“Política
educacional para deficientes
Há atualmente entre os
profissionais que se dedicam à causa da pessoa com deficiência discussão
acalorada referente à ideal política educacional a ser adotada pelo Estado
brasileiro para essas pessoas, principalmente aquelas com deficiência
mental/intelectual. O dilema que se coloca é basicamente o seguinte: de um lado
os defensores da chamada inclusão absoluta da pessoa com deficiência, para os
quais, independentemente do tipo ou grau de deficiência, todos os alunos devem
obrigatoriamente ser matriculados nas chamadas “escolas regulares”, com a
extinção em definitivo das escolas especiais, e, de outro, aqueles que defendem
a coexistência harmônica das duas modalidades de escola, devendo haver o
respeito à liberdade de escolha das famílias e às peculiaridades de cada caso.
Sem a
menor pretensão de adentrar nas questões de natureza sociológica, psicológica
ou pedagógica que tal discussão impõe, por absoluto despreparo do autor nessas
áreas de conhecimento, o presente artigo tem por objetivo apenas trazer à baila
o que o direito prevê quanto à questão e se há resposta na legislação pátria.
Preliminarmente,
deve ser verificado que a Constituição de 1988 (CF) dispõe expressamente sobre
a educação a ser prestada pelo Estado brasileiro (latu senso) à pessoa com
deficiência, asseverando que o dever com a educação será efetivado mediante a
garantia de, entre outras coisas, atendimento educacional especializado aos
“portadores” de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Parece claro, portanto, que, para entender em profundidade o dispositivo legal
em comento, necessária é a compreensão do significado da palavra
preferencialmente.
Segundo
o dicionário Houaiss, preferência é a
ação de preferir, de escolher um entre outros. Ora, se preferir é escolher,
quando a CF diz que a educação para a pessoa com deficiência se dará
preferencialmente na rede regular de ensino, está dizendo que é dever do Estado
dar às famílias o poder de escolha do melhor caminho a ser adotado para o seu
ente, ou seja, dar a opção a estas de matrícula tanto nas escolas regulares
quanto nas escolas especiais, dependendo do tipo de deficiência e de seu grau,
entre outros fatores.
Parece
claro, também, que há uma escala de prioridade no dispositivo citado, ou seja,
em regra, a matrícula do aluno com deficiência deve se dar nas escolas
regulares, antigamente e erroneamente chamadas de escolas comuns. No entanto, o
Estado (lato sensu) deve conceder às famílias de alunos com deficiência também
a possibilidade de matriculá-las nas escolas especiais.
Tal
dispositivo constitucional já seria mais do que suficiente para responder à
questão aqui posta, pois, como se sabe, é a Constituição a lei maior de
qualquer Estado e nenhuma lei pode dispor de forma diversa da Carta Magna, sob
pena de flagrante inconstitucionalidade e invalidade do dispositivo antagônico.
No
entanto, ao se analisar as leis que tratam da educação para a pessoa com
deficiência, verifica-se que elas dispõem neste particular em sentido harmônico
e compassado à Constituição, senão vejamos:
A Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.396/96), que, como o próprio nome diz,
traz as regras básicas do serviço de educação a ser prestado dentro do
território brasileiro, contém também dispositivo específico quanto à educação
para a pessoa com deficiência, repetindo, em seu artigo 4º, o conteúdo da norma
constitucional.
Ademais,
tal lei prevê regra ainda mais explícita quanto à obrigação do Estado de
manter, em regime de coexistência, as escolas regulares e as especiais, o que
joga definitivamente por terra qualquer discussão, ao menos sob o ponto de
vista legal, sobre a questão.
Neste
sentido, o artigo 58 da mencionada Lei de Diretrizes e Bases é claro ao dispor
que “o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços
especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não
for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular”. Ora, o
dispositivo legal não poderia ser mais claro no sentido de que a educação da
pessoa com deficiência deve se dar não só por meio de serviços especializados
na escola regular, mas, quando o caso exigir, em classes ou escolas especiais.
