos mais desiguais do
mundo, vale dizer, em termos ético-políticos, também dos mais injustos. 4)
Fazer uma reforma agrária e urbana, já que a ausência da primeira levou a que
prevalecesse o agronegócio exportador em detrimento da produção de alimentos e
fizesse que 83% da população migrasse para as cidades, geralmente para as
periferias, com má qualidade de vida, saúde, educação, transporte e
infraestrutura.
Retomo
o título de Benjamin: “É pau, é pedra, é o fim de um caminho”, não só o fim do
atual projeto Brasil, mas o fim do projeto-mundo vigente. Dentro de pouco, a
economia se orientará pelo ecológico e pelos bens e serviços naturais. Nisso,
podemos ser a grande potência pelos imensos recursos que temos. O mundo
precisará mais de nós do que nós do mundo.
Para
quem toma a sério a reflexão de uma ecologia integral – praticamente ausente
nas discussões econômicas –, o aquecimento global e os limites físicos da
Terra, estas minhas palavras não soam apocalípticas, mas realísticas. Temos que
mudar se quisermos continuar sobre este planeta, pois, por causa de nossa
irresponsabilidade e inconsciência, ele já não nos suporta mais.”
(LEONARDO
BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 12 de
junho de 2015, caderno O.PINIÃO, página
24).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 13 de junho
de 2015, caderno OPINIÃO, página 7,
de autoria de MARCELO ANDRIOTTI, fundador
da ONG Favela Mundo, e que merece igualmente integral transcrição:
“Jovens
e violência
A cada dia, vemos
crescer nas grandes cidades as estatísticas de jovens envolvidos em situações
de violência. Nos últimos casos que chocaram a cidade, os agressores tinham
menos de 29 anos e usaram em seus atos armas brancas, tão letais quanto as
conhecidas armas de fogo. Basear o entendimento do que ocorre atualmente no Rio
de Janeiro – e em muitas outras cidades do Brasil – é, no mínimo, simplista de
nossa parte e acaba eximindo a todos de uma ação realmente eficaz para a
mudança de nossa realidade. São vítimas, sim, pois há décadas o Estado priva a
maior parte da população do acesso à saúde, educação, cultura, saneamento
básico e outros itens fundamentais à formação de um cidadão de excelência. Ao
mesmo tempo em que somos constantemente bombardeados com a ideia de que para
“ser” é preciso “ter”.
Noções
de valores como respeito, educação e cordialidade há muito tempo foram
esquecidas ou menosprezadas. As cidades foram sendo segmentadas entre os que
têm e os que não têm direito a itens fundamentais para um desenvolvimento pleno
e sadio. Foram divididas entre os que podem tudo e os que não podem nada. Entre
os empregados e os patrões. Tudo de melhor estava em uma parta da cidade, e o
restante ficava com o que sobrava. Quem tinha tudo esqueceu que a outra parte
da população crescia e, mesmo sem uma educação de qualidade, começou a ter
noções do que ocorria no resto do mundo, graças à globalização e à difusão das
informações. E essa parte começou a querer também. Porém, se não poderia tê-lo
pelas maneiras tradicionais, o faria de alguma forma, daria um “jeito”. Com
isso, criamos mundos paralelos. Enquanto uns baseavam o seu “ser” por meio do
que tinham, outros o faziam pelo poder, pela força.
Mas
podemos, realmente, pensar que são vilões, se lembrarmos que, com tanta
informação, com tantos planos, bolsas, vagas gratuitas, cursos, um jovem
escolhe ficar nas ruas assaltando, roubando e matando? Se há tantos exemplos de
pessoas vencedoras que nasceram e cresceram em uma realidade de violência
diária, escolher entre a ilusão de poder chefiar um grupo em sua comunidade e
crescer na vida com esforço e trabalho parece uma decisão simples.
