quarta-feira, 17 de junho de 2015

A CIDADANIA, A NOVA SOCIEDADE, A JUVENTUDE E O DESAFIO DA JUSTIÇA E DA PAZ

“É um fim de caminho, não só do atual projeto Brasil, mas do mundo
        “É pau, é pedra, é o fim de um caminho: um projeto Brasil”. Esse é o título de um artigo do editor César Benjamin na revista “Piauí” de abril de 2015. Talvez seja uma das mais instigantes interpretações da megacrise brasileira, fora do arco teórico do repetitivo e enganoso discurso a partir do PIB. Afirmam-se aí, no meu entender, dois pontos básicos: o esgotamento da forma de fazer política do PT (lulismo) e a urgência de se pensar um projeto de Brasil, a partir de novos fins e de novos valores.
         Face à crise atual ganham forças as palavras severas de Celso Furtado num livro que vale ser revisitado: “Brasil: A Construção Interrompida” (1993): “Falta-nos a experiência de provas cruciais, como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada. E nos falta também um verdadeiro conhecimentos de nossas possibilidades e, principalmente, de nossas debilidades. Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera e que a contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se teremos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação”. E conclui pesaroso: “Tudo aponta para a inviabilização do país como projeto nacional”.
         Estimo que a grande e decisiva “prova crucial” chegou. Tenho colocado com frequência esta alternativa: ou nos propomos refundar o Brasil sobre uma nova visão de mundo e de futuro, ou seremos condenados a ser um apêndice do projeto-mundo que entrou em crise nos países centrais, alastrando-se por todo o sistema e que não consegue encontrar uma saída viável.
         O meu modesto sentimento do mundo me diz que importa realizar as seguintes transformações se quisermos sair bem da crise e ter um projeto autônomo de nação: 1) Assumir o paradigma contemporâneo, que já possui um século de formulação: o eixo estruturador não serão mais a economia sustentável e o PIB, mas a vida. A vida da Terra viva, a diversidade da vida e a vida humana. O capital material esgotado dará lugar ao capital humano cultural inesgotável, permitindo-nos ser mais com menos e integrar todos na mesma casa comum. Tudo o mais deve colocar-se a serviço dessa biocivilização, chamada também de “terra da boa esperança”. A continuar, o paradigma atual nos levará fatalmente ao pior dos mundos. 2) Fazer uma verdadeira reforma política, pois a que foi feita não merece esse nome e é fruto de reles fisiologismo. 3) Fazer uma reforma tributária para diminuir as desigualdades do país, um dos mais desiguais do mundo, vale dizer, em termos ético-políticos, também dos mais injustos. 4) Fazer uma reforma agrária e urbana, já que a ausência da primeira levou a que prevalecesse o agronegócio exportador em detrimento da produção de alimentos e fizesse que 83% da população migrasse para as cidades, geralmente para as periferias, com má qualidade de vida, saúde, educação, transporte e infraestrutura.
         Retomo o título de Benjamin: “É pau, é pedra, é o fim de um caminho”, não só o fim do atual projeto Brasil, mas o fim do projeto-mundo vigente. Dentro de pouco, a economia se orientará pelo ecológico e pelos bens e serviços naturais. Nisso, podemos ser a grande potência pelos imensos recursos que temos. O mundo precisará mais de nós do que nós do mundo.
         Para quem toma a sério a reflexão de uma ecologia integral – praticamente ausente nas discussões econômicas –, o aquecimento global e os limites físicos da Terra, estas minhas palavras não soam apocalípticas, mas realísticas. Temos que mudar se quisermos continuar sobre este planeta, pois, por causa de nossa irresponsabilidade e inconsciência, ele já não nos suporta mais.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 12 de junho de 2015, caderno O.PINIÃO, página 24).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 13 de junho de 2015, caderno OPINIÃO, página 7, de autoria de MARCELO ANDRIOTTI, fundador da ONG Favela Mundo, e que merece igualmente integral transcrição:

