quarta-feira, 15 de julho de 2015

A CIDADANIA, A LIÇÃO DOS GREGOS, A POLÍTICA E A CORRUPÇÃO

“O ‘não’ do referendo na Grécia: 
   a dignidade venceu a cobiça
        Há momentos na vida de um povo em que ele deve dizer “não” para além das possíveis consequências. Trata-se de dignidade, soberania popular, democracia real e o tipo de vida que se quer para toda a população.
         Há cinco anos, a Grécia se debate numa terrível crise econômico-financeira, sujeita a todo tipo de exploração, chantagem e até terrorismo por parte do sistema financeiro, especialmente o de origem alemã e francesa. Ocorria uma verdadeira intervenção na soberania nacional, com a pura e simples imposição de medidas de extrema austeridade excogitadas, sem consultar ninguém, pela Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI).
         Tais medidas implicaram uma tragédia social, face à qual o sistema financeiro não mostrava nenhum sentido de humanidade. Um de quatro adultos está desempregado, mais da metade dos jovens está sem ocupação remunerada, e o PIB caiu 27%. Não passa pela cabeça dos especuladores que atrás das estatísticas se esconde uma via-sacra de sofrimento de milhões de pessoas e a humilhação de todo um povo. Seu lema é “a cobiça é boa”. Nada mais conta.
         O novo governo grego de esquerda, que quis negociar as medidas de austeridade duríssimas, encontrou ouvidos moucos. A atitude era de total submissão: ou tomar, ou deixar. Nada de uma estratégia do ganha-ganha, mas pura e simplesmente do ganha-perde. A disposição era a de humilhar o governo de esquerda socialista de Tsipras, dar uma lição a todos os demais países com crises semelhantes (Itália, Espanha, Portugal).
         A única saída honrosa de Tsipras foi convocar um referendo. Qual a posição face à inflexibilidade férrea da austeridade, que aparece totalmente irracional por levar uma nação ao colapso, exigindo uma cobrança da dívida reconhecidamente impagável?
         A vitória de domingo foi espetacular para o “não”: 61%. Primeira lição: os poderosos não podem fazer o que bem entendem, e os fracos não estão mais dispostos a aceitar as humilhações. Segunda lição: a derrota do “sim” mostrou claramente o coração empedernido do capital bancário europeu. Terceiro, trouxe à luz a traição da unidade europeia a seus próprios ideais. Renderam-se à lógica perversa do capital financeiro.
         A vitória do “não” representa uma lição para toda a Europa: se ela quer continuar a ser súcuba das políticas imperiais norte-americanas ou se quer construir uma verdadeira unidade europeia sobre os valores da democracia e dos direitos.
         Uma lição para todos, também para nós: quando se trata de uma crise radical que implica os rumos futuros do país, deve-se voltar ao povo, portador da soberania política, e confiar nele. A partir de agora, os credores e as inflexíveis autoridades da zona do euro terão pela frente não um governo que eles podem aterrorizar e manipular, mas um povo unido que tem consciência de sua dignidade e que não se rende à avidez dos capitais.
         Na Grécia, nasceu a democracia de cunho elitista. Agora está nascendo uma democracia popular e direta. Ela será um complemento à democracia delegatícia. Isso vale também para nós.
         Um prognóstico, quiçá uma profecia: não estará nascendo, a partir da Grécia, a era dos povos? Face às crises globais, serão eles que irão às ruas, como entre nós e na Espanha, e tentarão formular os parâmetros políticos e éticos do tipo de mundo que queremos para todos. Já não confiam no que vem de cima. Seguramente, o eixo estruturador não será a economia capitalista desmoronando, mas a vida.”

(LEONARDO BOFF. Filósofo e teólogo, em artigo publicado no jornal O TEMPO Belo Horizonte, edição de 10 de julho de 2015, caderno O.PINIÃO, página 18).

Mais uma importante e oportuna contribuição para o nosso trabalho de Mobilização para a Cidadania e Qualidade vem de artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS, edição de 21 de junho de 2006, caderno OPINIÃO, página 11, de autoria de DÉLCIO VIEIRA SALOMON, professor universitário e escritor, e que merece igualmente integral transcrição:

“Política e corrupção
        Cortejadas pela decepção causada por Lula do poder e a derrocada do PT como partido da ética, política e corrupção desgraçadamente realizaram casamento indissolúvel em nossa sociedade. Diante dos fatos alarmantes detectados dentro e fora das CPIs é esta a sensação que perpassa todas as camadas da sociedade brasileira. A maioria de nossos homens públicos, notadamente os políticos, foi atingida pelo vírus da corrupção. Antigamente, os fatos eram isolados e podia-se dizer: “Não generalizemos, trata-se de uma minoria”. Hoje, comprova-se o contrário. A antiga exceção virou paradigma de comportamento.
         A partir da realidade observada, já não podemos afirmar, escorados em Aristóteles, que ética, política e justiça estão constituindo os três pilares da vida social brasileira. Já foi o tempo em que se podia pensar com Santo Tomás de Aquino que a sociedade política é construção moral e que à política, mais do que administrar os bens tangíveis da sociedade, caberia organizar e conduzir seu comportamento ético. Desprovido de justiça, que é essencialmente ética, o Estado não passa de um bando de assaltantes, conforme já nos advertia Santo Agostinho.
         Lamentavelmente, hoje é comum ouvir que a ética é algo utópico, pois a corrupção e não a ética é própria da natureza humana. Argumenta-se que sempre houve corruptos. Mas será que, diante de nossa atual realidade, os antigos não foram casos excepcionais? Hoje vemos a corrupção detectada em todas as instituições, desde as públicas às privadas. Daí ser frequente a triste constatação: a corrupção é inerente à condição humana.
         No meu entender, esta terrível afirmação leva-nos à passividade e ao conformismo, pois, aceitando-a em sua plenitude, somos vítimas do engano de que a condição humana é uma fatalidade impregnada em cada um de nós, quando na verdade se trata de uma construção constante, de todos os dias, feita pela inteligência e pela solidariedade.
         Esta tendência de atribuir a corrupção à condição humana me reporta a uma afirmação de Marx, quando combatia a ideia de fatalidade da vida humana. Dizia o grande mestre: “O homem é formado pelas circunstâncias (...) mas, é necessário formar as circunstância humanamente”. Também via a chamada condição humana como construção, pois, se assim não for, passa a ser uma válvula de escape, um mecanismo de fuga de nossas responsabilidades. Sua dialética, que sabia valorizar os conflitos humanos e sociais, não lhe permitia jamais contemporizar com as ideias de Rousseau, do homem bom por natureza, nem com as de Hobbes, do homem lobo do homem. Infelizmente, vivemos hoje numa sociedade em que o mundo é dos espertos e de quem tem dinheiro. Os destituídos da esperteza e da riqueza são tachados de babacas, ingênuos, otários, retrógrados e como tais merecem o desprezo.
         Numa sociedade como a nossa, com governantes, legisladores e juízes que aceitam passivamente a corrupção e frequentemente tornam-se praticantes do rompimento com a ética, pois manifesta ou latentemente professam que os fins justificam os meios, é de se esperar seus reflexos nas camadas mais influenciáveis da população, notadamente entre os destituídos de educação e do poder aquisitivo para a sobrevivência. Se procurarmos a fonte da violência em nossa sociedade, por certo, para surpresa de muitos, ela será encontrada no exemplo acima. Oxalá o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com sua gana de ser reeleito, reflita sobre isso!”.

Eis, portanto, mais páginas contendo importantes, incisivas e oportunas abordagens e reflexões que acenam, em meio à maior crise de liderança de nossa história – que é de ética, de moral, de princípios, de valores –, para a imperiosa e urgente necessidade de profundas mudanças em nossas estruturas educacionais, governamentais, jurídicas, políticas, sociais, culturais, econômicas, financeiras e ambientais, de modo a promovermos a inserção do País no concerto das potências mundiais livres, civilizadas, soberanas, democráticas e sustentavelmente desenvolvidas...

Assim, urge ainda a efetiva problematização de questões deveras cruciais como:

     a)     a educação – universal e de qualidade –, desde a educação infantil (0 a 3 anos de idade, em creches; 4 e 5 anos de idade, em pré-escolas) – e mais o imperativo da modernidade de matricularmos nossas crianças de 6 anos de idade na primeira série do ensino fundamental, independentemente do mês de seu nascimento –, até a pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado), como prioridade absoluta de nossas políticas públicas (enfim, 125 anos depois, a República proclama o que esperamos seja verdadeiramente o início de uma revolução educacional, mobilizando de maneira incondicional todas as forças vivas do país, para a realização da nova pátria; a pátria da educação, da ética, da justiça, da civilidade, da democracia, da participação, da sustentabilidade...);

