“A
barbárie que nos cerca
Basta
olhar em volta para perceber que estamos perdendo o senso de humanidade. A
cobrança, cada vez mais reiterada, de atenção aos direitos humanos parece ter
se tornado um brado obsessivo, uma espécie de neurose que habita a alma das
pessoas inconformadas. Defender os valores universais de dignidade tem se
tornado quase uma forma de assumir certa “ingenuidade” frente à complexidade do
mundo. Só os puros, tolos e alienados perdem tempo com “direitos humanos”.
Essa
situação tem criado um território propício para o cinismo. Em nome de um
pretenso realismo, passamos a assistir a lutas violentas como se fossem esporte
sadio; a acompanhar a privação da liberdade de usuários de drogas, como se
fizesse parte de uma ação protetora; assistir a filmes verdade histórica em nome de uma ética das
conveniências ideológicas, como Argo,
que transforma a ação política nacionalista iraniana em puro exercício de
terrorismo.
Em
cada um desses eventos a ideia de homem é jogada para fora da luz da razão em
nome de uma valor exterior ao homem, quase sempre de natureza econômica. A
própria economia, que já foi um refúgio da racionalidade, se perde hoje na
inversão absoluta de prioridades: volatiza os empregos (e com isso as
oportunidades humanas reais de uma vida digna) enquanto materializa as
estratégias de rendimento em torno do mundo especulativo e rentista.
O que
mais espanta nesse cenário é a sensação de concerto, de ordenamento, de um
certo cumprimento de expectativas. As pessoas, por um mecanismo decorrente do
esvaziamento da política, parecem ter mergulhado numa crise de segurança que
vem se firmando nos frágeis esteios que ainda restam. Assim, como a derrocada
parece próxima (seu filho pode ser o próximo desempregado ou, pior ainda, o
drogado da esquina), o melhor é se aferrar em certezas que partem da
autoridade.
Há uma
passagem no clássico Alice no país das
maravilhas, de Lewis Carrol, que parece ter sido pensado para nosso. Alice
é convidada a participar do julgamento e ouve, aos brados, a rainha mandar
cortar a cabeça do acusado. Ao cobrar o julgamento, recebe como resposta:
“Primeiro a sentença, depois o julgamento”. Esta é a justiça que nos acompanha
hoje em dia: primeiro sentenciamos de morte, depois derramamos nossa piedade na
forma de um julgamento vicário. Para o bem e para o mal. Há sentenças que
condenam e que libertam.
É
assim que chamamos os usuários de drogas de bandidos ou vagabundos; tachamos os
iranianos de Argo de terroristas;
consideramos, na via inversa, os torturadores americanos como soldados; nomeamos
os caçadores de lucro a qualquer custo (sobretudo do emprego e do pagamento de
impostos) de empresários; damos aos latifundiários que envenenam a terra e a
economia o título nobre de agroempresários; entronizamos os especuladores
urbanos que empalidecem o horizonte como empreiteiros; elogiamos os jornalistas
que mentem promovendo-os a formadores de opinião. Primeiro cortamos a cabeça,
depois explicamos: é tudo para o bem da sociedade.
O
princípio de Alice é operacional em várias áreas. Ele reforça o julgamento
social ao mesmo tempo que ameniza a consciência individual. No caso de usuários
de crack, em vez de combater uma economia que gera excedentes descartáveis,
acusamos o indivíduo de desvios morais e psicológicos. Para acolhê-los,
oferecemos a internação compulsória, que nada mais é que prisão ilegal
(primeiro a sentença, depois o julgamento) e que tem se mostrado ineficiente ao
longos dos anos.
BELO
E JUSTO A mesma lógica está presente na forma como as artes
e entretenimento vêm se firmando como terreno de sedimentação da ideologia. Em Argo e A hora mais escura não é preciso muita atenção para ver como a
humanidade é dividida em dois times, com nítida primazia moral de um dos lados.
Tudo que é construção histórica, como mostrou Edward Said em Orientalismo, ganha foros de naturalização no cinema
americano. Os árabes são potencialmente perigosos, o islamismo é terrorista, os
fins (a defesa dos interesses econômicos na região) justificam os meios (entre
eles a tortura).
Que
essa lógica sirva aos interesses políticos e militares se entende, tem sido
assim durante os séculos. O que chama a atenção é o fato de setores que sempre
estiveram na ponta da defesa do humanismo, como a arte e o conhecimento, se
tornarem hoje meros apêndices daqueles interesses. Quem imaginaria que, em
2013, fosse necessário gritar contra a tortura? Denunciar a naturalização de
seu uso? Assistir impassivelmente ao seu exercício como se fosse apenas mais um
dos instrumentos aptos para situações de risco?
O que
mais impressiona é o fato de ambos os filmes, Argo e A hora mais escura,
se prestarem a esse papel, mesmo se tratando de produções extremamente
benfeitas do ponto de vista artístico e técnico, o que explica os prêmios que
vêm ganhando mundo afora. O divórcio entre ética e estética está se tornando
uma clivagem. Um mundo, como queria Platão, habitado pela beleza, justiça e
bondade está cada vez mais distante.”