Portanto,
ao encerrar a atividade de tais escolas ou ao proibir a matrícula de novos
alunos nestas, os entes públicos estão frontalmente violando dispositivos de
natureza constitucional e legal sobre o tema, o que pode dar ensejo, inclusive,
à responsabilização por improbidade administrativa do gestor da área.
Por
fim, para que fique definitivamente demonstrada a opção do Estado brasileiro
pela coexistência das escolas regulares e das escolas especiais, deve ser
mencionada a Lei 7.853/89, chamada durante longo período de Estatuto da Pessoa
com Deficiência. Tal lei dispõe que é obrigação do Estado matricular
compulsoriamente em cursos regulares de estabelecimentos públicos ou privados
as pessoas com deficiência capazes de se integrar no sistema regular de ensino.
Nota-se,
através de uma hermenêutica elementar da determinação contida no dispositivo
citado, que só devem ser incluídos no sistema regular de ensino aqueles alunos
que têm condições de se integrar de forma adequada a este. Para os outros, ou
seja, aqueles que, em razão do tipo, grau de deficiência ou por outra razão,
não seja possível a inclusão, deve o Estado oferecer as escolas especiais.
Assim,
ao menos sob o ponto de vista jurídico/legal, não há dúvida de que, por opção
expressa e clara do constituinte e do legislador infraconstitucional, a
política educacional escolhida pelo Estado brasileiro para a pessoa com
deficiência é a de dar primazia à inclusão e integração destes alunos na rede
regular de ensino, sem, contudo, abrir mão da escola especial, que continua
tendo papel essencial para receber e atender aquele aluno para o qual, por
diversos fatores, a inclusão não se mostra a melhor opção.”
(ESTÊVÃO
MACHADO DE ASSIS CARVALHO. Defensor público do estado de Minas Gerais,
coordenador da Defensoria Especializada da Pessoa Idosa e da Pessoa com
Deficiência, especialista em direito civil pela PUC-Minas, em artigo publicado
no jornal ESTADO DE MINAS, edição de
26 de junho de 2015, caderno DIREITO
& JUSTIÇA, página principal).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, mesma
edição, caderno OPINIÃO, página 7,
de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE
AZEVEDO, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente
integral transcrição:
“Fraqueza
das reações
O papa Francisco, na
sua carta encíclica Louvado seja, aponta
profeticamente a letargia no cenário de reações em busca de uma ecologia
integral. Essa é uma realidade incontestável. Basta pensar que o Protocolo de
Kyoto, que alcançou resultados abaixo do que se esperava, já caminha para o encerramento do prazo de validade. Em
breve, será realizado em Paris mais um encontro mundial com o objetivo de
refletir sobre o meio ambiente e a preservação do planeta. Porém, como se diz,
“o papel aceita tudo”. Faltam efetivações – tem razão o papa Francisco quando
levanta a sua voz profética para apontar um gravíssimo problema: a fraqueza das
reações. Por isso mesmo, ele convoca todos a contribuírem para uma profunda
revolução cultural.
O
processo de deterioração da qualidade de vida e a crescente degradação social é
uma realidade incontestável. O sacrifício ambiental como condição para se
alcançar “desenvolvimento”, sem dúvida, é um atentado à dignidade de toda
pessoa. Contribui para multiplicar bolsões de miséria, ilhas de exclusão social
e cultural, além de estimular as práticas alicerçadas no consumo exagerado.
Assim, conduz a sociedade a uma desumanização com consequências irreversíveis.
Não se pode deixar de considerar que esse terrível processo é desencadeado pela
negação e substituição inegociáveis, tão imprescindíveis quanto as fundações de
um grande edifício. A crise moral em curso no coração da sociedade tem tudo a
ver com o processo de degradação ambiental.
Há um
descompasso patente e um desgoverno perverso que empurra a humanidade rumo ao
crescimento econômico desmedido e descontrolado. Os ambientes urbanos estão,
cada vez mais, se tornando pouco saudáveis, devido à contaminação proveniente
de emissões tóxicas, além dos problemas de transporte, poluição visual e
acústica. As cidades avançam para o caos em razão de seu equivocado
funcionamento, com gastos excessivos – de seus moradores e governantes – sem
inteligência clarividente. Demanda-se, principalmente das autoridades, rapidez
na apresentação de respostas adequadas.