     b)    o combate implacável, sem eufemismos e sem tréguas, aos três dos nossos maiores e mais devastadores inimigos que são: I – a inflação, a exigir permanente, competente e diuturna vigilância, de forma a manter-se em patamares civilizados, ou seja, próximos de zero (segundo dados do IBGE, a inflação de junho medida pelo IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo – e acumulada nos últimos doze meses atingiu 8,89%...); II – a corrupção, há séculos, na mais perversa promiscuidade  –  “dinheiro público versus interesses privados” –, como um câncer a se espalhar por todas as esferas da vida nacional, gerando incalculáveis prejuízos e comprometimentos de vária ordem (a propósito, a simples divulgação do balanço auditado da Petrobras, que, em síntese, apresenta no exercício de 2014 perdas pela corrupção de R$ 6,2 bilhões e prejuízos de R$ 21,6 bilhões, não pode de forma alguma significar página virada – eis que são valores simbólicos –, pois em nossos 515 anos já se formou um verdadeiro oceano de suborno, propina, fraudes, desvios, malversação, saque, rapina e dilapidação do nosso patrimônio... Então, a corrupção mata, e, assim, é crime...); III – o desperdício, em todas as suas modalidades, também a ocasionar inestimáveis perdas e danos, indubitavelmente irreparáveis (por exemplo, e segundo o estudo “Transporte e Desenvolvimento – Entraves Logísticos ao Escoamento de Soja e Milho, divulgado pela Confederação Nacional do Transporte, se fossem eliminados os gastos adicionais devido a esse gargalo, haveria uma economia anual de R$ 3,8 bilhões...);

     c)     a dívida pública brasileira - (interna e externa; federal, estadual, distrital e municipal) –, com projeção para 2015, apenas segundo a proposta do Orçamento Geral da União, de exorbitante e insuportável desembolso de cerca de R$ 1,356 trilhão, a título de juros, encargos, amortização e refinanciamentos (apenas com esta rubrica, previsão de R$ 868 bilhões), a exigir alguns fundamentos da sabedoria grega:
- pagar, sim, até o último centavo;
- rigorosamente, não pagar com o pão do povo;
- realizar uma IMEDIATA, abrangente, qualificada, independente e eficaz auditoria... (ver também www.auditoriacidada.org.br);

Destarte, torna-se absolutamente inútil lamentarmos a falta de recursos diante de tão descomunal sangria que dilapida o nosso já combalido dinheiro público, mina a nossa capacidade de investimento e de poupança e, mais grave ainda, afeta a credibilidade de nossas instituições, negligenciando a justiça, a verdade, a honestidade e o amor à pátria, ao lado de abissais desigualdades sociais e regionais e de extremas e sempre crescentes necessidades de ampliação e modernização de setores como: a gestão pública; a infraestrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos); a educação; a saúde; o saneamento ambiental (água tratada, esgoto tratado, resíduos sólidos tratados, macrodrenagem urbana, logística reversa); meio ambiente; habitação; mobilidade urbana (trânsito, transporte, acessibilidade); minas e energia; emprego, trabalho e renda; agregação de valor às commodities; sistema financeiro nacional; assistência social; previdência social; segurança alimentar e nutricional; segurança pública; forças armadas; polícia federal; defesa civil; logística; pesquisa e desenvolvimento; ciência, tecnologia e inovação; cultura, esporte e lazer; turismo; comunicações; qualidade (planejamento – estratégico, tático e operacional –, transparência, eficiência, eficácia, efetividade, economicidade – “fazer mais e melhor, com menos” –, criatividade, produtividade, competitividade); entre outros...

São, e bem o sabemos, gigantescos desafios mas que, de maneira alguma, abatem o nosso ânimo e nem arrefecem o nosso entusiasmo e otimismo nesta grande cruzada nacional pela cidadania e qualidade, visando à construção de uma Nação verdadeiramente participativa, justa, ética, educada, civilizada, qualificada, livre, soberana, democrática e desenvolvida, que possa partilhar suas extraordinárias e generosas riquezas, oportunidades e potencialidades com todas as brasileiras e com todos os brasileiros. Ainda mais especialmente no horizonte de investimentos bilionários previstos e que contemplam eventos como a   Olimpíada de 2016; as obras do PAC e os projetos do Pré-Sal, à luz das exigências do século 21, da era da globalização, da internacionalização das organizações, da informação, do conhecimento, da inovação, das novas tecnologias, da sustentabilidade e de um possível e novo mundo da justiça, da liberdade, da paz, da igualdade – e com equidade –, e da fraternidade universal...

Este é o nosso sonho, o nosso amor, a nossa luta, a nossa fé, a nossa esperança... e perseverança!

O BRASIL TEM JEITO!    
     
        

    

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