“O
‘não’ do referendo na Grécia:
a dignidade venceu a cobiça
Há momentos na vida de
um povo em que ele deve dizer “não” para além das possíveis consequências.
Trata-se de dignidade, soberania popular, democracia real e o tipo de vida que
se quer para toda a população.
Há
cinco anos, a Grécia se debate numa terrível crise econômico-financeira,
sujeita a todo tipo de exploração, chantagem e até terrorismo por parte do
sistema financeiro, especialmente o de origem alemã e francesa. Ocorria uma
verdadeira intervenção na soberania nacional, com a pura e simples imposição de
medidas de extrema austeridade excogitadas, sem consultar ninguém, pela Troika
(Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI).
Tais
medidas implicaram uma tragédia social, face à qual o sistema financeiro não
mostrava nenhum sentido de humanidade. Um de quatro adultos está desempregado,
mais da metade dos jovens está sem ocupação remunerada, e o PIB caiu 27%. Não
passa pela cabeça dos especuladores que atrás das estatísticas se esconde uma
via-sacra de sofrimento de milhões de pessoas e a humilhação de todo um povo.
Seu lema é “a cobiça é boa”. Nada mais conta.
O novo
governo grego de esquerda, que quis negociar as medidas de austeridade
duríssimas, encontrou ouvidos moucos. A atitude era de total submissão: ou
tomar, ou deixar. Nada de uma estratégia do ganha-ganha, mas pura e
simplesmente do ganha-perde. A disposição era a de humilhar o governo de
esquerda socialista de Tsipras, dar uma lição a todos os demais países com
crises semelhantes (Itália, Espanha, Portugal).
A
única saída honrosa de Tsipras foi convocar um referendo. Qual a posição face à
inflexibilidade férrea da austeridade, que aparece totalmente irracional por levar
uma nação ao colapso, exigindo uma cobrança da dívida reconhecidamente
impagável?
A
vitória de domingo foi espetacular para o “não”: 61%. Primeira lição: os
poderosos não podem fazer o que bem entendem, e os fracos não estão mais
dispostos a aceitar as humilhações. Segunda lição: a derrota do “sim” mostrou
claramente o coração empedernido do capital bancário europeu. Terceiro, trouxe
à luz a traição da unidade europeia a seus próprios ideais. Renderam-se à
lógica perversa do capital financeiro.
A vitória
do “não” representa uma lição para toda a Europa: se ela quer continuar a ser
súcuba das políticas imperiais norte-americanas ou se quer construir uma
verdadeira unidade europeia sobre os valores da democracia e dos direitos.
Uma
lição para todos, também para nós: quando se trata de uma crise radical que
implica os rumos futuros do país, deve-se voltar ao povo, portador da soberania
política, e confiar nele. A partir de agora, os credores e as inflexíveis
autoridades da zona do euro terão pela frente não um governo que eles podem
aterrorizar e manipular, mas um povo unido que tem consciência de sua dignidade
e que não se rende à avidez dos capitais.
Na
Grécia, nasceu a democracia de cunho elitista. Agora está nascendo uma democracia
popular e direta. Ela será um complemento à democracia delegatícia. Isso vale
também para nós.
Um
prognóstico, quiçá uma profecia: não estará nascendo, a partir da Grécia, a era
dos povos? Face às crises globais, serão eles que irão às ruas, como entre nós
e na Espanha, e tentarão formular os parâmetros políticos e éticos do tipo de
mundo que queremos para todos. Já não confiam no que vem de cima. Seguramente,
o eixo estruturador não será a economia capitalista desmoronando, mas a vida.”
(LEONARDO BOFF.
Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 10 de julho de 2015, caderno O.PINIÃO, página 18).
Mais uma importante e oportuna contribuição para o
nosso trabalho de Mobilização para a
Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 21 de junho
de 2006, caderno OPINIÃO, página 11,
de autoria de DÉLCIO VIEIRA SALOMON, professor
universitário e escritor, e que merece igualmente integral transcrição:
“Política
e corrupção
Cortejadas pela
decepção causada por Lula do poder e a derrocada do PT como partido da ética,
política e corrupção desgraçadamente realizaram casamento indissolúvel em nossa
sociedade. Diante dos fatos alarmantes detectados dentro e fora das CPIs é esta
a sensação que perpassa todas as camadas da sociedade brasileira. A maioria de
nossos homens públicos, notadamente os políticos, foi atingida pelo vírus da
corrupção. Antigamente, os fatos eram isolados e podia-se dizer: “Não
generalizemos, trata-se de uma minoria”. Hoje, comprova-se o contrário. A
antiga exceção virou paradigma de comportamento.
A
partir da realidade observada, já não podemos afirmar, escorados em
Aristóteles, que ética, política e justiça estão constituindo os três pilares
da vida social brasileira. Já foi o tempo em que se podia pensar com Santo
Tomás de Aquino que a sociedade política é construção moral e que à política,
mais do que administrar os bens tangíveis da sociedade, caberia organizar e
conduzir seu comportamento ético. Desprovido de justiça, que é essencialmente
ética, o Estado não passa de um bando de assaltantes, conforme já nos advertia
Santo Agostinho.
Lamentavelmente,
hoje é comum ouvir que a ética é algo utópico, pois a corrupção e não a ética é
própria da natureza humana. Argumenta-se que sempre houve corruptos. Mas será
que, diante de nossa atual realidade, os antigos não foram casos excepcionais?
Hoje vemos a corrupção detectada em todas as instituições, desde as públicas às
privadas. Daí ser frequente a triste constatação: a corrupção é inerente à
condição humana.
No meu
entender, esta terrível afirmação leva-nos à passividade e ao conformismo,
pois, aceitando-a em sua plenitude, somos vítimas do engano de que a condição
humana é uma fatalidade impregnada em cada um de nós, quando na verdade se
trata de uma construção constante, de todos os dias, feita pela inteligência e
pela solidariedade.
Esta
tendência de atribuir a corrupção à condição humana me reporta a uma afirmação
de Marx, quando combatia a ideia de fatalidade da vida humana. Dizia o grande
mestre: “O homem é formado pelas circunstâncias (...) mas, é necessário formar
as circunstância humanamente”. Também via a chamada condição humana como
construção, pois, se assim não for, passa a ser uma válvula de escape, um
mecanismo de fuga de nossas responsabilidades. Sua dialética, que sabia
valorizar os conflitos humanos e sociais, não lhe permitia jamais contemporizar
com as ideias de Rousseau, do homem bom por natureza, nem com as de Hobbes, do
homem lobo do homem. Infelizmente, vivemos hoje numa sociedade em que o mundo é
dos espertos e de quem tem dinheiro. Os destituídos da esperteza e da riqueza
são tachados de babacas, ingênuos, otários, retrógrados e como tais merecem o
desprezo.
Numa
sociedade como a nossa, com governantes, legisladores e juízes que aceitam
passivamente a corrupção e frequentemente tornam-se praticantes do rompimento
com a ética, pois manifesta ou latentemente professam que os fins justificam os
meios, é de se esperar seus reflexos nas camadas mais influenciáveis da
população, notadamente entre os destituídos de educação e do poder aquisitivo
para a sobrevivência. Se procurarmos a fonte da violência em nossa sociedade,
por certo, para surpresa de muitos, ela será encontrada no exemplo acima. Oxalá
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com sua gana de ser reeleito, reflita
sobre isso!”.
Eis, portanto, mais páginas contendo importantes,
incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise
de liderança de nossa história – que é de ética,
de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas
educacionais, governamentais, jurídicas,
políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de
modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais
livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente
desenvolvidas...
Assim, urge ainda a efetiva problematização de
questões deveras cruciais como:
a) a
educação – universal e de qualidade –, desde
a educação infantil (0 a 3 anos de
idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo
da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira
série do ensino fundamental, independentemente
do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação
(especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas
públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja
verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira
incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria;
a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da
participação, da sustentabilidade...);
b) o
combate implacável, sem eufemismos e
sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são:
I – a inflação, a exigir permanente,
competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares
civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do IBGE, a inflação de
junho medida pelo IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo – e acumulada nos
últimos doze meses atingiu 8,89%...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade –
“dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se
espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos
e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a simples divulgação do balanço
auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta no exercício de 2014 perdas
pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$ 21,6 bilhões, não pode de
forma alguma significar página virada
– eis que são valores simbólicos –, pois em nossos 515 anos já se formou um
verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes, desvios, malversação, saque,
rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então, a corrupção mata, e, assim,
é crime...); III – o desperdício, em
todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos,
indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, e segundo o estudo “Transporte e
Desenvolvimento – Entraves Logísticos ao Escoamento de Soja e Milho, divulgado
pela Confederação Nacional do Transporte, se fossem eliminados os gastos
adicionais devido a esse gargalo, haveria uma economia anual de R$ 3,8 bilhões...);
c) a
dívida pública brasileira - (interna e
externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para
2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e
insuportável desembolso de cerca de R$
1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos
(apenas com esta rubrica, previsão de R$
868 bilhões), a exigir alguns fundamentos da sabedoria grega:
-
pagar,
sim, até o último centavo;
-
rigorosamente, não pagar com o pão do povo;
-
realizar uma IMEDIATA, abrangente,
qualificada, independente e eficaz auditoria...
(ver também www.auditoriacidada.org.br);
Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão
descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a
nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a
credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e
regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores
como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias,
hidrovias, portos, aeroportos); a educação;
a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos
sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana
(trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às
commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência
social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas;
polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência,
tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações;
qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –,
transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e
melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre
outros...
São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que,
de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e
nem arrefecem o nosso entusiasmo e
otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação
verdadeiramente participativa, justa,
ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e
desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas
riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos
os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos
bilionários previstos e que contemplam eventos como a Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os
projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização,
da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da
inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo
mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com
equidade –, e da fraternidade
universal...
Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a
nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!
O
BRASIL TEM JEITO!