Com a
crise ambiental, o preço mais alto é pago pelos pobres, que, embora não
raramente vivam próximo a lugares com grandes recursos naturais, produzem para
poucos. Essa triste situação confirma a mediocridade de setores dos governos e
dos vários segmentos da sociedade que têm o poder e o dever de mudar os
cenários de injustiça, mas não o fazem pela falta de lucidez e, também, em
razão da ganância. Seguem na contramão de uma ecologia humana e integral.
Lamentavelmente, prevalece o equivocado entendimento de que o mais importante é
ajuntar para si as riquezas à custa dos pobres, como sublinha o papa Francisco
na oração final que conclui a carta encíclica.
O
Santo Padre, pela força de sua autoridade, denuncia e adverte a respeito de
sinais que comprovam como o crescimento dos últimos não significou, em todos os
seus aspectos, um verdadeiro progresso integral e uma melhoria da qualidade de
vida. Não bastarão as conferências sobre meio ambiente, nem mesmo as urgentes
legislações adequadas. Ao se considerar a crescente desigualdade planetária, é
urgente emoldurar as análises técnicas e o escrito dos protocolos com o
indispensável desenvolvimento de uma capacidade de viver com sabedoria.
Sublinha o papa Francisco que é preciso pensar em profundidade e amar com
generosidade.
Incontestavelmente,
falta um viés e um substrato na ordem espiritual, frequentemente descartado
pelo contexto contemporâneo, presidido pela lógica do lucro e da defesa
mesquinha de interesses individuais, coletivos, ideológicos, institucionais e
de nações. Por que existe a fraqueza das reações, como aponta profeticamente o
papa Francisco? Há uma inércia e uma insensatez, temperada com indiferença, diante
do dever de ouvir com atenção os clamores e lamentos dos abandonados do mundo.
Essa escuta é insubstituível para sensibilizar e iluminar a inteligência. A
ausência dessa escuta gera irracionalidades, como as guerras, a corrupção e a
indisposição para partilhar.
Está
em baixa a cultura que pode subsidiar e sustentar o processo urgente de reação
diante da grave crise que ameaça o planeta. Por isso mesmo, embora seja
evidente a necessidade de mudar hábitos e lógicas, não se veem atitudes
efetivas adotadas pelo grande conjunto de instituições e de pessoas. Quem pode
e deve desencadear os processos de mudança não toma posição. Escutar os mais
pobres, os que partilham o pouco que ainda possuem, é lição que deve ser
aprendida para dar rumo novo à vida da sociedade. Na riqueza do horizonte
delineado pelo papa Francisco na carta encíclica Louvado seja, é hora de conhecer melhor suas indicações, estuda-las
e assumir compromissos. É indispensável que todos se empenhem na transformação
da realidade, um cenário preocupante em razão da fraqueza das reações.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja
verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira
incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria;
a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da
participação, da sustentabilidade...);
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do Banco Central, a taxa
de juros do cartão de crédito subiu 1,7 ponto percentual em abril e atingiu
347,5% ano ano...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa
promiscuidade – “dinheiro público versus interesses privados”
–, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando
incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a
simples divulgação do balanço auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta
no exercício de 2014 perdas pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$
21,6 bilhões, não pode de forma alguma significar página virada – eis que são valores simbólicos –, pois em nossos
515 anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes,
desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então,
a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar
inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, e
segundo o estudo “Transporte e Desenvolvimento – Entraves Logísticos ao
Escoamento de Soja e Milho, divulgado pela Confederação Nacional do Transporte,
se fossem eliminados os gastos adicionais devido a esse gargalo, haveria uma
economia anual de R$ 3,8 bilhões...);
c) a
dívida pública brasileira - (interna e
externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para
2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$
1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$
868 bilhões), a exigir IMEDIATA,
abrangente, qualificada e eficaz auditoria...
(ver também www.auditoriacidada.org.br).
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal
sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa
capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e
melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre
outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os
projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização,
da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!...
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