segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A CIDADANIA, A HORA DA BARBÁRIE E A FÉ NA JUVENTUDE


“A barbárie que nos cerca
         
        Basta olhar em volta para perceber que estamos perdendo o senso de humanidade. A cobrança, cada vez mais reiterada, de atenção aos direitos humanos parece ter se tornado um brado obsessivo, uma espécie de neurose que habita a alma das pessoas inconformadas. Defender os valores universais de dignidade tem se tornado quase uma forma de assumir certa “ingenuidade” frente à complexidade do mundo. Só os puros, tolos e alienados perdem tempo com “direitos humanos”.
         Essa situação tem criado um território propício para o cinismo. Em nome de um pretenso realismo, passamos a assistir a lutas violentas como se fossem esporte sadio; a acompanhar a privação da liberdade de usuários de drogas, como se fizesse parte de uma ação protetora; assistir a filmes  verdade histórica em nome de uma ética das conveniências ideológicas, como Argo, que transforma a ação política nacionalista iraniana em puro exercício de terrorismo.
         Em cada um desses eventos a ideia de homem é jogada para fora da luz da razão em nome de uma valor exterior ao homem, quase sempre de natureza econômica. A própria economia, que já foi um refúgio da racionalidade, se perde hoje na inversão absoluta de prioridades: volatiza os empregos (e com isso as oportunidades humanas reais de uma vida digna) enquanto materializa as estratégias de rendimento em torno do mundo especulativo e rentista.
         O que mais espanta nesse cenário é a sensação de concerto, de ordenamento, de um certo cumprimento de expectativas. As pessoas, por um mecanismo decorrente do esvaziamento da política, parecem ter mergulhado numa crise de segurança que vem se firmando nos frágeis esteios que ainda restam. Assim, como a derrocada parece próxima (seu filho pode ser o próximo desempregado ou, pior ainda, o drogado da esquina), o melhor é se aferrar em certezas que partem da autoridade.
         Há uma passagem no clássico Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol, que parece ter sido pensado para nosso. Alice é convidada a participar do julgamento e ouve, aos brados, a rainha mandar cortar a cabeça do acusado. Ao cobrar o julgamento, recebe como resposta: “Primeiro a sentença, depois o julgamento”. Esta é a justiça que nos acompanha hoje em dia: primeiro sentenciamos de morte, depois derramamos nossa piedade na forma de um julgamento vicário. Para o bem e para o mal. Há sentenças que condenam e que libertam.
         É assim que chamamos os usuários de drogas de bandidos ou vagabundos; tachamos os iranianos de Argo de terroristas; consideramos, na via inversa, os torturadores americanos como soldados; nomeamos os caçadores de lucro a qualquer custo (sobretudo do emprego e do pagamento de impostos) de empresários; damos aos latifundiários que envenenam a terra e a economia o título nobre de agroempresários; entronizamos os especuladores urbanos que empalidecem o horizonte como empreiteiros; elogiamos os jornalistas que mentem promovendo-os a formadores de opinião. Primeiro cortamos a cabeça, depois explicamos: é tudo para o bem da sociedade.
         O princípio de Alice é operacional em várias áreas. Ele reforça o julgamento social ao mesmo tempo que ameniza a consciência individual. No caso de usuários de crack, em vez de combater uma economia que gera excedentes descartáveis, acusamos o indivíduo de desvios morais e psicológicos. Para acolhê-los, oferecemos a internação compulsória, que nada mais é que prisão ilegal (primeiro a sentença, depois o julgamento) e que tem se mostrado ineficiente ao longos dos anos.

BELO E JUSTO A mesma lógica está presente na forma como as artes e entretenimento vêm se firmando como terreno de sedimentação da ideologia. Em Argo e A hora mais escura não é preciso muita atenção para ver como a humanidade é dividida em dois times, com nítida primazia moral de um dos lados. Tudo que é construção histórica, como mostrou Edward Said em Orientalismo,  ganha foros de naturalização no cinema americano. Os árabes são potencialmente perigosos, o islamismo é terrorista, os fins (a defesa dos interesses econômicos na região) justificam os meios (entre eles a tortura).
         Que essa lógica sirva aos interesses políticos e militares se entende, tem sido assim durante os séculos. O que chama a atenção é o fato de setores que sempre estiveram na ponta da defesa do humanismo, como a arte e o conhecimento, se tornarem hoje meros apêndices daqueles interesses. Quem imaginaria que, em 2013, fosse necessário gritar contra a tortura? Denunciar a naturalização de seu uso? Assistir impassivelmente ao seu exercício como se fosse apenas mais um dos instrumentos aptos para situações de risco?
         O que mais impressiona é o fato de ambos os filmes, Argo e A hora mais escura, se prestarem a esse papel, mesmo se tratando de produções extremamente benfeitas do ponto de vista artístico e técnico, o que explica os prêmios que vêm ganhando mundo afora. O divórcio entre ética e estética está se tornando uma clivagem. Um mundo, como queria Platão, habitado pela beleza, justiça e bondade está cada vez mais distante.”
(JOÃO PAULO. Editor de Cultura, em artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 9 de fevereiro de 2013, caderno PENSAR, página 2).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no mesmo veículo, edição de 15 de fevereiro de 2013, página 9, de autoria de DOM WALMOR OLIVEIRA DE AZEVEDO, Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, e que merece igualmente integral transcrição:

“Fé na juventude

A Igreja Católica, rumo à Jornada Mundial da Juventude, que será realizada no Rio de Janeiro em julho de 2013, promove a 50ª edição da Campanha da Fraternidade, com o tema “Fraternidade e Juventude”. Nesse caminho, a Igreja consolida sua opção preferencial também pelos jovens, consciente dos desafios que tem de enfrentar para renovar sua linguagem, articular seu diálogo, inserir-se nas redes sociais e garantir espaço privilegiado aos jovens na experiência do seguimento de Jesus Cristo, sua mais importante tarefa evangelizadora.
Para a Igreja Católica, particularmente no Brasil, este é um ano da juventude. As grandes metas incluem a oferta de caminhos para que os jovens experimentem o encontro pessoal com Jesus Cristo, na condição de discípulos missionários, com uma presença mais ativa nas comunidades de fé. Assim, é possível fazer crescer os dons e talentos da juventude, ampliando sua participação na busca de uma sociedade mais solidária, lugar de convivência respeitosa e comprometida com o bem comum.
Essa aposta tão importante no caminho deste tempo de quaresma está iluminada pelo horizonte comovedor e evangelicamente rico anúncio feito pelo papa Bento XVI, de que deixará o ministério petrino dia 28. Um acontecimento que remete a Igreja, de modo muito forte, pela envergadura espiritual e moral do papa, ao mais genuíno da simplicidade evangélica. As inteligências são desafiadas na busca de razões que, elaboradas, ancoram a decisão de tal porte e tão impactante. As mentes também ganham uma luminosidade incomum que exige assentamento na mais qualificada significação da condição de simples “servos da vinha do Senhor”, como o papa Bento XVI dizia no dia de sua eleição como sucessor de Pedro, em 2005.
Ainda muito importante é considerar o desafio posto a todos os que servem na Igreja, impulsionados a uma corajosa revisão na ocupação de cargos e lugares, no desempenho de responsabilidades e na coragem saudável de não gabar-se de nada e nem se considerar, absolutamente, mais importante ou privilegiado. Na apresentação de sua renúncia, o papa Bento XVI diz que, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância na vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o evangelho é necessário vigor, do corpo e do espírito.
Não há inteligência que substitua, estratégias que se equiparem ou ações políticas e diplomáticas que alcancem a estatura e força transformadora que virá sempre de que cultiva esse acenado vigor espiritual. Neste momento oportuno, a Igreja percorre o caminho rico e interpelador do tempo da quaresma, iluminada pelo brilhante testemunho de fé e de profunda intimidade com Deus, na vida e ministério do papa Bento XVI. É chamada a avaliar, compreender e dar uma resposta adequada ao tesouro inesgotável de sua fé. Entre muitos capítulos que estão sendo repassados, em busca de posturas e respostas novas, está o compromisso emanado da opção preferencial pelos jovens. A efetivação dessa aposta, indispensável, inadiável e sempre atual no caminho evangelizador da Igreja, é um enorme desafio. Supõe muitas e profundas mudanças.
O intocável tesouro da fé, buscado cada vez mais na sua riqueza inesgotável, para ser aprendido e vivido, desafia o caminho pedagógico e formativo da Igreja, exigindo mudanças iluminadas por uma compreensão capaz de produzir nova lucidez e intuir novas respostas. Não se trata apenas de multiplicar alguns eventos, retomar práticas ou simplesmente dar algumas indicações. Os desafios são amplos. A cultura midiática, por exemplo, requer um conhecimento mais apurado, com resultados na abordagem das muitas e novas linguagens, para garantir aos jovens a vivência de experiências interativas, diálogos e, particularmente, testemunhos.
Importante, sobretudo neste tempo de quaresma e na vivência da Campanha da Fraternidade, é cultivar, pela simplicidade evangélica, uma espiritualidade capaz de fortalecer sempre a opção preferencial pelos jovens.”
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, adequadas  e oportunas  abordagens e reflexões que acenam, em meio a maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, soberanas, civilizadas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:
     
     a)     a educação – universal e de qualidade, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente no mês de seus nascimento –, ate a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas;
     b)    o combate, implacável e sem trégua, aos três dos nossos maiores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados; II – a corrupção, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem; III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis;
     c)     a dívida pública brasileira, com projeção para 2013, segundo o Orçamento Geral da União, de astronômico e intolerável desembolso de cerca de R$ 1 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 610 bilhões), a exigir igualmente uma imediata, abrangente, qualificada e eficaz auditoria...

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tanta sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de extremas e sempre crescentes demandas, necessidades, carências e deficiências, o que aumenta o colossal abismo das desigualdades sociais e regionais e nos afasta num crescendo do seleto grupo dos sustentavelmente desenvolvidos...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente justa, ética, educada, qualificada, civilizada, livre, soberana, democrática, desenvolvida e solidária, que possa partilhar suas extraordinárias riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros, especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a 27ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em julho; a Copa das Confederações em junho; a Copa do Mundo de 2014; a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do pré-sal, segundo as exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das empresas, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!...

O BRASIL TEM JEITO!...  

         

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