“Jovens e violência
        A cada dia, vemos crescer nas grandes cidades as estatísticas de jovens envolvidos em situações de violência. Nos últimos casos que chocaram a cidade, os agressores tinham menos de 29 anos e usaram em seus atos armas brancas, tão letais quanto as conhecidas armas de fogo. Basear o entendimento do que ocorre atualmente no Rio de Janeiro – e em muitas outras cidades do Brasil – é, no mínimo, simplista de nossa parte e acaba eximindo a todos de uma ação realmente eficaz para a mudança de nossa realidade. São vítimas, sim, pois há décadas o Estado priva a maior parte da população do acesso à saúde, educação, cultura, saneamento básico e outros itens fundamentais à formação de um cidadão de excelência. Ao mesmo tempo em que somos constantemente bombardeados com a ideia de que para “ser” é preciso “ter”.
         Noções de valores como respeito, educação e cordialidade há muito tempo foram esquecidas ou menosprezadas. As cidades foram sendo segmentadas entre os que têm e os que não têm direito a itens fundamentais para um desenvolvimento pleno e sadio. Foram divididas entre os que podem tudo e os que não podem nada. Entre os empregados e os patrões. Tudo de melhor estava em uma parta da cidade, e o restante ficava com o que sobrava. Quem tinha tudo esqueceu que a outra parte da população crescia e, mesmo sem uma educação de qualidade, começou a ter noções do que ocorria no resto do mundo, graças à globalização e à difusão das informações. E essa parte começou a querer também. Porém, se não poderia tê-lo pelas maneiras tradicionais, o faria de alguma forma, daria um “jeito”. Com isso, criamos mundos paralelos. Enquanto uns baseavam o seu “ser” por meio do que tinham, outros o faziam pelo poder, pela força.
         Mas podemos, realmente, pensar que são vilões, se lembrarmos que, com tanta informação, com tantos planos, bolsas, vagas gratuitas, cursos, um jovem escolhe ficar nas ruas assaltando, roubando e matando? Se há tantos exemplos de pessoas vencedoras que nasceram e cresceram em uma realidade de violência diária, escolher entre a ilusão de poder chefiar um grupo em sua comunidade e crescer na vida com esforço e trabalho parece uma decisão simples.
         Para quem nasceu com segurança, teve uma educação formal razoável e uma estrutura psicológica e familiar básica parece fácil fazer a escolha. Porém, para quem cresceu e vive em total insegurança, em um local em que você dorme e acorda ao som de tiros, estuda (quando o professor consegue chegar à escola), muitas vezes, abaixado ou deitado no chão para se proteger de bala perdida, quando precisa ir ao médico passa muitas horas à espera do médico e é humilhado por atendentes, seguranças e enfermeiros, que estão no limite de suas condições humanas de estresse, entre outras questões, as escolhas nem sempre são as melhores, pois poucas vezes tiveram opção na vida.
         Hoje, temos diversas bolsas de auxílio, em cada comunidade há dezenas de projetos sociais que prometem mudar a vida das pessoas. Vende-se uma falsa ideia de que quem mora em uma favela tem direito a coisas que a classe média não tem. A maior dificuldade quando iniciamos o trabalho em uma nova localidade é atrair os alunos, mostrar que o trabalho é sério e que há um real interesse no ser humano, no desenvolvimento de cada aluno. Hoje, nosso país oferece inúmeros projetos em áreas de vulnerabilidade social, porém o interesse está nos números, e não na mudança de realidade.
         As bolsas, tão divulgadas pelo governo, proporcionam uma ajuda real e necessária a muitas famílias, porém, junto delas, há alguma tentativa de mudança da realidade das famílias atendidas? Oferecem dinheiro, mas a capacidade de cada indivíduo de sentir-se útil e sujeito de seu próprio desenvolvimento não existe. Com isso, a população fica cada dia mais dependente dos planos do governo e vira marionete na mão de políticos, que só pensam no invisível social quando ele vira número, não como um indivíduo que merece respeito.
         Trabalhar em uma comunidade nos dá uma visão mais ampla dos motivos que levam uma pessoa a escolhas nem sempre saudáveis. Há sim dezenas de oportunidades para qualquer indivíduo, seja ele de onde for. Porém, nem todos cresceram em um ambiente que mostrasse isso a eles. Muitos cresceram ouvindo promessas e experimentando atividades, que iniciavam e não acabavam. Acostumaram-se a cursos e aulas desenvolvidos de qualquer maneira, sem o real interesse no aluno. Quando chegamos a uma comunidade, o primeiro passo é mostrar a seriedade do trabalho. É convencer o aluno que não temos bolsas, porém temos professores reais, qualificados e que darão o que o aluno merece, seja ele de qualquer raça, religião ou posição social.
         Quando aprendermos a tratar todos da mesma forma, teremos uma sociedade mais justa e igualitária. Com justiça e igualdade acontecendo, aí sim, poderemos tentar descobrir quem é vilão e quem é vítima.”

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da sustentabilidade...);
     
     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco Central, a taxa de juros do cartão de crédito subiu 1,7 ponto percentual em abril e atingiu 347,5%  ano ano...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a simples divulgação do balanço auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta no exercício de 2014 perdas pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$ 21,6 bilhões, não pode de forma alguma significar página virada – eis que são valores simbólicos –, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes, desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então, a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, e segundo o estudo “Transporte e Desenvolvimento – Entraves Logísticos ao Escoamento de Soja e Milho, divulgado pela Confederação Nacional do Transporte, se fossem eliminados os gastos adicionais devido a esse gargalo, haveria uma economia anual de R$ 3,8 bilhões...);

     c)     a dívida pública brasileira - (interna e externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para 2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir IMEDIATA, abrangente, qualificada e eficaz auditoria... (ver também www.auditoriacidada.org.br).

Isto posto, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a   Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

O BRASIL TEM JEITO!...     
     
        


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