(JOÃO PAULO. Editor
de Cultura, em artigo publicado no jornal ESTADO
DE MINAS, edição de 9 de fevereiro de 2013, caderno PENSAR, página
2).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de
15 de fevereiro de 2013, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, Arcebispo metropolitano de Belo
Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:
“Fé
na juventude
A Igreja Católica, rumo
à Jornada Mundial da Juventude, que será realizada no Rio de Janeiro em julho
de 2013, promove a 50ª edição da Campanha da Fraternidade, com o tema “Fraternidade
e Juventude”. Nesse caminho, a Igreja consolida sua opção preferencial também
pelos jovens, consciente dos desafios que tem de enfrentar para renovar sua
linguagem, articular seu diálogo, inserir-se nas redes sociais e garantir
espaço privilegiado aos jovens na experiência do seguimento de Jesus Cristo,
sua mais importante tarefa evangelizadora.
Para a Igreja Católica,
particularmente no Brasil, este é um ano da juventude. As grandes metas incluem
a oferta de caminhos para que os jovens experimentem o encontro pessoal com
Jesus Cristo, na condição de discípulos missionários, com uma presença mais
ativa nas comunidades de fé. Assim, é possível fazer crescer os dons e talentos
da juventude, ampliando sua participação na busca de uma sociedade mais
solidária, lugar de convivência respeitosa e comprometida com o bem comum.
Essa aposta tão
importante no caminho deste tempo de quaresma está iluminada pelo horizonte
comovedor e evangelicamente rico anúncio feito pelo papa Bento XVI, de que
deixará o ministério petrino dia 28. Um acontecimento que remete a Igreja, de
modo muito forte, pela envergadura espiritual e moral do papa, ao mais genuíno
da simplicidade evangélica. As inteligências são desafiadas na busca de razões
que, elaboradas, ancoram a decisão de tal porte e tão impactante. As mentes
também ganham uma luminosidade incomum que exige assentamento na mais
qualificada significação da condição de simples “servos da vinha do Senhor”,
como o papa Bento XVI dizia no dia de sua eleição como sucessor de Pedro, em
2005.
Ainda muito importante
é considerar o desafio posto a todos os que servem na Igreja, impulsionados a
uma corajosa revisão na ocupação de cargos e lugares, no desempenho de
responsabilidades e na coragem saudável de não gabar-se de nada e nem se
considerar, absolutamente, mais importante ou privilegiado. Na apresentação de
sua renúncia, o papa Bento XVI diz que, no mundo de hoje, sujeito a rápidas
mudanças e agitado por questões de grande relevância na vida da fé, para
governar a barca de São Pedro e anunciar o evangelho é necessário vigor, do
corpo e do espírito.
Não há inteligência que
substitua, estratégias que se equiparem ou ações políticas e diplomáticas que
alcancem a estatura e força transformadora que virá sempre de que cultiva esse
acenado vigor espiritual. Neste momento oportuno, a Igreja percorre o caminho
rico e interpelador do tempo da quaresma, iluminada pelo brilhante testemunho
de fé e de profunda intimidade com Deus, na vida e ministério do papa Bento
XVI. É chamada a avaliar, compreender e dar uma resposta adequada ao tesouro
inesgotável de sua fé. Entre muitos capítulos que estão sendo repassados, em
busca de posturas e respostas novas, está o compromisso emanado da opção
preferencial pelos jovens. A efetivação dessa aposta, indispensável, inadiável
e sempre atual no caminho evangelizador da Igreja, é um enorme desafio. Supõe
muitas e profundas mudanças.
O intocável tesouro da
fé, buscado cada vez mais na sua riqueza inesgotável, para ser aprendido e
vivido, desafia o caminho pedagógico e formativo da Igreja, exigindo mudanças
iluminadas por uma compreensão capaz de produzir nova lucidez e intuir novas respostas.
Não se trata apenas de multiplicar alguns eventos, retomar práticas ou
simplesmente dar algumas indicações. Os desafios são amplos. A cultura
midiática, por exemplo, requer um conhecimento mais apurado, com resultados na
abordagem das muitas e novas linguagens, para garantir aos jovens a vivência de
experiências interativas, diálogos e, particularmente, testemunhos.
Importante, sobretudo
neste tempo de quaresma e na vivência da Campanha da Fraternidade, é cultivar,
pela simplicidade evangélica, uma espiritualidade capaz de fortalecer sempre a
opção preferencial pelos jovens.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
adequadas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio a
maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, soberanas, civilizadas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
no mês de seus nascimento –, ate a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade
absoluta de nossas políticas públicas;
b) o
combate, implacável e sem trégua,
aos três dos nossos maiores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a
manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção,
como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando
incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas
modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente
irreparáveis;
c) a
dívida pública brasileira, com
projeção para 2013, segundo o Orçamento
Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros,
encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de
R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e
eficaz auditoria...
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta
sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa
capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas,
necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das
desigualdades sociais e regionais e
nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem
arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta
grande cruzada nacional pela cidadania e
qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, qualificada,
civilizada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que
possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades
com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no
horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como
a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das
Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras
do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da
globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do
conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um
possível e novo mundo da justiça, da
liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...
O
BRASIL TEM JEITO!...