Para
quem nasceu com segurança, teve uma educação formal razoável e uma estrutura
psicológica e familiar básica parece fácil fazer a escolha. Porém, para quem
cresceu e vive em total insegurança, em um local em que você dorme e acorda ao
som de tiros, estuda (quando o professor consegue chegar à escola), muitas
vezes, abaixado ou deitado no chão para se proteger de bala perdida, quando
precisa ir ao médico passa muitas horas à espera do médico e é humilhado por
atendentes, seguranças e enfermeiros, que estão no limite de suas condições
humanas de estresse, entre outras questões, as escolhas nem sempre são as
melhores, pois poucas vezes tiveram opção na vida.
Hoje,
temos diversas bolsas de auxílio, em cada comunidade há dezenas de projetos
sociais que prometem mudar a vida das pessoas. Vende-se uma falsa ideia de que
quem mora em uma favela tem direito a coisas que a classe média não tem. A
maior dificuldade quando iniciamos o trabalho em uma nova localidade é atrair
os alunos, mostrar que o trabalho é sério e que há um real interesse no ser
humano, no desenvolvimento de cada aluno. Hoje, nosso país oferece inúmeros
projetos em áreas de vulnerabilidade social, porém o interesse está nos
números, e não na mudança de realidade.
As
bolsas, tão divulgadas pelo governo, proporcionam uma ajuda real e necessária a
muitas famílias, porém, junto delas, há alguma tentativa de mudança da realidade
das famílias atendidas? Oferecem dinheiro, mas a capacidade de cada indivíduo
de sentir-se útil e sujeito de seu próprio desenvolvimento não existe. Com
isso, a população fica cada dia mais dependente dos planos do governo e vira
marionete na mão de políticos, que só pensam no invisível social quando ele
vira número, não como um indivíduo que merece respeito.
Trabalhar
em uma comunidade nos dá uma visão mais ampla dos motivos que levam uma pessoa
a escolhas nem sempre saudáveis. Há sim dezenas de oportunidades para qualquer
indivíduo, seja ele de onde for. Porém, nem todos cresceram em um ambiente que
mostrasse isso a eles. Muitos cresceram ouvindo promessas e experimentando
atividades, que iniciavam e não acabavam. Acostumaram-se a cursos e aulas desenvolvidos
de qualquer maneira, sem o real interesse no aluno. Quando chegamos a uma
comunidade, o primeiro passo é mostrar a seriedade do trabalho. É convencer o
aluno que não temos bolsas, porém temos professores reais, qualificados e que
darão o que o aluno merece, seja ele de qualquer raça, religião ou posição
social.
Quando
aprendermos a tratar todos da mesma forma, teremos uma sociedade mais justa e
igualitária. Com justiça e igualdade acontecendo, aí sim, poderemos tentar
descobrir quem é vilão e quem é vítima.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja
verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira
incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria;
a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da
participação, da sustentabilidade...);
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco Central, a taxa
de juros do cartão de crédito subiu 1,7 ponto percentual em abril e atingiu
347,5% ano ano...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa
promiscuidade – “dinheiro público versus interesses privados”
–, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando
incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a
simples divulgação do balanço auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta
no exercício de 2014 perdas pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$
21,6 bilhões, não pode de forma alguma significar página virada – eis que são valores simbólicos –, pois em nossos
515 anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes,
desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então,
a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar
inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, e
segundo o estudo “Transporte e Desenvolvimento – Entraves Logísticos ao
Escoamento de Soja e Milho, divulgado pela Confederação Nacional do Transporte,
se fossem eliminados os gastos adicionais devido a esse gargalo, haveria uma
economia anual de R$ 3,8 bilhões...);
c) a
dívida pública brasileira - (interna e
externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para
2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$
1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$
868 bilhões), a exigir IMEDIATA,
abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
(ver também www.auditoriacidada.org.br).
Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos
tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte,
acessibilidade); minas e energia;
emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema
financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança
alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal;
defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e
inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento
– estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia,
efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade,
produtividade, competitividade); entre outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os
projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização,
da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário